A pandemia de coronavírus está dominar as nossas vidas. Estamos todos a fazer o possível para minimizar o impacto desta doença. Aqui, Filipe Charters de Azevedo olha para os dados para responder diariamente às seguintes questões:.1 Quão longe estamos de Itália e Espanha?.2 A quantos dias estamos da onda que ataca esses países?.3 A evolução do número de casos está em linha com os outros países? Estamos a crescer mais ou menos?.4 Quando vamos ter o pico?.5 Quanto tempo vamos ficar em casa?.6 Qual o impacto das medidas de contenção?.7 Qual a história dos outros países?.Os posts pretendem ser curtos. Haverá sempre mais explicações nos dias seguintes e sempre demasiadas perguntas abertas... Comentários construtivos são bem-vindos..A Suécia serviu de exemplo a Portugal?.Conferência de imprensa da OMS com o Dr. Michael Ryan (Executive Director, WHO Health Emergencies Programme) a 29 de abril de 2020 (tradução livre).A minha pergunta é sobre a Suécia. É um país que escolheu um caminho e uma estratégia diferentes, basicamente sem entraves e uma sociedade aberta durante a crise. Isso poderá significar que a população da Suécia, e talvez as populações de outros países em que as medidas que não são tão duras, e que não têm lockdown tão estritos, podem estar melhor protegidos em caso de uma segunda vaga? Já que estão mais expostos e têm a hipótese de desenvolver uma possível imunidade de grupo? Obrigado..Dr. Michael Ryan: .Obrigado. Eu acho duas coisas. Acho que existe uma perceção de que a Suécia não adotou medidas de controlo e apenas permitiu que a doença se espalhasse. Nada pode estar mais longe da verdade. A Suécia implementou uma política de saúde pública muito forte, baseada no distanciamento físico, no cuidado e proteção de pessoas em lares e muitas outras coisas. .O que a Suécia fez de diferente foi confiar no relacionamento com seus cidadãos e na capacidade e disposição dos cidadãos de implementar distanciamento e de se “autorregular”, se quiser usar essa palavra. Nesse sentido, eles implementaram políticas públicas através de uma parceria com a população. Têm feito testes, aumentaram, de forma significativa, a capacidade de cuidados intensivos, e o sistema de saúde foi sempre capaz de responder ao aumento do número de casos..Como muitos outros países da Europa, a Suécia experimentou muitos, muitos, casos de doença em lares, mas isso, infelizmente e tragicamente, não é caso único na Europa. Muitos países da Europa passaram pelas mesmas tragédias nos últimos meses. Isso é algo que realmente precisa ser visto com muito cuidado em toda a Europa. Mesmo quando os números diminuem, (…) os mais velhos ainda estão a morrer, em grandes números, em lares. É preciso fazer mais para proteger e impedir a propagação de doenças nesses locais. .Em relação à imunidade de grupo, acho que vamos [ter de] esperar. (…). Direi que o resultado geral [dos estudos conhecidos], mesmo em áreas de transmissão intensa, a proporção de pessoas que foram soroconvertidas ou que possuem anticorpos no sangue é realmente bastante baixa, o que é uma preocupação, porque significa que a grande maioria das pessoas permanece suscetível. (…) Acho que, se quisermos alcançar uma nova normalidade, acho que, em várias maneiras, a Suécia representa um modelo futuro. (…) Teremos que estar cientes de que o vírus está presente e, como indivíduos, famílias e comunidades, faremos todo o possível no dia-a-dia para reduzir a transmissão desse vírus. Isso pode significar ajustar a maneira como vivemos nossas vidas. Acho que, talvez, na Suécia eles estejam a ver como é que isso se faz em tempo real. Acho que pode haver lições a serem aprendidas com nossos colegas na Suécia..Novamente, gostava de enfatizar que a Suécia não evitou controlar a covid-19. Foi adotada uma abordagem estratégica muito forte para controlar a covid-19 em todos os elementos da sociedade. O que a Suécia fez de diferente foi confiar nas suas próprias comunidades para implementar esse distanciamento físico. .*.Comentários:.. O que a Suécia fez, é o que nós (grosso modo) vamos fazer agora: um contrato implícito entre a população e as autoridades de saúde... O número de mortes, naquele país, depende mais de casos isolados em lares, do que de uma política mais agressiva de liberdade (confesso que não estava à espera). Mas mostra bem que precisamos de alguns dados de contexto para interpretar as tendências... Mostra ainda que uma política de foco e controlo nos vulneráveis faz mais pelo controlo mortalidade do que tudo o resto. Também em Portugal temos demasiadas mortes fora de ambiente hospitalar... O mundo está atuar como um grande laboratório experimental, não aproveitar o conhecimento sueco (e dos outros países) é tonto e um desperdício... A Suécia, a meu ver, saltou uma etapa. Tal só se pode fazer em países com grande capital social – i.e. onde há uma enorme confiança no vizinho e no co-cidadão em geral. E disso anseio. Espero que consigamos, em Estado de Calamidade, seguir o seu exemplo... Há países que levam a liberdade e a responsabilidade a sério. Para quem lê as entrevistas do responsável máximo de saúde pública na Suécia o confinamento obrigatório nunca foi uma hipótese (até porque legalmente é impossível). A democracia não se celebra só no 25 de Abril. Celebra-se na confiança com os cidadãos e no exemplo de cada um... A conferência é maior. A dada altura uma das suas técnicas afirma que a OMS não vê grande evidência de imunidade de grupo. Mas (há sempre um “mas”) afirma igualmente que ainda é cedo para grandes conclusões, e que temos de esperar..O R não é um bom indicador. Se os cenários da epidemia convergem todos para a mesma ação, esta medição não é relevante..Não gosto do R como medida para tomar decisões. É um mau instrumento. É enganador..1. O R mede o número de pessoas que são recém-contaminadas por contaminado. Quanto mais alto esse número, maior o crescimento exponencial da epidemia. Trata-se de um indicador muito tentador pela sua simplicidade. Traduz se o crescimento de novos casos está a aumentar ou diminuir. Abaixo de 1 é bom; acima de 1 é mau. É este o indicador chave que o governo escolheu para controlar a libertação da sociedade e da economia..2. No entanto, o R tem vários problemas como instrumento de decisão:.- apresenta uma grande volatilidade por vários fatores (se andamos próximo uns dos outros, densidade populacional, clima);.- ignora o lockdown. No curto prazo o R pode estar elevado, mas num cenário de lockdown pode estar contido;.- não permite a extrapolação: como estamos em contenção é difícil extrapolar este número para o país, e para diferentes classes sociais. Na gestão da epidemia com letalidades diferentes não é indiferente quem está contaminado;.- sem contexto, o R pouco diz: Se os hospitais estivessem cheios aceitaríamos um R de 0,8? Ou o contrário: se estivessem às moscas não aceitaríamos um R de 1,2? Note-se que todos nós, mais cedo ou mais tarde, teremos de passar pelo vírus;.- acerta na média: o R é uma representação média de toda a população que pode esconder nuances - grupos a recuperar mais rapidamente (exemplo, mais novos) ou focos de infeção..3. Alternativas mais úteis a usar o R:.Se os cenários da epidemia convergem todos para a mesma ação, a medição deixa de ser assim tão relevante. Qual o interesse em medir com duas casas decimais e um aparente rigor, se seja qual for o cenário temos de fazer sempre a mesma coisa? E o que temos de fazer? Proteger os vulneráveis e seguir em frente..Mais concretamente, em termos macro:.- Proteger grupos vulneráveis (identificar e medir esses, sobretudo esses);.- Aceitar infeção nos grupos de menos risco (mais novos) para atingir imunidade de grupo (não é assim tão relevante medir nesses casos) e a prazo aligeirar o R (seja ele qual for)..Em termos micro, para gerir a crise temos de:.- Gerir (implica medir e divulgar) a capacidade do SNS e a utilização dos recursos. Ou seja, medir oferta e utilização do número de ventiladores, camas, tempo de recuperação e anos potencialmente perdidos com as mortes por covid..- Promover medidas de aceleração ou de redução da epidemia conforme a capacidade de utilização do SNS, já que sabemos que, seja qual for o cenário, vamos todos passar por isto..- Aumentar a capacidade do SNS..Notas finais:.- O conceito de recuperado mudou. O R vai alterar-se sem razão aparente uma vez que mede a relação entre recuperados e suscetíveis de contaminação. Se a DGS acredita tanto no número R, ao menos garanta a sua comparabilidade ao longo do tempo, mantendo o report da definição de recuperado durante uma ou duas semanas (por exemplo)..- Não estarei demasiado certo sobre a população de risco? Em Itália, Espanha e Nova Iorque, em descontrolo, sabemos que perdemos os mais velhos e os doentes crónicos. Os outros têm uma letalidade e uma forma de morte horrível, mas não assustadora..- E não há complicações de longo prazo? Essa pergunta é a mais difícil. Mas sei que não podemos ficar fechados eternamente. Vamos de lockdown em lockdown? Em Portugal, já temos mais mortos de outras doenças evitáveis do que por covid. E ainda falta a pobreza....Temos de andar mais depressa. O programa de libertação, proposto pelo governo, não nos chega..A estratégia para sairmos deste buraco tem de ser mais ambiciosa, pela saúde de todos..Primeiro algum contexto:.- Sem vacina, sabemos que o vírus está para ficar. Sabemos que uma vacina vai demorar, no cenário mais otimista, 2 a 4 anos a ser desenvolvida..- Sabemos igualmente que (mesmo com as confusões sobre as métricas de letalidade), este vírus mata mais do que uma gripe..- Sabemos também que há grupos vulneráveis muito bem definidos..- Sabemos igualmente que não podemos ficar em casa para sempre. Temos cerca de 10% a 20% da população empregada em layoff, 85 % dos diagnósticos oncológicos adiados. O desemprego registado a aumentar: 12.6% em termos homólogos. E o modelo de produção (que financia o SNS e demais bens públicos) em suspenso..- A continuarmos assim, a pobreza que vimos em 2008-2015 vai ser uma boa recordação..- É este o país que queremos: vivos, mas em letargia? Sem covid, mas com todas as outras doenças e maleitas económicas?.- Finalmente, sabemos que em situações de elevado risco, não se escolhe as opções ótimas, mas as menos más..Qual é então a alternativa ao confinamento? Proteger os vulneráveis e seguir em frente. A estratégia do governo de abertura lenta da economia e da sociedade é assim errada..Note-se que a estratégia a seguir é uma decisão política, não é clínica. E que cabe a cada um de nós influenciá-la da maneira que pode. Aos números e aos clínicos podemos pedir cenários e uma forma de ajudar a ponderar as alternativas. Mas a decisão do nosso futuro, sobretudo no 25 de abril, é nossa..