O ano de 2025 fica para a História como o momento em que a computação quântica deixou de ser uma promessa confinada a laboratórios de temperaturas criogénicas para se tornar um serviço acessível através um simples browser. O símbolo desta transição foi a abertura, este mês de dezembro, pela Universidade de Osaca, de um computador de fabrico 100% japonês disponível na nuvem através de uma ligação online tradicional. Com o software de código aberto OQTOPUS, o Japão enviou uma mensagem ao mundo: começou a era do acesso universal ao hardware quântico. Mas por trás desta democratização aparente, esconde-se uma divisão geopolítica profunda, em que o medo da espionagem e a reação política face à obsolescência da segurança digital estão a redesenhar o mapa das alianças mundiais.A validação científica desta nova era foi selada em outubro, com a atribuição do Prémio Nobel da Física a Michel Devoret, da Google Quantum AI, juntamente com os físicos norte-americanos John Martinis e John Clarke. O reconhecimento da Academia Real das Ciências da Suécia premiou décadas de trabalho fundamental em qubits supercondutores - a tecnologia que hoje sustenta máquinas de vanguarda como o novo chip Willow, da Google. Este galardão não foi apenas uma homenagem ao passado, mas o aval definitivo de que a ciência quântica atingiu a maturidade necessária para sair da especulação académica e entrar no domínio da infraestrutura crítica global.Para compreender o fascínio e o pavor que estas máquinas despertam, é preciso entender a sua génese. Ao contrário dos computadores tradicionais, que processam informação através de bits - unidades que só podem ser 0 ou 1 -, os sistemas quânticos utilizam qubits. Graças a fenómenos como a sobreposição e o entrelaçamento, um qubit pode representar múltiplos estados simultaneamente. Dito de outra forma, numa metáfora usada pelo físico Michio Kaku: se um computador clássico funciona como um bibliotecário que lê um livro de cada vez para encontrar uma palavra específica, o sistema quântico tem a capacidade de ler todos os volumes da biblioteca ao mesmo tempo. Esta vantagem permite resolver problemas de química ou logística impossíveis em tempos de vida humanos, mas traz consigo um risco existencial: a capacidade de quebrar, em escassos minutos, os algoritmos de encriptação que hoje protegem desde contas bancárias a segredos militares de Estado.Corrida silenciosa pelo domínio do hardwareEste poder de processamento sem precedentes gerou, neste ano de 2025, uma enorme corrida industrial que poucos fora do setor terão dado por isso. Só nos EUA, a Google consolidou a sua posição com o chip Willow, que introduziu o algoritmo Quantum Echoes para realizar simulações atómicas 13.000 vezes mais rápidas do que o melhor supercomputador clássico. Em paralelo, a Microsoft seguiu um caminho distinto com o Majorana 1, apostando em qubits topológicos que são fisicamente mais estáveis e menos propensos ao ‘ruído’.Estas inovações já transbordam para a economia real, com gigantes da logística a reportarem reduções de 23% nos custos de combustível através da otimização quântica de rotas e investigadores médicos a modelarem proteínas ligadas ao Alzheimer em poucos dias, um feito que anteriormente exigiria anos de cálculo.‘Turbo quântico’ na Inteligência ArtificialUm dos avanços mais significativos de 2025 ocorreu na simbiose entre o quântico e a Inteligência Artificial (IA). Com os modelos de linguagem a atingirem limites de capacidade de processamento, a computação quântica surgiu também como a solução para o “gargalo” do treino de redes neuronais. Através de Quantum Machine Learning (QML), investigadores da Nvidia e da Google DeepMind demonstraram este ano que é possível utilizar kernels quânticos para acelerar a identificação de padrões em bases de dados multidimensionais.Casos práticos já estão a surgir no terreno: em novembro de 2025, um consórcio europeu utilizou processamento quântico híbrido - que mistura tecnologias clássicas e quânticas - para otimizar modelos de IA na previsão meteorológica extrema, conseguindo reduzir o tempo de processamento de dias para horas, aumentando a precisão local em 15%.A IA quântica promete não apenas modelos mais rápidos, mas modelos capazes de compreender a complexidade molecular e física a um nível que o silício tradicional nunca alcançaria, abrindo portas a uma inteligência