Bruxelas aceita pagar destilação de crise aos produtores de vinho

A existência de stocks elevados poderá pôr em causa a estabilidade do mercado quando se antecipa que a próxima vindima possa ser "generosa". Medida aplicar-se-á apenas aos vinhos DO e IG tintos e rosados
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Portugal tem estado a negociar com a Comissão Europeia a possibilidade de promover uma destilação de crise, financiada por meios comunitários, de modo a escoar o mercado de vinhos excedentários. Em causa poderão estar mais de 40 milhões de litros em stock, em regiões como Lisboa, Alentejo e Douro, o que está a preocupar o setor. Negociações com Bruxelas estão "muito bem encaminhadas", abrangendo apenas os vinhos tintos e os rosados com Denominação de Origem (DO) e Indicação Geográfica (IG).

O excesso de vinho no mercado não é um exclusivo nacional. O pedido de negociação de uma operação de destilação de crise partiu de Portugal e França, e foi secundada por Espanha e Itália. Diz quem sabe que a situação não foi fácil de negociar, atendendo a que os franceses se dispunham a suportar a retirada de excedentes com fundos nacionais.

Já em fevereiro notícias várias davam conta da disponibilidade do governo francês para suportar uma destilação de crise, com verbas de 160 milhões de euros. Na região de Bordéus é esperado que os produtores venham a arrancar 10 mil hectares de vinha para equilibrar a produção nos próximos anos. Uma medida com um custo estimado de 100 milhões de euros.

Por cá, os números estão no segredo dos deuses. Há quem garanta que só a região de Lisboa se propõe destilar 30 milhões de litros. O Douro tem cerca de 7 a 8 milhões de litros de stocks a mais, falta perceber o que têm as restantes regiões. O que se sabe é que o tema tem estado a ser negociado já há cerca de mês e meio e que, na próxima semana, haverá novidades finais.

Recorde-se que, em 2020 e em 2021, para ajudar o setor do vinho a minimizar as consequências da pandemia, foram aprovadas medidas excecionais de destilação de crise, com uma dotação de 10 milhões de euros. Destinados exclusivamente a vinhos certificados, com Denominação de Origem ou Indicação Geográfica, estes apoios estavam fixados em 60 cêntimos e 45 cêntimos, respetivamente, por litro. O vinho entregue para destilação visa a produção de álcool para fins industriais.

Os vinhos licorosos não são abrangidos por estas medidas, que apoiam com verbas um pouco melhoradas as regiões de viticultura de montanha, como o Douro, cujos custos de produção são substancialmente maiores do que os do resto do país. No caso da última destilação de crise, os DO de viticultura de montanha receberam 75 cêntimos e os IG 65 cêntimos por litro.

Por outro lado, na última vindima, Portugal produziu um total de 6,8 milhões de hectolitros de vinho, ligeiramente abaixo da colheita anterior, mas, ainda assim, acima da produção dos cinco anos anteriores. Já as exportações, em 2022, caíram 0,4% em volume, para um total de 3,275 milhões de hectolitros. Em valor foram de 941,5 milhões de euros, um aumento de 1,5%, bem abaixo do valor da inflação, e da média de crescimento dos últimos anos: 4,5% em 2020 e 8,1% em 2021.

E tudo indica - pelo menos se não houver alterações de relevo até à vindima - que a produção deste ano possa vir a ser "generosa". O que obriga à tomada de medidas imediatas para evitar um excesso de vinho no mercado que leve a uma descida dos preços da uva na próxima vindima, penalizando duramente os pequenos viticultores. Sobretudo num contexto de alta generalizada dos custos de produção, agravados pela subida das taxas de juro, que vieram alterar a disponibilidade de investimento das empresas, obrigando a uma gestão de tesouraria muito mais cuidada. As adegas cooperativas são as mais afetadas, na medida em que, embora só representem 35% da produção nacional vitivinícola, congregam em si a maior parte dos pequenos produtores, mais vulneráveis à conjuntura atual.

Rui Paredes, presidente da Casa do Douro - Federação Renovação do Douro e membro da direção da Adega de Favaios, assume a sua preocupação com a situação, que considera ser resultado da importação de vinho a preços baixíssimos. "Portugal devia contrariar isso porque o país não tem excedentes se não fosse a entrada de vinhos de fora. Não podemos ter as portas abertas quando dentro do país se produz o suficiente", diz, argumentando que os pequenos viticultores "estão entregues à sua sorte" e dependem das cooperativas que são obrigadas a receber todas as uvas dos seus associados. "Estamos à beira de uma vindima e a capacidade de armazenamento de algumas cooperativas está esgotada e tudo isso é muito preocupante", sublinha.

O presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto é perentório: "Já sabemos que vai haver uma destilação de crise, estamos só à espera de saber quais serão os termos deste processo". A preocupação do setor é que as verbas disponíveis possam vir a ser equivalentes às de 2021, ou seja, de 10 milhões de euros no total. "Se o valor global disponível for pouco, ou há muita gente que fica de fora ou o rateio vai ser muito elevado", sublinha António Filipe.

O DN/Dinheiro Vivo tentou, sem sucesso, obter comentários por parte da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa e da CVR Alentejana.

ilidia.pinto@dinheirovivo.pt

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