É de referir que este pensamento e este debate que vamos tendo em nossas casas está a surtir alguns efeitos. Hoje, dia 25 de abril, na habitual conferência de imprensa houve uma pequena alteração do discurso. Falou-se de “avanços e recuos” na abertura da economia, falou-se que temos de “aprender a viver” com a Covid-19..Ainda não se falou sobre onde queremos chegar, de metas finais. Apesar de se ter mencionado que havia estratégia, a verdade é que não temos objetivos nem metas: quantos contaminados temos de ter? Nem foi apresentada uma qualquer visão de médio longo prazo. Já sabemos qual o caminho que não vamos seguir (é bom!), mas não onde queremos chegar..1. Estamos a andar devagar de mais..Para conseguirmos sobreviver ao vírus e proteger os mais vulneráveis, temos de ter alguma imunidade de grupo. Sabemos que o vírus vai sofrer mutação e que há uma eventualmente ligeiríssima possibilidade de haver recontaminação. Ainda assim, temos de ter alguma imunidade de grupo para lhe podermos resistir..Sei que pode parecer frio e calculista, mas a única forma (sem vacina) de proteger os mais vulneráveis é que todos os saudáveis constituam uma frente de ataque – uma frente de imunidade. A probabilidade de os vulneráveis se contaminarem será menor se todos os que estiverem próximos já tiverem passado pela contaminação. É o mesmo princípio de proteção de rede de uma vacina..Mais, se os saudáveis tiverem passado pelo vírus, o SNS poderá dedicar o seu melhor a tratar os mais vulneráveis quando (porventura) a sua vez chegar. E todos nós podemos recuperar alguma sensação de normalidade e suportar social e financeiramente a vida dos que não podem..Antes de falar nos riscos desta estratégia, há que falar no que precisamos para a implementar. Se assumirmos que 70% da população tem de ter alguma imunidade, temos de ter 7 milhões de pessoas contaminadas. Porém estamos em contenção e em isolamento: Como vamos contaminar 7 milhões de pessoas de forma minimamente controlada?.Os números de casos ativos e recuperados são os casos que o Serviço Nacional de Saúde identificou – temos, à data em que escrevo: 22 797 casos registados. Estamos muito longe desses 70% da população portuguesa. Se assumirmos que por cada caso identificado há mais 5 outros casos de contaminados assintomáticos, temos 114 mil de pessoas. Esta regra de 1 para 5 é a regra indicada de sintomáticos-assintomáticos, não é um mau pressuposto e é conhecida desde o início desta epidemia..Mas vamos ser mais agressivos e assumir que por cada pessoa que é identificada com Covid, temos 100 pessoas contaminadas. Vamos assumir que os números estão muito errados. Nesse caso temos 2,2 milhões de pessoas que já passaram pelo vírus. Mesmo neste cenário agressivo e que acomoda qualquer erro na definição das estimativas anteriores, estamos muito longe da imunidade de grupo. Precisamos de 7 milhões. Faltam 4,8 milhões… Falta muita gente. Falta mesmo muita gente..O gráfico abaixo conta a história. A linha a preto mostra a previsão da contaminação seguindo o ritmo de contaminação conhecido antes do estado de emergência – é uma linha perfeitamente teórica e que serve apenas para efeitos ilustrativos. Se nada fizéssemos, em 60 dias atingiríamos a imunidade de grupo, à custa de muitos mortos. E sentiríamos a falência do SNS, com os médicos a escolherem quem viveria ou quem morreria por ter acesso ao ventilador..A linha azul é a linha otimista de casos 1-sintomático vs 100-contaminados, assumindo que o padrão de contaminação vai seguir o que vimos até agora. A linha amarela é a linha realista onde para cada contaminado temos 5 contaminados. Mais uma vez, seja qual for o cenário: estamos muito longe da imunidade de grupo..2. E temos de andar depressa.Temos de fazer isto depressa. Porque se não conseguirmos essa proteção de “rebanho”, no próximo inverno, quando o vírus estará na sua praia, a expansão atingirá novamente a sua fase exponencial. O que nos obrigará a retomar todas as medidas que fizemos até agora, ou a arriscar e sofrer as consequências. As contas fazem-se no fim..Temos assim dois meses antes do verão para conseguir essa convergência. O verão, apesar de tudo, reduz a probabilidade de contaminação. Se não abrirmos com mais força a economia e a sociedade aos saudáveis não chegaremos à imunidade de grupo a tempo..Ou seja, se prolongarmos a curva otimista, no próximo inverno teremos uma nova fase exponencial. O famoso segundo pico..O gráfico abaixo é uma ilustração, sem grande rigor, assumindo que em novembro voltamos a atingir uma segunda vaga exponencial, semelhante a esta, e que só irá parar quando atingir a imunidade de grupo..3. Quais os riscos desta estratégia?.Para contaminarmos de forma agressiva e fria os 7 milhões de pessoas em dois meses, temos de abrir já a economia e identificar os vulneráveis..Há algumas coisas que já sabemos deste vírus: apesar de o vírus atingir a todos, são os mais velhos que têm uma maior letalidade. Em Itália, em descontrolo, a idade média dos mortos rondou os 80 anos. Em Espanha 68% dos internados têm mais de 60 anos, e 50% mais de 70. Em Nova Iorque (dados provisórios) 60% dos mortos têm mais de 75 anos. A esses segmentos da população tem de ser garantida uma proteção adicional e uma solução de confinamento que lhes seja atrativa. Prender (sim, “isolamento” é eufemismo) as pessoas em casa, ou em lares, quando se tem poucos meses ou anos de vida é uma brutalidade. Independente da idade, todos nós morremos “jovens”, com muita vida a ser vivida. A solução de confinamento tem de ser atrativa e sobretudo voluntária para os mais velhos..Mas há mais vulneráveis. Os diabéticos, os cardíacos, os que têm doença pulmonar, cancro, sida, hipertensão, asma, doença renal ou outras tantas doenças crónicas têm também uma elevada taxa de letalidade ou mesmo de complicações, após a doença, bastante graves. A esses, e a quem os médicos identificarem, também deve ser garantida uma solução atrativa de isolamento..Haverá depois uma percentagem de (supostos) saudáveis, mas que na verdade não o são. Esses são o caso mais difícil de gerir em comunidade. Poderei ser eu, poderá ser o leitor, poderá ser a sua mulher, o seu marido, os seus filhos, pais, vizinhos ou amigos. Simplesmente não sabemos. A esses, que na verdade são a maioria, temos de pedir que saiam de casa e corram o risco. Gostava de dizer que se tirarmos os mais velhos, e pessoas com doenças pré-existentes, a letalidade dos restantes é baixa, comparável a andar de automóvel. Mas não só não sei se será assim, como será um fraco consolo se for um de nós ou alguém que nos está próximo..Sei é que não podemos dizer que “isto” é uma guerra, e não assumir que haverá mortos e feridos. Repito o que disse acima: temos de escolher o mal menor. O suicídio económico e o adiar da imunidade de grupo para o próximo inverno é simplesmente uma pior solução. Estamos a dar meses de vida à custa da vida e da pobreza de todos os outros..Para minimizar estes casos de supostos saudáveis terem complicações, temos de contar com o SNS funcional, capaz de gerir picos de contaminação. Embora tenha imensas dúvidas de que o SNS se tenha preparado nas últimas semanas... O caso caricato dos ventiladores com software em mandarim é apenas mais um sinal. Se ainda não tivermos o SNS pronto... temos de o fazer em passo ainda mais acelerado. E mais uma vez com metas e objetivos concretos, ligados à gestão da curva epidemiológica..Teremos de manter um distanciamento social, usar máscaras e de impor medidas abertura e fecho da economia de forma sistemática. Não serão avanços e recuos, serão avanços. Recua é ficar em casa a assistir em câmara lenta à destruição da sociedade, meios de produção e tudo o que conseguimos. Recuo será condenarmos uma geração à pobreza. Sim, apesar de tudo, em termos históricos temos uma boa vida..Assim, temos de pedir que as escolas abram. Que os adultos e sobretudo os jovens adultos andem mais na rua e trabalhem mais. Que haja (ligeiras) contenções à atividade económica..Temos dois meses para conseguir a imunidade de grupo. Temos de andar depressa. Mais depressa..O Ministério da Saúde sabe muito pouco de epidemiologia e está a dar números errados.A ministra Marta Temido divulgou ontem dados errados. Não me assusta tanto o erro em si. O que me assusta é o que o erro significa: quem nos está a gerir sabe pouco do que está a fazer. Não estamos a gerir esta crise com base na evidência, mas com base no medo..Se olharem para a decomposição dos indicadores de mortalidade temos a frequência e a letalidade. A frequência indica quantas pessoas têm a doença (casos / população). A letalidade indica quantas pessoas morrem sabendo que têm a doença (mortos / casos)..Mas há aqui um detalhe que faz toda a diferença ao interpretar a letalidade. É que os casos têm de estar resolvidos. Só podemos medir quantas pessoas morrem, sabendo se um caso evoluiu para a recuperação ou para a morte. Enquanto o caso está ativo não sabemos para que lado a pessoa vai cair: morte ou recuperação? A este problema de casos por resolver chama-se “censura [estatística] de dados” e é um problema comum a muitas disciplinas estatísticas. E está presente num qualquer manual de epidemiologia….Mas há mais: Os diferentes sistemas de saúde não conseguem avaliar todos os casos existentes, pois há bastantes pessoas assintomáticas. Devíamos por isso calcular a letalidade das pessoas que chegam ao SNS. Tipicamente os casos mais graves, ou pelo menos, os sintomáticos. A ideia seria assim calcular o número de mortes sobre o total de casos apurados no SNS. Porém, mesmo estes números são difíceis de calcular. Tudo depende da fase das curvas de novos casos e da curva de recuperação – esta última além de estar desfasada é muito lenta..Para complicar, nas comparações internacionais o conceito de caso e de teste não é igual. Logo o denominador da taxa de letalidade não é igual. Se a Suécia faz poucos testes (apanhado necessariamente menos assintomáticos) é normal que tenha mais mortes sobre casos. Se a Holanda optou por ser menos restritiva é normal que tenha mais casos graves, logo mais mortos. Assim, enquanto a epidemia está a correr, as comparações internacionais de letalidade têm de se fazer em tendência e em grupo de países (de forma a anular muito destes efeitos - ver post de 27.03.2020)..*.Quando esta crise passar será muito fácil olhar para os números. No final, a crise já terá atingido a totalidade da população (o número de casos será potencialmente o total da população) e todos os casos estarão resolvidos. Nessa altura podemos olhar com para a mortalidade – o indicador “Rei” de risco que traduz o produto da frequência e da letalidade. Até lá… todos os números sobre a mortalidade são provisórios. Todos os números da letalidade são provisórios. Por isso afirmo sistematicamente que só no final saberemos o resultado da Suécia, da Holanda e de outros países que escolheram uma solução diferente..*.Dito isto, dia 19 de abril, na conferência de imprensa a Ministra da Saúde afirmou que a taxa de letalidade estava em 3,5% (minuto 1,5 em diante). As contas que fez traduziam mortes sobre a totalidade de casos (ativos e resolvidos). Ou seja, 687 mortos /19 685 casos ativos e resolvidos. Está errado. Não traduz a realidade. E sim: dão uma falsa sensação de segurança..