O número de trabalhadores por conta de outrem (TCO) que ganham 3000 euros líquidos ou mais (portanto, já depois de pagos os impostos e os descontos para a Segurança Social) atingiu o maior valor de que há registo nas séries do Instituto Nacional de Estatística (INE), quase 92 mil empregados, no final do quarto trimestre do ano passado.Pelas contas dos DN, além de nunca ter havido tanta gente neste escalão de rendimento salarial líquido acima dos 3000 euros mensais limpos, os aumentos subjacentes são muito significativos.Em termos anuais (face ao quarto trimestre de 2023), este segmento dos trabalhadores mais abonados aumentou mais de 67%.E face ao pós-programa de austeridade da troika (final de 2014), o aumento é impressionante, ascende a 262%. Isto é, em apenas dez anos, o número de TCO mais ricos quase que quadruplicou, mostram os nossos cálculos. Foi a maior criação de empregos 'ricos' nos registos do INE, que remontam a 2011. Durante muitos anos, desde pelo menos 2010 e até 2017, este grupo andava sempre na casa das 30 mil pessoas. Desde então, disparou, representando hoje mais de 2% do total de emprego por conta de outrem.E foi um salto que superou muito largamente a evolução média nacional.Nestes dez anos que vão desde a saída da troika, o emprego avançou apenas 19,4% (em média, não chega a 2% ao ano. E face ao final de 2023, o emprego por conta de outrem subiu apenas 0,3%.O segundo segmento onde houve mais criação de emprego foi o que vem logo abaixo do escalão dos mais abonados. O grupo de TCO que levam para casa entre 2500 e 3000 euros líquidos engordou 249% (também quase quadruplicou) e no ano que termina no quarto trimestre de 2024 o aumento também foi expressivo (mais 71%). Neste grupo, há agora 86 mil trabalhadores, diz o INE.Desde o fim do programa de ajustamento, quatro anos marcados pelo desemprego elevado e uma forte desvalorização salarial e das pensões, o emprego viria a recuperar. Hoje há mais 710 mil postos de trabalho por conta de outrem do que há dez anos.Algumas razõesNo entanto, os sucessivos recordes do emprego têm sido acompanhados nos últimos anos por tentativas de desagravamento fiscal (veja-se as medidas de alívio transversal no IRS e o pacote específico do IRS Jovem), pelos acordos entre sucessivos governos (PS e agora PSD-CDS) e parceiros sociais que têm garantido um roteiro de subida do salário mínimo (SMN), mas também novas bolhas na atividade económica, sobretudo as que estão ligadas ao turismo, ao imobiliário e à atividade financeira, que têm dado a ganhar muito mais aos empregados destes setores. O INE também mostra isso.Em contrapartida, os únicos escalões de rendimento onde houve destruição de empregos nos últimos dez anos e em 2024 foram justamente os mais baixos, os mais pobres.Desde a troika, a maior razia aconteceu no segmento dos 310 a 600 euros, que foi esvaziada em quase 863 mil pessoas, uma quebra de 80%. Os economistas concordam que aqui o efeito do salário mínimo foi muito significativo. No final de 2014, estava em 505 euros brutos, dez anos de pois tinha subido mais de 60% para 820 euros (em 2024). Em janeiro, houve novo aumento, para 870 euros brutos.Isto faz com que largas camadas da população trabalhadora (os que estão nivelados pelo mínimo) subam automaticamente nestes escalões de rendimento do INE.20% recebe o mínimo, 50% ganha menos de 890 eurosSegundo a central sindical CGTP, “os dados do Sistema de Estatísticas da Segurança Social (SESS/GR) revelam que 17,8% dos trabalhadores recebia o SMN e 50% recebeu, em 2024, um salário base bruto igual ou inferior a 889 euros, ou seja, os vencimentos de metade dos assalariados no nosso país estão esmagados entre o SMN e um valor que se situa apenas 79 euros acima deste”.O grupo que ganha menos de 600 euros por mês foi basicamente drenado, mas acima disso, nos que ganham entre 900 e 1200 euros registou-se uma explosão: este universo, um dos mais representativos do emprego português (com quase um milhão de trabalhadores), duplicou desde o tempo da troika.O segmento com maior peso no país continua a ser o dos trabalhadores que ganham entre 600 e 900 euros limpos: São mais de um milhão, mas em 2024 este grupo sofreu uma redução superior a 30%.O Banco de Portugal explica que um dos fatores que também tem vindo a introduzir maior dinamismo salarial em certos patamares é o do aumento das qualificações, a par da modernização da própria economia.Segundo a tutela do governador Mário Centeno, "a produtividade por trabalhador deverá crescer, em média, 1,4% em 2025–27, uma taxa superior à média registada em 2000–19 (0,8%)"."Este maior crescimento da produtividade reflete as transformações estruturais que têm ocorrido na economia portuguesa, como a melhoria das qualificações da população, o aumento do stock de capital e os ganhos de emprego em setores de maior intensidade tecnológica e em conhecimento", explica.Como referido, o aumento do salário mínimo foi decisivo para empurrar para cima muitos trabalhadores que ganhavam mal ou uma miséria (tendo em conta o agravamento do custo de vida, da habitação, etc.) até porque nos últimos dois anos subiu a um ritmo histórico de 8% ao ano.Mas, para o Banco de Portugal, esse tempo de maior euforia salarial vai terminar gradualmente. "Após um aumento de 7,6% em 2024, o crescimento dos salários nominais deverá situar-se em 4,6% em 2025 e desacelerar para 3,7% em 2027, refletindo também os menores aumentos do salário mínimo"..Salário médio por trabalhador sobe 3,8% em termos reais para 1.602 euros em 2024