19 novembro 2017 às 00h10

O campeão pelos leões que podia ter mais 200 mil euros na conta

Quando Marco Almeida acabou a carreira, o central que foi campeão pelo Sporting não quis trabalhar com empresários, preferindo investir no treino. Atualmente é adjunto no Carregado

Isaura Almeida

Quando anda na rua ainda é "o Marco do Sporting" e isso não o podia deixar mais "orgulhoso". Perdeu os longos caracóis, mas manteve o sportinguismo e os adeptos parecem não esquecer o defesa central que um dia recusou jogar no Benfica e foi campeão nacional pelos leões em 1999-2000. Um título que acabou com um jejum de 18 anos: "Estive 14 anos no Sporting, entrei com 10 e saí com 24 anos, cresci naquela casa, e ter sido campeão nacional, que não é fácil, mesmo hoje em dia é um feito que vou recordar até ao fim dos meus dias. Cresci a sonhar jogar na equipa principal e a ser campeão pelo Sporting. E consegui. Quantos podem dizer o mesmo?"

Seis anos depois de colocar um ponto final na carreira, o ex-leão procura continuar ligado ao futebol, agora desde o banco. "Estou a iniciar um novo projeto como treinador adjunto do Carregado (Associação de Futebol de Lisboa)", atirou em resposta ao DN ainda na emoção dos primeiros dias no cargo.

Quando deixou de jogar ainda recebeu "convites" para trabalhar com empresários. "Não era a minha praia. O futebol sempre fez parte da minha vida e se tenho a possibilidade de estar ligado a uma coisa que eu gosto e me dá prazer como o treino não digo que não", explicou o ex-jogador, que preferiu investir na carreira de treinador.

"Tirei o curso de monitor, que me dava acesso a treinar até aos juniores. Tive oportunidade de trabalhar no Águias de Camarate, a experiência foi boa, correu bem, fui campeão de juvenis, depois disso tive um convite para integrar a equipa do Wilson Teixeira (ex-concorrente do programa Casa dos Segredos). Tivemos algumas experiências no Alta de Lisboa e no Cartaxo, mas passados quatro ou cinco jogos, recebemos este convite do Carregado", explicou.

Treinar ao nível semiprofissional obriga a estar ocupado apenas à noite e por isso Marco Almeida gostava de ter outra ocupação, "qualquer que fosse", para preencher os dias. "E sempre seria mais algum dinheiro que entrava, não tenho um vencimento que me dê para viver do futebol, nunca tive mesmo quando era jogador", revelou o antigo central, lamentando a ideia generalizada de que o futebolista "ou é milionário ou um doidivanas que estoira o dinheiro todo"!

No seu caso, "nem uma nem outra". A origem humilde e "os pais maravilhosos" educaram-no a "não gastar mais do que ganhava". No entanto, "por muito que acautelasse o futuro, o presente podia ser muito diferente com mais 200 mil euros na conta". Como assim? "Se eu lhe disser que a SAD do Alverca abriu falência no meu último ano de contrato e me ficou a dever 150 mil euros, depois fui para o Maia, que acabou e me ficou a dever um ano e meio de trabalho... Acabei a carreira no Chipre, estive lá três anos e saí com sete meses de ordenado em atraso. Já estamos a falar de mais de 200 mil euros! Por isso por muito que eu quisesse acautelar o futuro esse dinheiro fazia muita falta hoje", explicou.

Disse não ao Benfica

Formado no pelado junto ao antigo Estádio José Alvalade, Marco Almeida tem algumas memórias bonitas desse tempo, apesar de o clube ter vivido dias conturbados, nada fáceis para um jovem central se impor: "O Sporting não ganhava nada há 18 anos, era muito difícil apostar num jovem jogador e já tinha aparecido o Beto... dois centrais jovens era difícil, mesmo assim ainda jogámos juntos alguns jogos e penso que ainda somos a dupla de centrais mais jovem de sempre. Batemos o recorde do Venâncio e do Morato, salvo erro, num jogo com o Feirense (3-2)."

Mesmo com todas as contingências, incluindo a forte concorrência (Beto, André Cruz, Phil Babb, Quiroga, Saber, Marco Aurélio), o central deixou marca em Alvalade. Estreou-se num jogo com a Académica e marcou o golo que deu a vitória à equipa. "O Marco Aurélio e o Beto não podiam jogar e eu e o Nené éramos os outros centrais, mas o Vidigal andava a treinar para baixar no terreno. Fomos para estágio, o Cantatore chamou-me e disse que eu ia ser titular. No final ganhámos 1-0, com um golo meu", lembrou, sem esquecer Octávio Machado e Inácio, com quem foi campeão nacional.

No caso de Marco, foi um "não" ao Benfica que o ajudou a ser campeão: "Estava emprestado ao Southampton... fui contrariado, mas correu bem e passado um /dois meses apresentaram-me um contrato de cinco anos. No Natal, estava em casa e recebi uma mensagem do meu empresário a dizer que havia a hipótese de ir para o Benfica, tinha saído a Lei Bosman e eu ia ficar livre. Mas eu disse que não. O empresário bem tentou, até porque o Benfica ia pagar mais, mas há coisa que o dinheiro não compra, o meu avô iria dar voltas no túmulo. Entretanto passada meia hora ligou um dirigente do Sporting, o Luís Duque, a mandar-me apanhar um avião, no dia a seguir, e regressar ao Sporting. E foi assim que me fiz campeão."

E lembra-se dos festejos? "Recordo-me como se fosse hoje. Nunca vivi nada comparado com aquilo. Aquela equipa tinha um espírito de grupo brutal. A viagem do Porto a Lisboa foi uma loucura, não há palavras que possam descrever o que vi em Alvalade, o estádio e as ruas cheias. Só mesmo tendo passado e sentido aquilo", confessou, ele que guarda a faixa de campeão religiosamente: "É a coisa mais linda que existe depois dos meus filhos."