*.Uma nota, devido à censura (estatística) de dados e à definição de caso, muitas vezes usa-se um outro conceito de risco. Em vez de medir as mortes por pessoas, ou morte por casos, mede-se a idade média das pessoas que morrem e compara-se com a esperança de vida. Mede-se assim quantos anos de vida potencialmente perdidos. A esse respeito há que referir que no descontrolo total em Itália, a idade média das pessoas que morreram de Covid era em torno de 80 anos. Em Portugal este indicador vai pelo mesmo sentido..Este conceito na prática valoriza menos a morte, mas dá mais sentido aos anos de vida. Cada pessoa que morre não se traduz numa vida perdida, mas em menos x-anos de vida aproveitado. Continua a ser mau, mas coloca o custo desta crise num outro patamar. Se medirmos melhor podemos tomar uma decisão melhor..Portugal continua bem.Temos uma mortalidade elevada derivada da Covid, quando comparada com outros países? Isto é, temos mais mortos por milhão de habitantes do que os outros países? A resposta é: ainda é cedo para dizer. Mas aparentemente não temos uma mortalidade mais elevada. A situação continua controlada..Sei que recentemente que Pedro Caetano apresentou um excelente artigo, no Observador, que vai no sentido oposto do que tenho aqui afirmado. Não pretendo qualquer polémica, mas julgo que tenho o dever de explicar aqui a minha leitura dos mesmos dados. Aliás, gostaria de salientar que as poucas intervenções que conheço de Pedro Caetano me parecem sempre corajosas e pertinentes. Esta entrevista é de alguém com os pés bem assentes na terra. No entanto, no que diz respeito à análise internacional da mortalidade da Covid, creio que posso dizer que a doutrina divide-se..1. As comparações internacionais devem sempre ser feitas em termos relativos (isto é, em por milhão de habitantes). Porém, os números calculados desta forma beneficiam os grandes países. Itália teve um grande foco no Norte, com muitos mortos. O Sul desse país, esteve mais protegido..Um exemplo ajuda a perceber. O caso da China, por ser muito extremado, é talvez o mais evidente. A província de Hubei (cuja a capital é Wuhan, onde o vírus surgiu) tem cerca de 11 milhões de indivíduos. Em Hubei deverão ter morridos cerca de 3222 pessoas com esse vírus, o que nos dá uma taxa de mortalidade de cerca de 293 mortos por milhão de habitantes. Porém, se incluirmos as restantes províncias chinesas, de forma a comparar países, temos 3352 mortos por 1,4 mil milhões de pessoas. Ao nível regional, a Hubei tem o pior desempenho (293 mortos por milhão). Ao nível nacional, a China tem a situação muito controlada com 2,3 mortos por milhão. Portugal tem assim uma muito pior posição em relação à China, com os seus 55 casos por milhão de habitante..É por isso que no gráfico abaixo, de mortes por milhão de habitantes China aparece cá em baixo. E a Itália tem um comportamento bem razoável, apesar de ter perdido o controlo à doença durante algumas semanas. O sul de Itália estava controlado, beneficiando por isso do efeito de médias das diferentes regiões. Um outro exemplo, é uma leitura rápida do gráfico permite concluir que, grosso modo, países com população pequenas estão sempre na parte de cima do gráfico, e os países maiores na parte de baixo..Uma vez que a população não está uniformemente distribuída, os números relativos beneficiam sempre os grandes países: o denominador é sempre muito maior, sobretudo quando a epidemia está a crescer e não chegou a todo o território..Qual a solução quando se quer fazer comparações internacionais?.A solução ótima será fazer as análises por cluster regional, ou por fonte de foco. Teoricamente faz todo o sentido. Na prática é impossível. Isso não significa que não podemos fazer comparações internacionais. Todos o fazem – aqui neste diário temo-lo feito..Não se pode é fazer afirmações tremendistas sem pôr os números no devido contexto..2. Há um segundo tema a considerar quando se fazem comparações internacionais. É que nem todos os países estão no mesmo dia de crise e seguem políticas de contenção diferentes (nacionais e regionais)..Falei recentemente do caso da Suécia e da Holanda (ver posts abaixo). Estes países têm apostado numa menor política de contenção. Outros países reagiram tarde à epidemia, tendo por isso também mais contaminados. Em ambas as situações é natural que haja mais contaminados e, consequentemente, mais mortos..Se quisermos fazer comparações e juízos sobre a mortalidade, temos de fazer ao mesmo dia da crise (é mais complicado do que parece) e, não esquecer, temos sempre de fazer com o mesmo grau de penetração da doença na comunidade..A Suécia e a Holanda querem imunizar a sua população o mais rapidamente possível, de forma a evitar o suicídio económico que estamos a viver. Mesmo que não se possa imunizar toda a população, até porque há mutações no vírus, a verdade é que estes países (sobretudo a Suécia que tem uma população semelhante à portuguesa) têm uma letalidade comparável com a nossa, arriscando um pouco mais..Era isto que devíamos pensar: Por que motivo outros países de dimensão semelhante à nossa e mais temerários no controlo da epidemia, têm a mesma mortalidade e letalidade que Portugal?.3. Há depois outros detalhes a considerar e cujo impacto não sei quantificar. Por exemplo: a covid é a causa de morte ou só o carrasco de outras doenças e condições?.Quando dizemos que as pessoas morrem de tabaco, não estamos a dizer que foi o tabaco que disparou um tiro. Mas que o tabaco potenciou um conjunto de doenças que temos de controlar. O cancro, por exemplo. E quando uma pessoa morre de uma dessas doenças, morreu do quê? Do tabaco ou do cancro que este originou?.Tivemos um problema real, de uma morte de um miúdo com 14 anos em Portugal. O primeiro impacto das autoridades foi afirmar que tinha morrido de covid, mas depois chegaram à conclusão que a causa de morte foi por outra doença..Precisamos de saber se os que morrem, morrem "de covid" ou morrem "com covid". E não creio que haja unanimidade nos registos internacionais. Há formas estatísticas de corrigir isto, considerando os anos potencialmente perdidos, ao invés do número de mortes..Finalmente, devíamos considerar ainda considerar a estrutura demográfica dos que morrem, as práticas clínicas, e o grau de cumprimento das medidas de contenção..Tudo temas para continuar mais tarde, em outros posts..Temos de falar sobre a Suécia.A ideia de achatar a curva era, em todos os países, ter imunidade de grupo. Todos passarmos pela “coisa”..Se bem se recordam, o gráfico que nos apresentavam era o abaixo. No eixo dos yy tínhamos os novos casos em cada dia e no eixo dos xx os dias. Com as medidas de contenção e o Estado de Emergência, deixaríamos de ter um pico elevado num dado dia. O nosso SNS não iria rebentar sem camas, sem ventiladores e sem clínicos. Os médicos não teriam de fazer escolhas sobre quem sobreviveria e quem morreria. Não iríamos ter a curva a vermelho, mas a curva a azul. As pessoas iriam passar pela doença a um ritmo que podia ser acompanhado pelo SNS..Mas... E chamo aqui a atenção do leitor, havia um pressuposto: 100% da população saudável tinha de passar pela doença. (Para os mais nerds de estatística: a área de baixo das curvas é a mesma: 100%)..Só quando todos os saudáveis passassem por isto, poderíamos então ter paz e voltar à normalidade. Se 20% das pessoas precisava de cuidado hospitalar, então esses 20% tinham de ser protegidos. Os restantes 80% tinham de apanhar o vírus o mais depressa possível. Como esta distinção dos 80% e 20% não era (e não é) suficientemente clara e objetiva, uma parte significativa iria sofrer, mas o SNS estaria preparado para os receber. Numa frase: Os mais velhos e com condições clínicas específicas deveriam ser ultraprotegidos; todos os outros tinham de ser contaminados..Assim, o fecho temporário, nos diferentes países, era para:.- Ajudar os sistemas de saúde a prepararem-se, adquirindo ventiladores e demais equipamento..- Proteger os mais vulneráveis que tinham (e terão) de ficar em casa..- Abrandar o ritmo de crescimento de novos casos, que então se encontrava numa fase exponencial..O fecho do país não era, nem nunca foi, acabar com a doença. Sem vacina tal é impossível..A Suécia optou por andar mais depressa. Arriscou mais, pôs a sua população em maior risco pois achou que o seu sistema universal de saúde era mais robusto. Ou porque achou que a inevitável recessão e a consequente pobreza tinha um custo social superior ao próprio vírus. E de facto, quanto mais dias passados em casa, maior a recessão e maior a pobreza. E a pobreza mata sempre e mata mais.."Ah, mas na Suécia morrem mais! Foi uma má escolha".Aparentemente, o primeiro-ministro da Suécia disse que foi longe de mais e que teriam de apostar agora mais na contenção e no fecho da economia. Atualmente o número de casos identificados com Covid-19 por milhão de habitante, é menor do que o nosso. Mas o ritmo de crescimento é muito acelerado, pelo que em cerca de 15 dias (número arredondado por cima) terão mais contaminados identificados do que Portugal..Porém, as contas dos vivos e dos mortos fazem-se prazo. E nesse é necessário somar a pobreza..Eu considero que a pobreza é a pior forma de repressão. E por isso quero um equilíbrio entre ganhos de saúde, proteção aos vulneráveis e crescimento económico. Mas isso sou eu, que não gosto de populismos - não acredito em soluções simples para problemas altamente complexos e tenho pouca paciência para exageros. Mas isto sou eu, que não gosto de darwinismo social onde se escolhe quem se vai safar: os mais afortunados, em detrimento dos mais pobres e vulneráveis..A Suécia apresentou o problema à sua população. Correu o risco. Vão agora emendar o caminho. Não conheço o suficiente da política sueca para ver se isto é um voltar atrás completo ou apenas um para-arranca. Sei que achatar a curva de acordo com a capacidade do seu sistema de saúde só mostra sagacidade e transparência na gestão. Libertar a economia e perto do ponto de rutura do SNS sueco voltar a bloqueá-la é eficiente e permite minimizar os custos de pobreza e garante a proteção dos vulneráveis. Foi isso que nos prometeram com os slogans: “vamos achatar a curva”, “vamos ter um planalto (onde todos passarão pela Covid)”..Nós fotografamos os mesmos ventiladores várias vezes. E escondemos os dados. (Por exemplo: é praticamente impossível saber quantos ventiladores de UCI temos.) De forma consciente ou não, optámos por proteger os mais ricos e os menos vulneráveis. Só estes, que podem aguentar semanas de lock down e aguentar uma segunda vaga do vírus enquanto não existir vacina ou imunidade de grupo. Estamos a fazer o contrário da estratégia sueca..A prazo, vamos pedir para eles pagarem a nossa pobreza com o que eles compraram com vidas e erros. Aí vamos dizer que somos mais espertos! E acima de tudo, vamos dizer que somos mais solidários..As más notícias chegaram nesta sexta.Nota rápida sobre a subida de casos. O número de casos subiu hoje 11% quando, nos últimos dias, a média de subida era de cerca de 6%..Tenho afirmado que, estatisticamente, há mais casos identificados à sexta-feira e menos casos identificados à segunda-feira. Assim, e como os dados chegam com um dia de atraso, as boas notícias chegam à segunda (com poucos casos apurados) e as más notícias chegam ao sábado (com mais casos apurados). O sobressalto de hoje é maior face ao esperado, já que o último dia da semana de trabalho foi quinta-feira. Hoje, sexta-feira, é feriado..Há várias explicações para este efeito de fim de semana e todas elas com algum fundo de verdade e aplicáveis à Covid-19, para outras doenças e para o setor público e privado. As explicações que pessoas no terreno me fizeram chegar por estes dias, foram:.a) Há um aumento da procura de cuidados clínicos durante a semana, e menos ao fim de semana;.b) Há um mau desenho das equipas clínicas no terreno de forma a garantir um maior.aproveitamento do fim de semana..Os dados ventilados hoje pela DGS estão em linha com o esperado. O gráfico conta a história. A linha a preto são os casos observados; a linha azul os casos previstos sem controlar o efeito de fim de semana; e a vermelho controlando os efeitos de fim de semana. A verde, a linha sobressaltada, temos a previsão com as variações ao dia da semana. Como dá para ver, era suposto termos menos casos – ver a linha azul. Mas sabendo deste efeito, a tendência é superior..Notas finais:.- O pico (tal como expliquei ontem) continua válido e atual..- É possível que haja alterações da tendência nos próximos dias e a qualquer momento. Basta um concelho ou um lar de idosos onde haja uma maior incidência que os números podem disparar, muito acima dos efeitos de fim de semana. Como estamos sempre a falar de poucos casos, temos de olhar para as variações diárias com extrema cautela. Era importante que a DGS explicasse os motivos destas variações..