capaz de desenhar novos materiais condutores ou prever o comportamento de mercados financeiros com uma profundidade sem precedentes.Geopolítica: dinâmica de mercado vs. soberanismo estatalA resposta política a estes avanços revelou uma divisão ideológica na forma como a tecnologia é gerida. Os Estados Unidos e o Japão apresentam-se como o polo business friendly, adotando um modelo onde a inovação é impulsionada pelo setor privado e pela disponibilidade imediata via nuvem. Nos EUA, o Estado atua como catalisador, mas a execução cabe a gigantes como a Google, IBM e Microsoft, que garantem uma agilidade inigualável para adaptar os sistemas às exigências comerciais. O Japão reforça esta visão ao promover ecossistemas abertos, das universidades para o setor privado, permitindo ao mundo industrial consumir tecnologia quântica como um serviço de utilidade pública.Em oposição direta, a China, a UE e o bloco BRICS adotaram posturas mais soberanistas e estatizantes. Pequim trata o quântico como um pilar de Segurança Nacional absoluta, investindo em redes de satélites como o Jinan-1, já em órbita, para criar uma infraestrutura de comunicação imune a interferências externas.A União Europeia, surpreendentemente (ou não…), segue um rumo paralelo. Com o Quantum Act, a ser aprovado no 2.º trimestre de 2026, Bruxelas assume o papel de “Estado-estratega”, mobilizando 11 mil milhões de euros para construir uma cadeia de abastecimento europeia independente. Neste modelo, embora o desenvolvimento das especificações técnicas seja delegado em técnicos especializados e consórcios científicos, todas as decisões fundamentais têm de passar pelo crivo final de Bruxelas, garantindo que o hardware cumpre os rigorosos requisitos de segurança e alinhamento geopolítico da União. Esta opção é significativamente mais cara do que a norte-americana, pois exige que a Europa replique do zero infraestruturas que o mercado global já oferece, em nome da autonomia digital.À margem destes gigantes, o bloco BRICS - sob a liderança diplomática de Moscovo - ergue a sua própria “Fortaleza Tecnológica”. A russa Rosatom desenvolveu sistemas de 70 qubits em isolamento, mas o seu verdadeiro objetivo para 2026 é a criação de um mercado alternativo. Ao anunciar um fórum quântico para o bloco, a Rússia pretende estabelecer normas técnicas e algoritmos de encriptação que ignorem os padrões Ocidentais.Este protecionismo carrega um preço elevado. Ao optar pelo soberanismo em detrimento da integração de mercado, blocos como a UE e o BRICS impõem às suas economias - muitas das quais enfrentam crescimentos anémicos ou mesmo estagnação - um fardo financeiro colossal, correndo o risco de criar “ilhas de soberania” que dificilmente acompanharão a velocidade de evolução do modelo dinâmico dos EUA e Japão. Só o tempo ditará o destino destas apostas.O paradoxo da fragmentaçãoEsta divisão do mundo expõe um grande paradoxo para os nossos dias: o mundo reage à maior revolução computacional, desde a invenção do transístor, fechando-se em silos, quando a História ensina que a informática precisa de comunicação livre e padrões universais para evoluir. Estamos a criar máquinas que prometem interligar a estrutura da matéria, mas fazemo-lo em “intranets” quânticas desenhadas para não comunicarem entre si. Sem protocolos universais, corremos o risco de erguer catedrais no deserto - monumentos tecnológicos caríssimos que não podem partilhar algoritmos ou poder de processamento através das fronteiras.A solução técnica parece residir na criação de camadas de abstração de hardware (HAL) e em protocolos de software universais, como o OQTOPUS de Osaca, que permitem que um programa corra em qualquer chip sem que o programador conheça a sua arquitetura secreta. No entanto, o ambiente geopolítico é hostil a esta convergência. Enquanto organismos como a ITU-T tentam negociar normas comuns, o braço-de-ferro entre potências sugere que os protocolos de amanhã serão mais uma arma de controlo do que um abraço de colaboração. O futuro da computação quântica dependerá de uma escolha impossível: render-se à eficiência da padronização global ou aceitar a ineficiência de um mundo dividido pelo medo, onde a ciência é refém da bandeira que a financia. Neste ambiente de incerteza como a física quântica em si, só de uma coisa poderemos estar seguros: a realidade, essa, irá impor-se. Custe o que custar.