Casas sobem quatro vezes face aos ganhos das famílias
Em três anos, o preço da habitação no país disparou 38%. Taxa de esforço para adquirir casa nas principais cidades ultrapassa em muito valores recomendados.
O preço das casas no país aumentou quatro vezes nestes últimos três anos face ao crescimento do rendimento das famílias. Este abismo entre o custo da habitação e o poder de compra dos portugueses é ilustrativo das dificuldades que a generalidade da população enfrenta para adquirir uma residência. O mercado de arrendamento também não se apresenta na atualidade como solução, é pequeno e as rendas são elevadas. Estes indicadores vêm comprovar o que há muito os portugueses estão a sentir. Seja para comprar ou para arrendar, as casas estão demasiado caras para os bolsos dos nacionais.
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"O problema passa pela perda de poder de compra da população, com os preços das casas a atingirem uma subida média de 38% [entre 2019 e 2022], a nível nacional, enquanto o aumento do rendimento disponível das famílias, no mesmo intervalo de tempo, se fixou apenas nos 9%, na média das capitais de distrito", conclui o estudo "Acessibilidade à Habitação em Portugal", da responsabilidade da Century 21 Portugal.
As dificuldades em adquirir casa são evidentes quando se analisa a oferta no mercado. A classe média (escalões 2, 3, 4 do IRS), que equivale a 60% dos agregados familiares portugueses, deveria adquirir uma casa até aos 190 mil euros, tendo por base uma taxa de esforço de 1/3 do rendimento disponível (valor recomendado pelo Banco de Portugal). No entanto, a oferta neste nível de preço representa apenas 42% do total, alerta o estudo.
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Em sentido inverso, a oferta de casas de valor superior a 330 mil euros atinge os 32%, quando só 11% das famílias se inserem num escalão de rendimento com essa capacidade aquisitiva. E este desajuste entre a disponibilidade de habitação e o rendimento dos agregados portugueses é ainda mais acentuado nas duas grandes áreas metropolitanas do país e agudiza-se especialmente nas cidades de Lisboa e Porto.
Como diz Ricardo Sousa, CEO da Century 21, "na região metropolitana de Lisboa, 43% das habitações em venda têm níveis médios de preço superiores a 330 000€, quando apenas 14% das famílias conseguirá responder a esse nível aquisitivo". Neste território urbano, 55% das famílias inserem-se na classe média, mas só 33% da oferta está adequada ao poder de compra destes portugueses.
Na Área Metropolitana do Porto, o cenário é idêntico. Segundo frisa Ricardo Sousa em comunicado, "a classe média agrega 61% das famílias, que dispõem apenas de 41% da oferta de imóveis nesse nível de rendimento, novamente, com uma grande parte dos imóveis para venda (28%) a direcionar-se para o público com maior capacidade financeira, mas que representa a menor fatia dos agregados familiares (11%)".
Na análise às duas maiores cidades do país o problema entre o perfil aquisitivo dos clientes e o alojamento que está no mercado é mais agudo. Em Lisboa, apenas 5% das casas à venda estão de acordo com os 49% da classe média que habita no município. No Porto, onde 53% das famílias insere-se na classe média, só 11% da oferta está adequada ao nível de rendimento destes agregados.
Como conclui o estudo, "o agravamento da acessibilidade dos portugueses à habitação é o reflexo da inadequação da oferta existente de imóveis, ajustada ao nível de rendimento das famílias nacionais".
Esforço é cada vez maior
Neste contexto, a taxa de esforço dos portugueses para cumprir com as obrigações do crédito à habitação também são maiores e tem vindo a subir, acompanhado o aumento das taxas Euribor.
De acordo com a análise ao mercado habitacional da Century 21, um empréstimo para a compra de uma casa com 90 metros quadrados (dimensão usada no estudo) em Lisboa exige uma taxa de esforço de 67%, e no Porto de 50%. Na AMLisboa atinge os 47%, na AMPorto chega aos 40% e em Faro é de 39%. São valores muito acima dos recomendados quer pelo regulador nacional quer pelo Eurostat.
Num âmbito mais nacional, o estudo revela que se em 2019 eram 15 as capitais de distrito onde comprar uma casa consumia 20% ou menos do orçamento, atualmente só seis estão nesse patamar.
Onde podem então os portugueses comprar uma residência respeitando a taxa de esforço recomendada? Em Aveiro, Évora, Coimbra e Setúbal existe uma adequação do orçamento à casa padrão. Já nas restantes capitais de distrito, a alocação de 33% do rendimento dá acesso a habitações com áreas superiores a 100 metros quadrados. Proibitivo está adquirir em Lisboa, Porto e Faro, e respetivas áreas metropolitanas.
E cenário semelhante foi identificado no arrendamento. O estudo conclui que a taxa de esforço para arrendar ultrapassa os 53% em Lisboa, no Porto e nestas duas áreas metropolitanas.
Novas políticas
Para mitigar as dificuldades no acesso a habitação, Ricardo Sousa defende mais habitação social para as famílias carenciadas, retirando assim pressão no segmento de imóveis de valor mais reduzido e em linha com o poder de compra da classe média. Em simultâneo, advoga a criação de incentivos para estimular o setor privado a colocar no mercado mais oferta que ajude a minimizar o desequilíbrio.
"Enquanto não se aumentar o fluxo de imóveis disponíveis para venda ou arrendamento e ajustados aos escalões de rendimento das famílias portuguesas, não será possível ter uma solução sustentável em matéria de habitação acessível", lê-se no estudo.
Para isso, é necessária uma maior agilização dos processos de licenciamento e a revisão dos planos diretores municipais. Ricardo Sousa aponta ainda a necessidade de mobilizar e trabalhar com proprietários de terrenos e prédios devolutos, ou subocupados, para potenciar novas soluções de habitação, e a conversão de espaços não residenciais, sem utilização, no centro das cidades em soluções de habitação acessível.
Sónia Santos Pereira é jornalista do Dinheiro Vivo
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