- O efeito de fim de semana, ou qualquer outro, só se pode verificar sete dias depois. O que afirmo neste post é que os números não são inesperados e seguem as surpresas que sempre temos visto..Afinal quantos picos temos?.1 O primeiro pico é o de novos casos. Qual o dia que tivemos mais casos registados? Qual o dia de pico, portanto! Esse dia, mantendo as atuais condições de isolamento, terá sido no passado dia 1 de abril. No gráfico abaixo a curva a vermelho retrata o número de casos previstos ao dia, e podemos ver que já o passamos..Uma outra forma de ver este mesmo pico é reparar que a curva de casos acumulados mudou o sentido da concavidade – houve uma inflexão. Usando a analogia com as curvas S, passamos para a parte de cima do S. Vamos continuar a crescer em novos casos, aumentado o total acumulado, mas sempre a ritmo menor do que o do dia anterior. Note-se que a curva dos novos casos continua a estar presente: é na mesma a linha vermelha, só que está “esborrachada”, já que aqui o eixo dos yy foi aumentado para incluir os casos acumulados..Esse é o primeiro conceito de pico! Seja qual for o gráfico da sua preferência, o ponto máximo de novos casos foi excedido com as atuais condições de isolamento e foi o que referi no dia 7 de abril e nos dias anteriores..2 Há um segundo pico a considerar: o pico de novos casos internados (quer seja em UCI quer seja apenas no hospital). O comportamento destes picos segue (grosso modo) o comportamento da curva de novos casos com uns dias de atraso. Assim sendo, ainda temos de esperar uns dias (uma a duas semanas) para atingirmos esse máximo..Digo que há um ajustamento entre todos os picos mencionados, pois os testes baseiam-se muito nos indivíduos que chegam ao Sistema Nacional de Saúde. Assim os novos casos hoje identificados (e retratados no ponto 1) vão agravar-se e alguns vão chegar a ser internados no SNS..Este é o pico que interessa a quem gere a rede de prestação pública, pois é o que está ligado à capacidade do nosso SNS. Quando dizemos que queremos “achatar a curva”, é para que este pico não exceda a capacidade dos ventiladores disponíveis (aparentemente a restrição mais ativa)..Ainda não chegámos lá. Em qualquer caso, sem saber o número de ventiladores disponíveis, valor que não é público, não vale a pena fazer muitas contas ou gráficos. Sem os ventiladores não é possível saber quanto é que temos de achatar a curva..Repito o que disse no dia 7: a ideia foi achatar a curva, não foi suprimi-la. Queremos “achatar” para que se passe pela doença e não haja rutura do SNS. Mas temos de passar por ela..3 Há um terceiro pico considerado que pode ser observado nos casos acumulados. Como se pode ver na curva de casos acumulados (a habitual curva S), há ali um teto abaixo dos 20 mil casos (o gráfico abaixo é quase igual ao de cima: o horizonte temporal é, porém, mais largo: está a 80 dias). Esse pico será o de máximo de casos acumulados. Alguns especialistas consideram este o pico relevante..Pessoalmente, e foi esse o meu reparo de ontem, considero esse valor é muito muito baixo. Temos aproximadamente 10 milhões de pessoas a viver em Portugal, o ponto mais alto (e de forma arredondada) da curva em epidemia ronda os 20 mil (número de casos atingidos apanhados na malha do SNS) e que deve corresponder a cinco vezes mais associados a casos (considerado que 80% dos infetados são assintomáticos ou podem não precisar de internamento). No melhor (ou será pior?) dos cenários, e arredondando os números, temos um milhão de infetados..Se queremos chegar a uma cobertura de grupo, mais pessoas têm de passar pelo calvário do vírus. Evidentemente que não chegámos a este valor (precisamos dos tais 90 dias). Mas repito, o limite é pequeno..4 Finalmente, há um quarto pico! Este é o mais difícil de explicar e de calcular..- O R0 (número básico de reprodução) consiste em quantas pessoas podem ser infetadas com um único contacto. Este número é muito difícil de calcular, sobretudo com um vírus novo. Em qualquer caso, a fórmula pode ser definida assim:.R0 = Transmissibilidade (probabilidade de infeção entre um infetado e um suscetível) x Taxa de contacto entre infetados e suscetíveis x Duração de infeção..Se tivermos estes parâmetros de forma individual, é fácil calcular o número. Mas não temos… Precisamos de fazer um apuramento assumindo vários pressupostos. A OMS colocou o R0 (número básico de reprodução) deste coronavírus entre 1,4 e 2,5..- Com este número (R0) apurado podemos calcular a taxa de infetados esperada no país. Se, grosso modo, cada infetado transmite este vírus a 2,5 pessoas (cenário mais pessimista), então é possível contaminar, em média, cerca de 60% da população. Como é que chegamos aí? Se olhar para a fórmula acima, irá reparar que a Taxa de contacto entre infetados e suscetíveis não pode ser uma constante e que à medida que há mais pessoas infetadas esse número tende para um limite..Para os nerds a conta a fazer é a seguinte:.Frequência de infetados = 1 – 1/R0..Ou seja,.Frequência de infetados = 1 – 1/2,5 = 60%..Esse é, grosso modo, o limite que se considera para a imunidade de grupo. Se quisermos que pouca gente apanhe este vírus, então temos de ter 60% de pessoas imunes ao vírus – i.e. que já passaram por ele, ou estão vacinadas..- Note-se que estes não são conceitos teóricos e sem aplicabilidade prática. Ajudam a planear a carga que se vai ter sobre o SNS..Angela Merkel numa conferência de imprensa em Berlim no início do mês de março afirmou: “É preciso entender que, se o vírus existe, a população ainda não tem imunidade a esse vírus e não há vacinas e nem terapia até agora, uma alta percentagem - dizem os especialistas entre 60% e 70% - da população será infetada". Para a chanceler alemã o R0 implícito à Covid-19 é igual ou superior ao sugerido pela OMS..Também Boris Johnson usou este conceito, afirmando que a frequência total da epidemia seria de 80%, tendo por isso um valor implícito para o R0 de 5 – ou seja, cada pessoa infetaria cinco pessoas..Só a nossa DGS é que cenarizou um valor mais baixo do que a OMS. De facto, foi assumida uma frequência de infetados de 10% (um milhão de casos), o que corresponde ao valor mais otimista dos países aqui analisados e muito abaixo do R0 da OMS, uma vez que que o R0 seria de 1,1..Este último pico não foi atingido. Precisamos de contaminar mais pessoas – achatámos demasiado a curva, nem daqui a mês e meio temos a coisa resolvida (em 80 dias de crise). E no próximo inverno será pior..Podemos fazer com que a carga sobre o SNS seja mais espaçada no tempo, mas a epidemia só passa quando uma percentagem elevada da população tiver passado por ele. Sem vacinas, temos de fazer uma escolha entre morrer de pobreza e morrer de Covid..*.Nota sobre o efeito de fim de semana:.Ao reler o post de 07.04.2020, dei a sensação de que há um relaxamento das equipas ao fins de semana. Porém, explicaram-me que as equipas de urgência têm o mesmo número de elementos, pelo menos nos grandes hospitais. A explicação do efeito de fim de semana de quem está no terreno é que há também um relaxamento da afluência, i.e., os doentes não vão ao hospital ao fim de semana. Fica a nota..Temos de abrir as escolas e deixar os jovens trabalhar.1 Sem surpresa, ontem tivemos uma queda brutal no número de casos (ver post de dia 31.03.2020) e hoje foi compensado. O efeito de fim de semana “atacou” outra vez os dados. Hoje recuperamos. Basicamente há (possivelmente) uma gestão de equipas que despacha o trabalho antes do descanso e executa o indispensável e fundamental nos últimos dias da semana. Não pretendo fazer um juízo de valor de coordenação e gestão de equipas, mas é impossível não pensar que se esta é uma “guerra”, não devíamos ter um descanso nos casos declarados ao fim de semana..Segue-se o gráfico com os dados. A linha que nos interessa está a vermelho – trata-se da linha corrigida dos dias de semana. Os efeitos estimados de fim de semana podem ser vistos a verde. Há uma volatilidade dos dados em torno da tendência: De menores casos observados ao fim de semana (que se manifestam na segunda-feira) e de maior produção durante a semana de trabalho..*.2 Mas o mais interessante com estes novos números é que temos de pensar em abrir as escolas. E já para o terceiro período. A análise da Associação Nacional de Saúde Pública também afirma que o coeficiente de transmissão da doença está abaixo de 1. Ou seja, que nem todas as pessoas que têm o vírus o passam a outro. Os leitores desta página sabem que estamos assim há alguns dias. Estamos na parte de cima da curva S. Cada dia que passa, temos menos casos do que no dia anterior. Passámos o pico. Ou seja, e a conclusão é minha, o auto-isolamento está a funcionar bem de mais..A ideia com o Estado de Emergência sempre foi achatarmos a curva, não foi reduzi-la a zero. Temos de ter 50% a 70% a passar pelo vírus, de forma a ganhar imunidade de grupo, senão no próximo inverno (quando estes vírus serão mais fortes) estaremos a cometer outro suicídio económico pois não teremos nenhuma imunidade e nunca mais saímos disto. A vacina vai demorar demasiado tempo. E a pobreza também mata – e mata com requintes de malvadez..Os segmentos da população que são mais resistentes ao vírus e que causam menor stress no SNS são as crianças, deviam ser elas por isso as primeiras a ganhar esta imunidade. Se as crianças ganharem imunidade, o ritmo de transmissão será depois mais pequeno. Depois, a libertação da economia deverá ser por segmentos de risco menos vulneráveis. O que dizem os números é que devíamos libertar os trabalhadores (sem pré-condições clínicas) com menos de 30 anos. Passados 15 dias, deveríamos libertar para o trabalho os sub40. E depois os sub50. E assim sucessivamente. Medindo a cada semana o resultado e o stress no SNS, como temos feito até agora. Eventualmente ajustando esta libertação por concelho e outros considerandos de risco..Claro que se começarmos com as crianças, temos o problema dos professores. Esses são uma classe profissional relativamente envelhecida. Além disso, os pais terão de levar os filhos nas escolas, mesmo que continuem em teletrabalho. Eventualmente tal medida, a ser implementada, deveria ser corrigida por uma redução da carga horária, com formação online assíncrona, e com medidas de contingência (máscaras, testes de temperatura e testes em massa). Há 1001 detalhes a resolver. Mas do ponto de vista de risco esta é a medida mais acertada..A libertação sucessiva por idades dos trabalhadores tinha ainda a vantagem de que libertaríamos a economia de forma um pouco mais transversal, sem considerandos estatistas e planeadores. Os empresários teriam uma hipótese de ajustar a sua força de trabalho. Coisa que agora lhes tem sido negada..Haverá mortes. Há sempre. Mas não podemos dizer que estamos em guerra sem admitir que há batalhas e baixas. Repito: A continuarmos fechados não ganhamos a imunidade de que desesperadamente precisamos..Para quem chegou até aqui, queria deixar uma nota. O que propus foi uma sugestão. Um pensamento em voz alta de quem está a olhar para os números e sabe algumas coisas de estatística, análise de risco e de economia. Uma sugestão é uma sugestão e não uma prescrição. Não sou médico (é bom reforçar). Nem faço parte de nenhum grupo de reflexão ética. Tenho filhos em idade escolar. Quando vejo que a DGS recomendou visitas a lares em plena pandemia; quando alvitrou um cordão sanitário no Porto com dados errados e promovendo uma saída em massa de pessoas espalhando o vírus da exata forma que queria combater; quando afirmou que se tinha cenarizado e preparado para 1 milhão de casos e nem 15 