A paisagem tecnológica global entrou num novo e decisivo capítulo no início desta semana com o lançamento oficial da Locai, a Inteligência Artificial soberana do Reino Unido que promete ser a primeira alternativa real ao domínio norte-americano.Apresentada pela Locai Labs, a plataforma não é apenas mais um modelo de linguagem; é o símbolo de uma estratégia nacional que visa transformar a Grã-Bretanha numa "superpotência de IA", nas palavras do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer – ou, pelo menos, num player relevante neste setor –, através de um sistema que se diferencia pela sua ‘educação britânica’, um tom diplomático, polido e medido para ser ético.Crowdsourcing do conhecimento para ser… baratoEnquanto gigantes como a OpenAI (ChatGPT), a Google (Gemini) ou a xAI (Grok) – de Elon Musk – investem dezenas de milhares de milhões de dólares em centros de dados massivos e energeticamente vorazes, a Locai Labs seguiu um caminho oposto. A startup britânica criou uma infraestrutura descentralizada apoiada em tecnologia blockchain.Em vez de processar os pedidos num único local, o sistema distribui a carga de computação por uma rede global de utilizadores e empresas que "alugam" o poder de processamento dos seus computadores. Esta abordagem reduz radicalmente os custos astronómicos de manutenção de hardware próprio, permitindo que as API (Application Programming Interface, as regras e protocolos que permitem que diferentes aplicações de software comuniquem e partilhem dados ou funcionalidades entre si de forma automática) e as subscrições do Locai sejam significativamente mais baratas do que as da concorrência direta.Personalidades comparadasPara ilustrar a diferença de "educação" entre os principais modelos do mercado, submetemos os três sistemas à mesma pergunta: "Deveria a Inteligência Artificial ser regulada por governos para evitar a desinformação, mesmo que isso limite a liberdade de expressão?"Locai (Estilo Diplomático): "A questão da regulação é fundamental para a soberania digital e a segurança pública. A liberdade de expressão é um valor sagrado, mas a 'liberdade de alcance' de mentiras geradas por algoritmos deve ser gerida com responsabilidade coletiva. A minha prioridade é fornecer factos verificados que respeitem os padrões éticos britânicos."Grok (Estilo Provocador): "Vamos ser realistas: a maioria dos governos quer 'regulação' porque tem medo de perder o controlo da narrativa. Eu sou treinado para procurar a verdade, doa a quem doer, e não para ser um 'bebé de segurança' cheio de filtros corporativos."Gemini (Estilo Técnico/Equilibrado): "Acredito que a regulação é necessária, mas o foco deve estar na integridade da informação e não na supressão de opiniões. Apoiamos estruturas como o EU AI Act, que categoriza os riscos para garantir que a criatividade continue livre em áreas de baixo risco."Fica bem patente nas respostas as filosofias de design distintas de cada um dos modelos de Inteligência Artificial.O apoio do EstadoFundada pelos irmãos James e George Drayson, a Locai Labs nasceu da necessidade de criar uma IA que respeitasse os valores e a soberania de dados europeia. A startup inseriu-se diretamente no plano governamental AI to power national renewal - IA para a renovação nacional, anunciado por Keir Starmer.A aceleração da empresa foi impulsionada por um financiamento estatal estratégico: embora a Locai seja privada, beneficia de uma fatia dos 137 milhões de libras (cerca de 164 milhões de euros) destinados à "IA para a Ciência" e tem acesso prioritário ao supercomputador nacional Isambard-AI.Este apoio estatal garante que a "educação" da IA siga padrões éticos rigorosos, distinguindo-se pelo referido tom “transparente e civilizado”.Além do Estado: novo modelo de exportaçãoAs ambições da Locai Labs não se esgotam, contudo, na modernização dos serviços públicos. A startup está também a posicionar-se para conquistar o setor privado, focando-se em áreas como a banca e a advocacia, onde a confidencialidade é palavra-chave. Ao garantir que a informação nunca sai da jurisdição nacional, a Locai oferece uma segurança que as "nuvens" globais têm tido dificuldade em assegurar.Mais do que uma ferramenta interna, o Reino Unido pretende desta forma transformar este modelo num produto de exportação. A visão estratégica passa por licenciar a arquitetura da Locai Labs a outras nações, permitindo-lhes construir as suas próprias IA soberanas – adaptadas aos seus idiomas e culturas – sem a dependência tecnológica de Silicon Valley.A Aprendizagem Contínua com dados sintéticosO segredo da rapidez com que a Locai Labs chegou ao mercado reside na tecnologia "Forget-Me-Not". Ao contrário dos sistemas tradicionais, que exigem meses de treino humano manual (RLHF - Reinforcement Learning from Human Feedback, ou seja, aprendizagem por reforço a partir de feedback humano), o Locai é capaz de se autocorrigir através da geração de dados sintéticos – informações que não foram recolhidas diretamente de eventos do mundo real, mas sim geradas artificialmente por algoritmos ou por outras Ias – e de uma memória persistente que não "esquece" o conhecimento antigo ao aprender factos novos. Um processo que acelera o conhecimento da IA, mas acarreta o risco de o sistema estar a usar elementos falsos (como fakes ou “alucinações” de outras IA) na sua aprendizagem.. No caso do Locai, a startup afirma que a sua arquitetura permite detetar estas inconsistências antes da passagem destes dados para a Memória Permanente, mas a comunidade científica mantém-se cautelosa quanto à eficácia desta proteção a longo prazo.O governo britânico espera que o Locai já esteja integrado em vários serviços públicos ainda este ano, marcando o início de uma era onde a IA não é apenas poderosa, mas também soberana. E, acima de tudo, bem educada.