mil aguentamos; julgo que posso fazer sugestões. O Estado de Emergência e este maldito vírus tiraram-nos a possibilidade de circular, mas não a de termos sentido crítico e de pensar. Sei que me afastei da dura análise estatística, mas confio em si, caro leitor – espero que não me deseje nenhum mal..A decisão cabe a quem deve e é sempre solitária. Mas os números estão aí para pensarmos neles. A nós, cidadãos, cabe-nos estar ao lado da razoabilidade..PS: Sei que tinha prometido uma nova análise de letalidade, tanto mais que há que reanalisar a Holanda e a Suécia com estratégias distintas. Mas achei que estes números e esta conclusão eram mais relevantes..Continuamos em linha com o esperado.O modelo e estimativa de pico feitos ontem ainda continuam válidos?.Sim, pois um dia de oscilação em torno de uma tendência é normal. Além disso, já vimos que há sazonalidade dos dados: os dados reportados de segunda a sexta sobem e descem durante o reporte do fim de semana..Este efeito de gestão das equipas (Weekend Effect) é uma chatice na análise dos números (já me baralhou durante alguns dias – ver posts abaixo) e sobretudo é uma chatice pelo que representa em termos de esforço e organização do SNS. Mas é o que é..A comparação das taxas de crescimento médias nos últimos sete dias pode ser vista abaixo. Os novos casos continuam a cair em ritmo acelerado. Estamos a cair a ritmo mais acelerado do que Itália..Claro que a cautela continua a fazer parte da modelização: “Temos de ficar enamorados pela realidade e não pelos modelos”. Tanto mais que estes dados não são a bolsa que reage a cada instante. Precisamos sempre de 7 a 15 dias para ver alterações. Sobretudo alterações de comportamentos de cada um de nós..Nunca é de mais recordar que como os focos da epidemia são regionais, podemos ter uma explosão no número de casos num local perfeitamente confinado no espaço e no tempo, impossibilitando a extrapolação para o país. Este trabalho de filigrana, de correção da amostra, só pode ser feito tendo acesso aos dados de base, algo que continua impedido aos analistas e à comunidade em geral..Pondo todas as cautelas habituais, aqui segue a evolução prevista e esperada de novos casos. Onde, como habitualmente, no eixo dos YY temos o número de casos. E no eixo dos XX os dias desde que a crise começou. A linha vermelha significa os novos casos, a linha azul os casos acumulados previstos e os pontos a negro os casos observados. Sendo que mantenho que o pico de novos casos ou já aconteceu (ontem) ou está por pouquíssimos dias..A análise da procura por camas e ventiladores continua prometida – espero ter mais tempo no fim de semana..Vou deixar uma nota contracorrente: o número de mortos não é a melhor forma de avaliar a evolução de epidemia. O que interessa para análise são os casos internados e/ou mortos mais resolvidos. O número de mortos depende demasiado da capacidade e organização dos diferentes SNS..A distribuição log logística é mais agressiva (i.e. lenta na recuperação), sobretudo nas recuperações e mais correta quando há tratamentos (medicamentosos) em epidemias..Mas há outro motivo para a utilização desta curva e que foi decisivo. Se bem se recordam, a DGS foi oscilando nas suas previsões da primeira quinzena de abril para a segunda quinzena e depois para maio. O modelo com a curva log-logística foi acompanhando sempre os saltos nos prazos das previsões do pico de novos casos. Como acredito que a DGS tem mais informação, optei pela curva que mais se ajustava aos prazos que esta entidade estava a declarar..Creio que a DGS também incorreu no problema do Weekend Effect e nalguns outliers. Vamos ver se nas próximas declarações sobre o pico de novos casos esta curva continua a ser a que melhor se ajusta. Sendo que mantenho que esse pico de novos casos ou já aconteceu (ontem) ou está por pouquíssimos dias. A próxima semana será decisiva para podermos concluir..Um bom pico. Mas será, a médio prazo, sustentável?.Hoje é quinta-feira e o número de novos casos desacelerou. O que dizem os modelos? Estamos em linha e já descontando (em parte) o maldito efeito de fim de semana (ver posts abaixo). É bem provável que tenhamos atingido o ponto mais alto de novos casos por dia. A verificar-se este pico de novos casos, vamos crescer todos os dias mas a um valor menor..O gráfico abaixo conta a história. No eixo dos XX temos os dias desde o início da crise. Estamos no dia 31 desta epidemia. No eixo dos YY: o número de casos. A linha vermelha tem o incremento de novos casos (há o famoso planalto da DGS) – o acréscimo face ao dia anterior tem um comportamento muito estendido no tempo. A linha azul tem a forma “S” de que aqui temos vindo a falar: onde depois de um aumento explosivo (exponencial) vem um abrandamento. As bolas pretas indicam o número de casos acumulados apresentados pela DGS - estão em cima da linha prevista..Houve alguma hesitação da minha parte com a curva S a usar. Houve ainda algumas surpresas (maldito efeito de fim de semana). Mas grosso modo, e com uma pontinha de vaidade, diria que estamos em linha com o que está a acontecer. A matemática e a estatística funcionam? Funcionam – ajudam-nos a prever e a suportar decisões..Mas... há perguntas por responder e decisões políticas e individuais a tomar:.1- Qual é o pico de internamentos (mais 20 dias?)? O pico de internamento não coincide com o pico de novos casos..2- Quantos casos vamos ter internados? Qual a carga nos hospitais e a oferta de ventiladores? (em breve tenciono fazer uma brevíssima simulação)..3- Como está a nossa letalidade? Morre-se mais em Portugal do que nos outros países? Em breve temos de revisitar os dados abaixo, de dia 27.03.2020..4- O que fazer a seguir? Esta é a pergunta de um milhão de dólares..Se estamos a conter a primeira vaga, basta voltarmos à rua que isto volta a subir, e a subir exponencialmente antes de atingirmos o período de acalmia. O teto que impusemos é via contenção – não é por imunidade de grupo..5- E valeu a pena? Esta é a pergunta “assassina”.. Conseguimos aproveitar este período de contenção e estado de emergência para ajustar o nosso SNS o regresso da atividade económica?.Sabendo que o vírus não espera, apenas comprámos tempo. Caberá ao leitor avaliar o que fizemos com o tempo adquirido..Reformulamos o SNS? Estamos finalmente prontos para os cerca de 1 a 2 milhões de casos que irão precisar de apoio hospitalar por causa deste vírus?.Uma coisa é certa, a contenção não pode durar para sempre; e a pobreza e a destruição do tecido económico também matam..***.Algumas notas para os nerds:.As boas notícias chegam sempre à segunda (ou talvez não!).Ontem os dados revelaram uma queda anormal dos dados. Ontem o relatório da DGS dizia que o aumento de casos face ao dia anterior era apenas de 7%. Mas hoje a mesma DGS revela um aumento para 16%. E no domingo o reporte era de um aumento de 15%. Ou seja, os dados revelados nesta segunda-feira eram fora da tendência..O mesmo se passou em todas as segundas anteriores. Todas as segundas há boas surpresas! Os dados reportados na segunda-feira, estão sempre fora da tendência geral. Note-se que o report de cada dia contém os dados do dia anterior. As boas novas de segunda são portanto benefícios de domingo..Há muitos anos que se sabe que há uma gestão de pessoal e de recursos para gerir o fim de semana. O weekend effect não é novo (ver, por exemplo, aqui onde se admite “a existência de variações no número e nível de experiência dos profissionais de saúde disponíveis nos hospitais durante a noite e o fim de semana”)..O que é surpreendente é mobilização e gestão de recursos em pré-falência do SNS. Mais surpreendente é que em certa medida este efeito também acontece em outros países que combatem o Covid-19..Se quisermos gerir esta epidemia temos de controlar melhor o fim de semana. O vírus e a sua propagação não relaxam nesses dias..A partir de hoje a avaliação dos modelos e dos dados tem de levar este fenómeno em linha de conta..*.A ilustração deste efeito pode ser vista aqui assim:.-- Na segunda-feira, dia 9, o aumento do número de caso foi de 30%. No dia anterior foi de 43%. E já na quarta-feira, o aumento era de 44%..-- Na segunda-feira, dia 16, o aumento do número de caso foi de 35%. No dia anterior foi de 46%. E já na quarta-feira, o aumento era de 44%..Na semana de 23 de março, a queda foi na terça-feira e não na segunda, mas o mesmo comportamento bizarro aconteceu..(Para nerds) A prova deste efeito pode ser vista através da habitual decomposição (ver gráfico):.-- Podemos “agarrar” a série de dados e tirar a componente de tendência usando uma média móvel a 7 dias (para em cada dia termos uma semana)..-- Em seguida, podemos tirar o valor semanal, calculando uma média por cada dia da semana e centralizando os resultados de forma que o efeito seja zero..-- Por fim, a componente de erro é determinada pela diferença dos dados originais com a componente da tendência, e removendo a tendência e o valor sazonal..Se não fosse a semana de 23 de março, o número de casos reportados subiria de sempre de segunda a sexta e caía sempre ao fim de semana. Esta sazonalidade semanal tem uma amplitude de 80 casos, ou seja varia -40 casos a +40 casos. A variação é de mais ou menos 5% ao longo de toda a série. É muito caso, é muita a percentagem..Excelentes notícias! E a maldita cautela....1. O número de casos cresceu apenas 7%, no último relatório da DGS. Os últimos dias (de trás para a frente) apresentam os seguintes crescimentos: +7%, +15%, +21%. Estes números mudam tudo. Esperamos que continue assim..Note-se que este foi o dia com mais testes e menos positivos. Mais: a definição de suspeito tornou-se mais abrangente. Estamos por isso no bom caminho..2. Aqui vai a evolução dos modelos no blog do Dinheiro Vivo:.-- Por volta de 16 a 17 de março saímos da fase de crescimento exponencial..-- Desde o dia 25.03.2020, passámos a usar os modelos de curva “S” e, com muitas cautelas, foi possível afirmar que o fim estava próximo. Para quem sabia olhar para o gráfico, esta era a semana..-- Durante este fim de semana (a 28.03.2020), o pessimismo chegou. Chegou de forma sistemática. Todos os dias, com o novo relatório da DGS, havia reduções na taxa de crescimento dos casos, mas sempre abaixo do esperado e por isso empurrando sistematicamente o pico de novos casos e o total de casos para adiante..Afirmei por isso que o modelo estatístico estava sem controlo: não sabia qual a curva que melhor justificava a evolução dos casos. Sensação semelhante deverão ter tido os responsáveis da DGS que também foram igualmente adiando o pico: de abril para maio..3. Hoje a redução é muito significativa. Os dois gráficos contam a história..O gráfico do lado esquerdo indica a revisão das estimativas dos últimos dias. No eixo dos yy temos o número de casos por 100 mil habitantes, no eixo dos xx os dias de crise. As diferentes curvas apresentam as estimativas em cada dia. Depois de revisões sempre em alta, hoje temos finalmente uma revisão em baixa..É muito natural que as estimativas mudem a cada dia. Mas sabemos que estamos bem se as revisões forem de vez em quando para cima e noutras para baixo, se forem pequenas e cada vez mais pequenas. Pela primeira vez, temos uma revisão (com os novos dados) que antecipa o pico e reduz o número de casos..O gráfico do lado direito indica o número de casos. Na linha a azul o acumulado, e o vermelho o número de novos casos a cada dia. Será que a linha do pico de novos casos continua ao nosso alcance?.4. Questões para os próximos dias:.-- Será que a redução na taxa de crescimento dos casos se vai manter? Ou hoje foi um outlier?.-- Qual o impacto das saídas de fim de semana? (só se vão ver na próxima semana, e sobretudo em 10 a 12 dias).Temas interessantes para verificarmos nos próximos dias..Voltámos ao início? Quase….Porém, a cada dia que passa há necessidade de ajustar o modelo e verificar se os novos casos estão em linha com o esperado. Estamos bem em termos de previsão, sempre no intervalo de previsão, mas sempre do lado mais pessimista. Abaixo segue a previsão dos últimos três dias, usando a curva logística. Nota-se um desvio sempre para o aumento de casos, apesar de os valores observados estarem em linha com qualquer uma das curvas apresentadas..Coloquei muitas cautelas neste modelo (ver posts abaixo), assumi muitos pressupostos e partilhei aqui as dúvidas que existiam. Ainda assim assumi que podíamos usar uma curva “S” com a forma logística. Com estas hipóteses, o fim desta primeira vaga podia estar próximo – o número de novos casos iria atingir um pico e depois crescer a cada dia a um ritmo menor que o anterior até se extinguir esta primeira vaga. De facto, os números, se assumir esta curva logística, continuam a apontar para o pico próximo..Mas… Mas há uma regra de algibeira que se usa em modelo de controlo de qualidade (Nelson Rules): quando temos 6 dias de desvio no mesmo sentido, o processo que gera os dados está fora de controlo estatístico – não se está a dizer que o número de casos está fora de controlo, o que está a dizer é que se está numa fase de alteração da função que prevê o crescimento..Os modelos da DGS iam (e ainda vão) pelo mesmo caminho de desvio. De facto, nas estimativas oficiais, o pico de novos casos já foi na primeira quinzena de abril, depois na segunda quinzena abril e agora a melhor estimativa é maio..Qual então a melhor curva de desenvolvimento do número de casos? E para quando o pico?.Com os dados atuais diria que os efeitos da quarentena não se sentiram como o esperado. As idas à ponte de hoje também não ajudam. Com os dados que tenho, e partilhando, como sempre, as dúvidas e cautelas com os leitores, diria que estamos num processo lento de crescimento. Mas de crescimento. (Para os mais nerds: o processo que melhor se ajusta aos dados é um Box Cox com Lambda = 0.10)..Este processo de crescimento vai sendo cada vez menor, a taxas de crescimento de novos casos é a cada dia menor, mas não há qualquer evidência de inverter. A diretora-geral, usou um bom eufemismo: assumiu que haveria um planalto no crescimento de novos casos. Parece-me uma boa ilustração..Assim, se assumir este novo modelo para Portugal o comparativo de dados é o abaixo indicado. Sim, não há ainda qualquer estimativa de pico..Voltámos quase ao início. Vamos aguardar pelos próximos dias e pelo efeito das novas medidas de mitigação (e de passeatas no acesso à 25 de Abril e ao Algarve). E nunca esquecer que cada incumprimento na quarentena pode provocar uma nova linha de desenvolvimento de novos casos, bagunçar o modelo (coisa pouca) e acima de tudo levar pessoas ao hospital..***.Impacto da mudança de caso.É de notar também que uma identificação e mais testes não altera a tendência de desenvolvimento da doença. Nós iríamos apanhá-la todos (ie os 20% mais graves) em hospital. Mas apenas mais tarde. Os casos identificados hoje são os casos que vamos poupar amanhã..Note-se, como tenho afirmado aqui: o maior número de testes é muito relevante para gerir a curva e não para a verificar (o que temos feito até agora). Uma identificação precoce permite um isolamento mais severo e consequentemente uma menor expansão da doença. Assim, estes novos casos identificados são casos que apareceriam mais à frente. A vantagem é que identificando mais cedo haverá uma menor propagação..Não costumo censurar a DGS, não tenho conhecimentos internos para avaliar o seu trabalho, mas julgo que seria relevante registar os motivos de teste antes e depois para conseguirmos colar as duas séries. A prazo essa colagem é impossível de fazer, já que os novos suspeitos irão permitir identificar novos suspeitos, e esses ainda outros. É isso que se pretende. Para efeitos de modelação temos de esperar uns dias já que os dados passados não se comparam com os próximos dados..*.Até esta quinta-feira os testes (no SNS) eram realizados para quem cumprisse os seguintes critérios de suspeição (Norma 02/2020 e Orientação 015/2020):.infeção respiratória aguda grave (febre, tosse e necessidade de admissão hospitalar).+.sem outra etiologia que explique o quadro clínico.+.viagem para, ou residência na China, nos 14 dias antes do início de sintomas.Ou.+.Contacto com caso confirmado ou provável de infeção por 2019-nCoVnos 14 dias antes do início dos sintomas1..Porém, desde as 00h de quinta feira que a definição de suspeito mudou (Norma 004/2020):.Assim é normal que o número de casos aumente de forma significativa. Há mais suspeitos. Em termos de modelo: vamos ficar “uns dias às cegas”..Quantos é que têm de morrer para defender este SNS ideológico? Não, não temos o melhor SNS do mundo..Não temos o melhor SNS do mundo. Estamos a rebentar com 3 mil casos, e precisamos de suportar (os famosos) 1 milhão de casos. Pior: este SNS não nos deixa fazer as escolhas que precisamos. Outros países conseguem fazer essas escolhas..*.Até aqui, temos sempre falado do número de casos – da frequência de pessoas que tem sofrido desta verdadeira praga. Atualmente, e apesar de se ter previsto o pior, (ver posts abaixo) estamos numa fase de desaceleração. Ainda não é suficiente para relaxarmos – de todo! Temos de continuar em casa. Mas este abrandamento é suficiente para pararmos para pensar na letalidade, isto é, no número de pessoas que vai morrer por ter contraído este vírus. E temos de parar para pensar se o nosso SNS tem capacidade para nos salvar..A letalidade é das variáveis mais difíceis de modelizar enquanto estatístico ou economista, sobretudo em situações de stress como a que vivemos. A letalidade depende da capacidade de gestão dos prestadores clínicos e das escolhas que cada médico e restante pessoal clínico toma. E essas dependem da capacidade instalada, do nível de procura de cuidados médicos e de uma miríade de fatores..O gráfico abaixo conta a história. No eixo dos yy (vertical) temos a taxa de letalidade, o número de mortos em percentagem do total de casos. Como queremos avaliar o efeito de crescimento, a escala está em logaritmos – para aqueles que estão pouco à vontade com este conceito, para o efeito deste artigo quanto mais alto este valor mais mortes temos. Igualmente, como estamos a avaliar uma situação de stress, no eixo dos xx temos o número de dias decorridos após a primeira morte..O gráfico conta a história de quatro países com SNS semelhantes ao nosso. São modelos em que o sistema universal de saúde é financiado pelo Orçamento do Estado e em que o essencial da prestação clínica é público – de um ponto de vista técnico o nome deste SNS é designado como beveridgiano, em homenagem ao homem que o propôs (Beveridge)..Há em qualquer um destes países médicos, clínicas e seguros privados, mas estes funcionam como “dobra” do sistema público: aparecem para quem procura maior conforto ou quando a prestação pública falha..Aqui o nosso SNS (a preto) não está especialmente mal, nem especialmente bem. Temos uma baixa taxa de letalidade, mas estamos em crescimento acelerado. Rapidamente podemos apanhar Itália, país que tem a maior taxa de letalidade de dentro dos nossos países. Mas ainda é demasiado cedo para tirar conclusões definitivas..Note-se que a tendência da letalidade é sempre crescente: Todos os países começam com uma baixa letalidade: há poucos casos, logo muitos recursos para poucos doentes. Em situação de stress (à medida que os dias passam) é o contrário: muitos doentes e poucos ventiladores..Mas há mais: os prestadores clínicos podem ser privados. Ou seja, o sistema de saúde (ou subsistema, pode haver vários) é financiado pelos trabalhadores que contratualizam com os médicos, públicos ou privados, a prestação de cuidados médicos. O que acontece é que os médicos são assim pagos por prestação: pelo número de consultas, pelo número de cirurgias, ou com algum exagero, pelo número de seringas dadas. O resultado desta organização é que estes modelos europeus de saúde têm mais camas, mais ventiladores e não têm listas de espera para consultas de especialidade. Como cada clínico ganha à produção, todos tentam fazer o mais possível e estão sempre preparados para o fazer. Cria-se assim redundância na capacidade instalada e isto sente-se agora nesta crise..Em situações de epidemia, o resultado está à vista (ver gráfico abaixo): os modelos birsmarkianos de saúde têm uma taxa de letalidade inferior aos modelos beveridgianos. Os países com modelo bismarkiano considerados no gráfico foram: Áustria, Dinamarca, Suíça e Alemanha e estão no mesmo gráfico, mas agora com linhas a verde..Note-se que estes países optaram, tal como nós, por uma forte fase de contenção e mitigação na primeira vaga do vírus. E todos eles têm uma muito menor taxa de letalidade do que a dos outros modelos..Só por si, esta notícia devia pôr-nos a pensar: “Será que temos o melhor sistema de saúde?”; “Será que ele nos protege tão bem quanto os outros?” E as respostas vêm do gráfico: o nosso SNS e todos os do nosso tipo são muito menos eficientes do que o sistema bismarkiano. As linhas a verde (modelo bismarkiano) apresentam sempre uma menor letalidade que as linhas vermelhas (modelo beverigiano – o nosso modelo)..Quando esta crise passar, devíamos reformular o SNS sem ideologias: o sistema dos outros deixa morrer menos..Mas como vamos ter 70% a passar pela doença se não há vacina?.Note-se que os números oficiais da China indicam que 80% da população sente apenas efeitos menores, mas os restantes 20% precisam de tratamento hospitalar, e 5% do total precisam de cuidados intensivos. Grosso modo, e abusando da aplicação destes números, precisamos de um sistema que proteja 500 mil pessoas para que não vão aos cuidados intensivos, e que permita que 2 milhões não passem por um hospital ou que se o fizerem passem de forma muito estendida no tempo..Não podemos ficar fechados em casa para sempre, mas temos de nos proteger. Assim, a estratégia nas próximas vagas da epidemia será provavelmente a holandesa. Este país optou por alguma contenção, mas mantendo o mais possível a sua atividade económica. Conscientes de que não podiam destruir a economia, o emprego e o rendimento, as autoridades deste país preferiram manter os mais vulneráveis em quarentena; deixando os outros circular com algumas razoáveis medidas de contenção. Medidas essas que são ajustadas conforme a carga que o sistema universal de saúde estiver a sofrer..Vale a pena ler o discurso do primeiro-ministro holandês para perceber a especificidade e a franqueza com que um líder se dirige à sua nação e apresenta um plano exequível de médio prazo: não se está a gerir ventiladores, a compra de testes ou a fazer gloriosas proclamações. Apresenta-se os custos das diferentes estratégias, quem deve defender e quais os motivos para escolher o caminho a seguir. O sistema universal de saúde tem quase tudo o que precisa – tem a tal capacidade instalada de que falei acima.,.A Suécia, apesar das diferenças, também está a ir por este caminho, fazendo recomendações e não proibições..Não sei se a estratégia vai resultar, sobretudo já nesta primeira vaga. O risco de descontrolo é enorme. Mas para já, como conta o gráfico, estes países (a cinza) têm a mesma letalidade que nós, e não perderam tanto de um ponto de vista económico. Adicionalmente, vão despachar a epidemia muito antes dos outros países..O Reino Unido começou também com esta visão, mas percebeu a meio do caminho que não tinha condições de o fazer – tem um sistema parecido com o nosso....Resumindo: alguns países podem arriscar um pouco mais, e atingir a nossa taxa de letalidade. Porém, não destroem a economia num ano (ou mais) de fecho completo da atividade económica. Estes países fazem estas escolhas porque podem, e com certeza vão exigir a mesma temeridade aos seus parceiros europeus, cujos SNS ideológicos e aumento da dívida pública que aí vem não vão querer pagar..E nós? Vamos querer este SNS?.ADENDA (para nerds e não só):.Nas redes colocaram as seguintes dúvidas e críticas:.1. “Não se podes fazer política com os números”..Não percebo a crítica. A ideia era mesmo essa: ajudar a fazer escolhas baseadas na evidência. Quer-se fazer a escolha com base em quê? Claro que há mais argumentos para preferir um modelo bismarkiano..2. “Os países escolhidos para a análise, foram escolhidos a dedo”..Percebo a crítica, mas não é verdade. Para provar estatisticamente que a tipologia (Bismark vs Beverdge) é relevante para uma maior taxa de letalidade fiz o seguinte teste:.-- Construí uma BD com as seguintes variáveis: todos os países europeus com mais de uma morte, taxa de letalidade (mortes / casos), dias após a primeira morte e tipologia. Todos os dados vieram do European Centre for Disease Prevention and Control, exceto a classificação em Bismarkiano e Beverigiano que é minha (como há alguns países onde a classificação é dúbia fiz dois modelos com e sem esses países)..-- Construí depois o seguinte modelo para fazer uma análise anova / regressão: log(Letal) ~ Tipo + Dias.-- A inclusão da variável “dia” após a primeira morte pretende ajudar a medir a carga sobre o sistema de saúde..-- Finalmente fui ver se a regressão era relevante (F(pvalue) = 0) e se o p value associado ao beta da tipologia era estatisticamente diferente de zero..E era. Para os nerds o print screen dos modelos segue abaixo:.Graf 4..A classificação dos países por tipo de país é esta (sempre discutível):.3. “Nem todos os países a mesma definição de caso, ou contabilizam mortes” e “nem todos os países investem no SNS da mesma forma”..Verdade, mas o objetivo não era prever a taxa de letalidade. E muito menos se um país em específico tem uma menor letalidade. Era apenas de verificar se o tipo de organização de saúde era relevante. E é..O pico está próximo.Os números de hoje e dos últimos dias em geral revelam um abrandamento sério do número de novos casos. Vale a pena reavivar o que tem acontecido ao longo dos últimos dias e explicar as fontes de incerteza..Portugal saiu da fase de aceleramento exponencial por volta do dia 17 da crise (estamos no dia 24). Aparentemente, o fecho das escolas e o Estado de Emergência estão a resultar. Deve-se por isso a usar uma curva “S” para prever o abrandamento de novos casos (ver posts anteriores abaixo)..Uma vez que todos os países saíram da fase de crescimento exponencial e temos já alguns dias deste novo comportamento, podemos fazer a comparação do costume de Portugal vs Itália, Alemanha, França e Espanha..Os resultados têm de ser analisados com extrema cautela (ver abaixo) e não podem ser considerados como determinísticos..Ainda assim, com estes novos dados e todas as condicionantes, e assumindo que todos os países saíram da fase exponencial (algo que anteriormente não se tinha assumido), Portugal terá uma das situações menos graves, em número de casos por milhão de habitantes (nada falo em termos de letalidade)..Notas: Os dados acima são a melhor previsão hoje, com os dados conhecidos, e assumindo que as dinâmicas de combate à epidemia vão ter o comportamento conhecido até aqui. Note-se que cada um dos condicionalismos que coloquei na frase anterior dá origem a uma tese. De facto, os dados são mal conhecidos (Espanha o caso mais gritante, mas há surpresas em todos os países), e há medidas adicionais a serem tomadas em todos os países, todos os dias..Mais: Basta que um de nós saia de casa para que toda esta dinâmica se altere. E entramos novamente numa fase exponencial. Nada, mas mesmo nada, no gráfico acima pode ser dado como garantido. Hoje estamos melhor. Vamos aproveitar o momento e continuar em casa..Além disso há um problema na estimação destes modelos de curva “S” (ou logística, é o nome da curva usada): nós temos três parâmetros a estimar e apenas 24 pontos conhecidos. É fácil ter um bom “fit”, i.e. é fácil ter um bom casamento entre o observado e o esperado, e com isso deslumbramo-nos com os números e com o modelo..Se olharem para o gráfico abaixo, de anteontem, ontem e hoje, o número de casos previsto para esta vaga aumentou consideravelmente. E isto acontece para Portugal e para todos os outros países. Um só dia com uma só observação diferente do esperado tem um impacto brutal para o fim desta crise..A progressão de novos casos está na linha de bolas pretas. É notória a fase exponencial e o abrandamento no crescimento. A previsão, com os casos acumulados, está na linha azul. É igualmente notório o casamento entre a previsão e a realidade – as linhas estão sobrepostas..Hoje, ao 24 dia de crise, soube-se que temos 294X1000 casos por milhão, quase 3000 casos. A crise (esta primeira vaga) deve terminar com cerca de 7000 casos, se considerarmos todas as subtilezas consideradas acima. Deixo ao leitor o coeficiente de cautela que quer colocar por cima destes números..Mas o mais interessante está na curva vermelha. Essa conta o número de novos casos por dia. Estamos a dias do pico..1. Número de testes. O número de testes realizado é reduzido (cerca de mil casos por dia). Segundo a DGS apenas são aplicados aos casos em que há suspeitas..O baixo número de testes não estraga muito a tendência de evolução da doença, já que os casos graves acabam geralmente por ir parar ao hospital. Desde que a percentagem de positivos nos testes realizados se mantenha razoavelmente constante (o que tem acontecido), a tendência observada é credível (ver posts abaixo para mais informação). O problema é que sem mais testes, não há contenção ou mitigação da crise. Há apenas confirmação da tendência..Pior. As medidas tenderão a ser mais agressivas e globais. Como não se sabe onde “dói”, atacamos o país todo como igual, exigindo mais quarentena, mais isolamento, etc. Mobilizando recursos em todo o país, quando podiam ser mais eficazes numa ou noutra região ou situação. E sobretudo poderiam ter, mesmo nesta fase, uma maior contenção..No topo disto tudo, quando conseguirmos conter esta vaga, como vamos controlar o dia seguinte se não realizamos testes?.Nota metodológica adicional. Os testes negativos realizados por vontade (e feitos no privado) não podem ser contabilizados no cálculo do SNS. A razão tem que ver com a amostragem e a teoria de sondagens: os testes, para serem extrapoláveis, precisam de ser aleatórios ou seguir um critério controlável. Tais condições não existem nos testes a pedido..2. Os números conhecidos hoje são muito bons (2362 casos vs 2060 casos ontem). Já tivemos no passado dias assim pelo que devemos ter os mesmos cuidados..Ainda assim é possível dizer o seguinte:.a) Há alguns detalhes que não fazem sentido nestes números – taxa de crescimento de 15%, o que compara com cerca de 30% ontem e 25% no dia anterior. A queda de hoje foi muito abrupta sendo que o efeito das escolas já se deveria ter esgotado, e o do Estado de Emergência ainda não se deve fazer sentir (seis a sete dias para os primeiros sintomas, 12 dias para o total)..b) Quem me tem acompanhado nas redes sociais (no Dinheiro Vivo não o tenho feito) terá percebido que nos últimos dias cada nova ventilação de dados tem forçado variações enormes no número de casos previstos. Por isso, antes de me atrever a fazer novas previsões, vou esperar pelos dados de quarta-feira e traçar uma nova linha para podermos acompanhar a evolução diária..c) Já devemos ter deixado definitivamente a fase de crescimento exponencial desta primeira vaga – muito bom. O modelo de curva em “S”, apresentado ontem, que coloca um teto ao número de casos, é agora o padrão a seguir..O número de crescimento de casos não tem estado a descer ao ritmo que seria esperado.Estes últimos dias foram muito interessantes e nem sempre houve boas notícias..1. O número crescimento de casos não tem estado a descer ao ritmo que seria esperado (face a Itália, por exemplo). Dá ideia que Portugal passou de um exponencial muito elevada de +37% de novos casos em cada dia no início da crise, para +30% em cada dia. De facto, se olharmos em cada dia para a média de crescimento dos sete dias anteriores, vemos essa alteração. Mas não vemos mais do que isso..Note-se que cada medida tomada, só tem efeito passado cinco, seis ou mais dias. Por isso, dá ideia que o fecho das escolas e o isolamento parcial do país produziu efeitos, mas abaixo das expectativas..A outra grande medida realizada prendeu-se com a declaração do Estado de Emergência. Vamos ver o que o final da semana nos oferece em termos de número de casos..Abaixo apresento o quadro com a evolução da taxa de crescimento (média móvel a 7 dias) entre Portugal e Itália – dá ideia que o nosso ritmo de crescimento estabilizou..(veja abaixo o gráfico revisto).2. A ministra da Saúde revelou, este sábado, que se prevê que a epidemia do coronavírus, em Portugal, atingirá o pico por volta do dia 14 de abril. Mas há um "mas"..Uma epidemia tem sempre um limite, nem que seja porque estamos todos contaminados (os manuais de epidemiologia referem que o limite se atinge aos 70% de infetados). Além disso, quanto mais pessoas estiverem infetadas ou recuperadas, mais difícil é o vírus passar. Por isso, a dada altura o ritmo de novos casos tem de abrandar e mesmo parar..No nosso caso de contingência haverá uma paragem do vírus antes de atingirmos os 70%, a população suscetível de apanhar o vírus é menor já que estamos (quase) todos confinados em casa..Para medir este efeito de travagem, até ao crescimento zero, usa-se um outro modelo que não o exponencial. Aplica-se um modelo em forma de “S”. Ou seja, no eixo dos XX temos os dias, e no eixo dos YY o número de casos, a evolução da epidemia assume uma forma de “S”. Aliás, com este “S”, nos primeiros dias da epidemia o número de caso parece crescer a um ritmo pequeno (ou não detetado) – estamos na base do “S”. Depois o número de casos acelera (meio do “S”). Este aceleramento é muito parecido com a exponencial que temos usado ate agora. A dada altura, por ter menos pessoas a contaminar, a taxa de crescimento começa a diminuir; sendo a cada dia menor do que o anterior (topo do “S”)..Quando o governo diz que o pico da doença será em meados de abril é porque acredita que as medidas verificadas vão surtir efeito, e que apesar de estarmos na parte de crescimento do “S”, vamos muito em breve ver um decréscimo no número de casos em cada dia. Vamos passar da parte de baixo do “S”, para a parte de cima do “S”..Há várias curvas “S”, apliquei abaixo a mais usada (logística). Não sei qual é a que governo usou. Ainda assim, os dados com esta curva permitem concluir que de facto há o pico em abril e o número de casos é reduzido (cerca de 5500)..Mas se o leitor chegou até aqui, é porque compreenderá que há um “mas”. E o “mas” é simples de explicar..É que como só temos 22 dias de epidemia, qualquer dado, qualquer novo dia, implica uma nova curva. Por exemplo de ontem para hoje, ganhámos mais de 1500 casos e um adiamento no pico da crise. É muito difícil prever além de três dias, e dificílimo prever o pico..Ainda assim, a curva “S”, atualizada aos dados de hoje, encontra-se abaixo. Onde, como habitualmente, temos nos eixos dos YY o número de casos por milhão. E no eixo dos XX o número de dias desde o início da epidemia em Portugal..Covid19: Uma história, 3 gráficos + 1 .No gráfico abaixo Portugal representa o número casos por milhão..O segundo gráfico conta a história. (Para aqueles países que não atingiram vou assumir que se comportam enquanto tal - prologando a sua tendência)..Em Portugal há dias em que a queda dos casos é muito grande, o que é muito bom. Mas gostava, gostávamos todos, que os desvios fossem maiores. Não são suficientes. Continuamos a dobrar o número de casos, sensivelmente, a cada dois dias..(No eixo dos YY está o fator de crescimento exponencial em cada dia, considerando apenas os últimos 7 dias.)..Amanhã faz uma semana da entrada em vigor das primeiras medidas de contenção. Vamos ver como corre..PS: Voltei a incluir Espanha. A fonte de casos é a Wikipedia, parece-me a melhor fonte que acompanha as DGS à volta dos países que escolhi como benchmark. A série de Espanha é muito distinta dos números anteriores..Continuamos a desacelerar. O número de casos verificados (1020) continua abaixo do previsto no dia anterior (1173)..1. É sempre bom termos desvios positivos, com casos previstos acima dos reais. Importa, porém, ver o ritmo dessa desaceleração, e não apenas a análise de um só dia. Abaixo segue o ritmo de crescimento em Portugal, usando todos os dados disponíveis em cada um dos dias. Com este efeito anulamos alguma volatilidade associada ao número de testes e a problemas operacionais aleatórios..Somos mais lentos a avaliar mudança, mas imunes a outliers e outros erros de medida. Considerando que a epidemia em Portugal começou a 02.03.2020 (ver post anterior) e que hoje é o dia 19 da crise, vemos que o ritmo de crescimento está a baixar..É bom! Estamos numa exponencial, mas eventualmente com um coeficiente de crescimento mais pequeno..2. Mas não é suficiente… Somos o país com a exponencial mais elevada dentro do benchmark – isto é, temos o crescimento mais elevado de novos casos. E como as medidas tomadas ontem demoram no mínimo quatro a cinco dias a sentir-se nas estatísticas - e as da semana passada não tiveram um efeito definitivo -, advinha-se o pior..Temos de ficar em casa, se quisermos parar esta epidemia. Às autoridades pede-se o aumento de número de testes. Caso contrário vamos destruir a economia e o país para quase nada..Para ver estes tempos difíceis, atente-se ao gráfico de baixo. Esse gráfico “força” todos os países a terem a crise no mesmo dia. Mostra os dados reais até ao dia indicado, colocando depois a série da melhor estimativa disponível. Ao 31º dia de crise, teremos mais casos por milhão de pessoas do que os outros países..Notas finais:.Itália deixou de estar em crescimento exponencial. O crescimento dos seus casos continua sem fim à vista, embora a um ritmo diferente. Eventualmente concorre para este fenómeno o facto de algumas regiões estarem em desaceleração e outras nem tanto. Teremos de aguardar para compreender melhor..Alemanha e França estarão provavelmente muito próximas desse ponto de transformação, onde haverá menos determinismo matemático..Ontem referi que havia alguns problemas nos dados internacionais. De facto, há diferenças entre os dados indicados pelo European Centre for Disease Prevention and Control (e da WHO) e pelas diferentes DGS nos diferentes países. De uma maneira geral as diferenças são pontuais, e embora relevantes não tiram “horas de sono”. Exceção feita a Espanha, onde as diferenças são significativas. Não coloco por isso este país na análise..Para amanhã e dias seguintes, a estimativa de casos é: 1524, 2121 e 2952. Qualquer número abaixo destes é positivo..Boas notícias e muita cautela... Estão a ser feitos menos testes..Os dados relevados hoje pela DGS mostram uma queda brutal na taxa de novos casos. Estávamos à espera de 800 casos, tivemos 781. Era esperada uma redução pois: .A cautela é devida já que:.Se o motivo de não se fazerem testes for aleatório, menos testes não estragam muito a tendência. Se o motivo de não se fazerem testes não for aleatório e estiver relacionado com a definição de caso muito estrita ou seguir um padrão muito fechado, menos testes estragam em muito a tendência. E temos um problema: de estimação e de menos casos observados face aos reais, possivelmente menos internamentos face ao devido e de falta de controlo das cadeias..As previsões para a amanhã e dias seguintes são: 1173, 1637 e 2286. .PS: Vou suspender as comparações internacionais por uns dias, já que a fonte internacional que usava (WHO) não é coincidente com os dados das DGS nos diferentes países. Enquanto não perceber o que se passa e os motivos da diferença, prefiro suspender a análise. No entanto, para os mais curiosos, se usar os novos dados que encontrei, Portugal fica numa muito má situação..(Post 3).Ficámos em linha com o modelo, era bom que tivéssemos erro por cima: com mais casos previstos do que reais. O modelo atualizado aos dados de ontem previa 642, e tivemos 642. Para amanhã e dias seguintes, com os dados de hoje, prevê-se 898, 1258 e 1762 casos. Em termos gerais, e assumindo que tudo se manterá constante, comparando com outros países, temos:.(post 2, feito antes dos dados da DGS) “Os modelos pouco valem porque há poucos testes!”.Não é bem assim. De facto há poucos testes em Portugal. Mas há 3 possibilidades:.Também para tirar as teimas sobre a qualidade dos modelos, devíamos fazer mais testes. Os de medir a temperatura de forma sistemática por exemplo poderiam permitir uma ampla amostragem e ajudar na seleção dos casos a medir..post 1: Nerds only.Os modelos aplicados seguiram a seguinte metodologia:.1 Para cada país foi necessário escolher o momento “1”..Habitualmente considera-se o primeiro caso. O primeiro caso está logo uma distribuição exponencial..Porém, como é normal em fenómenos humanos, as pessoas reagem e os sistemas de saúde atuam logo. Não são “pés de milho” que não podem fugir à doença. Assim, preferi considerar o dia 1 para cada país quando existiam 0.2 casos por milhão. Assumi (um pressuposto como outro qualquer) que com este número já havia algum descontrolo do vírus sobre a comunidade..2 A unidade de análise dos modelos é sempre casos per-milhão..Esta opção também não tem sido a mais seguida, mas creio que é a que faz mais sentido. Do ponto de vista matemático a diferença é uma constante; mas os resultados fazem mais sentido em termos comparativos. Além disso há outra vantagem, o risco mede-se sempre em termos percentuais..Vejamos, costumamos dizer que o risco é a taxa de mortalidade (mortos por população). Mas este valor pode ser decomposto: Taxa de mortalidade = mortos / população = (mortos / casos resolvidos) * (casos resolvidos / população).Se olharmos para a formula estendida vemos que se pode cortar denominador e numerador. Mas esta decomposição ajuda-nos bastante: (mortos / casos resolvidos) = Letalidade; (casos resolvidos / população) = Frequência de casos. Ou seja, Taxa de mortalidade = mortos / população = Letalidade * Frequência. Esta equação é a básica de risco. Risco = Impacto * Frequência.O nosso modelo está a estimar a frequência, casos resolvidos per milhão de população..Uma nota paralela: a letalidade depende muito da organização dos Estados, dos Sistemas de Saúde, de medidas pontuais de gestão, capacidade de internamento. Está ainda dependente da Frequência, etc. Com os dados que temos, atualmente, não é possível prever com algum rigor a letalidade..3 O modelo estimado por mínimos quadrados tem a seguinte forma:.log (casos per milhão | previsto) = constante + taxa de crescimento * dias.Para termos o número de casos por milhão aplicamos o operador exponencial, de forma a anular a escala logarítmica e obtermos (casos per milhão | previsto). Porém, como os modelos estimados com logaritmos penalizam ou sobrevalorizam algumas observações, há que corrigir “ponto de massa”. Tal faz-se apanhando, por mínimos quadrados, a relação entre o número previsto e o numero esperado, isto é: (casos per milhão | observado) = W * (casos per milhão|previsto).Assim, o número de casos por milhão previsto é: W * exp (log (casos per milhão previsto).Por vezes, para corrigir erros de medida de diferentes países aplico modelos SUR e oportunamente iremos migrar para modelo de estimação logístico. Assim haverá mais posts metodológicos..4 Finalmente, forçamos que todos os países tenham a mesma janela de estimação de forma a explicar graficamente a taxa de crescimento do modelo exponencial..A ideia não é fazer previsões com duas casas decimais para 15 dias, mas comparar o que está a acontecer. De uma forma sucinta: responder em cada dia qual o país que está em melhor/pior situação se nada for feito. A ideia não é de todo prever a mais de que um dia..Felizmente, várias medidas de contenção estão em marcha e vão “estragar” as previsões. A análise dos erros de previsão é essencial..A previsão aos dados de ontem para o número de casos de hoje, apontava para 461 casos hoje e a DGS indicou 448 casos. Que boas notícias! Falhei na previsão “por cima”. Já é o segundo dia de erro, por cima. Nunca fiquei tão satisfeito com um erro de previsão. E este é relevante pela magnitude e por ser o segundo que se verifica desde que comecei a desenhar estes modelos. A diferença ainda não é “estatisticamente significativa” pelo que tudo tem de ser analisado com cautela..Vale a pena compreender um pouco o que é que este desvio significa..No crescimento exponencial, a taxa de crescimento permanece a mesma independentemente do tamanho da população, fazendo com que cresça mais e mais rápido à medida que passam os dias. Na natureza, as populações podem crescer exponencialmente por alguns períodos, mas inevitavelmente serão limitadas pela disponibilidade de recursos..No nosso caso, a expansão de casos está limitada ao número pessoas que vivem no país. Porém, se a taxa de crescimento for diminuindo, podemos estar a insistir a uma inversão de ciclo. Ao dia de ontem, estes erros “por cima” eram comuns em todos os países. Sobretudo em Itália e França..(Por lapso na primeira publicação deste post mencionou-se 501 em vez dos 461 casos que ali deviam figurar).Com base no modelo exponencial para Portugal a previsão de casos para hoje era de 335, o resultado foi de 331. Este desvio é positivo é muito bom: são menos casos (isso é sempre bom!) e pode ser indício de uma desaceleração. Espero, aliás, desejo que nos próximos dias os erros "por cima" continuem a verificar-se. Significa que o modelo exponencial está a deixar de ser tão acelerado, ou que nos aproximamos mesmo da fase de desaceleração..Com os dados da WHO é possível calcular como é que Portugal está em relação aos outros países..Ao mesmo dia de crise, vamos estar piores do que Itália e melhores do que Espanha, que deve estar a explodir em número de casos..O gráfico abaixo retrata o número de casos por milhão de habitantes. Os dados são os previstos de forma a atingir o horizonte temporal de 30 dias. Note-se que Portugal está no dia 14 de crise, Espanha e França no dia 18, Alemanha dia 19 e Itália 23..Os dados mostram que a nossa progressão é mais acelerada que a de Espanha e menos do que a de Itália – note-se que nestes considerandos Itália tem já o efeito de algumas medidas de contenção; e que em Portugal o efeito dessas medidas só se deverá verificar no final da semana, uma vez que o período de incubação da doença é de quatro a cinco dias. Se o isolamento mais forte começou nesta segunda-feira, só no final da semana teremos as primeiras evidências de sucesso..* Filipe Charters de Azevedo é empresário e fundador Data XL, empresa especializada em modelos estatísticos.