O policial não é um género menor, mesmo que muitos escritores que se dizem “sérios” o considerem deste modo. No entanto, são cada vez mais os autores de renome que se dedicam a esta atividade literária. Não será por puro exercício de escrita, antes porque o policial tem regras muito específicas que tanto controlam o processo criativo como lhes exige uma mestria para dominar uma narrativa que tem um imenso universo de leitores. Não faltam exemplos, como o de Francisco José Viegas que tem uma série de volumes protagonizados pelo seu inspetor Jaime Ramos e que reúne a ficção literária ao policial de uma forma ímpar. Mesmo no país vizinho, onde o policial/thriller é um campeão de vendas, também vários escritores se deixaram seduzir pelo género, como é o caso de Javier Cercas que escreveu a trilogia Terra Alta extremamente apreciada pelos seus outros leitores.Também de Espanha vem um autor reconhecido na literatura de ficção e histórica como é o caso de Arturo Pérez Reverte, de quem chega agora às livrarias portuguesas o seu mais recente livro, O Problema Final, um bom exemplo desse deixar-se entusiasmar pelo policial. De um pouco mais longe, chega também às livrarias o policial A Garagem de John Banville, que até há pouco tempo escrevia este género sob o pseudónimo de Benjamin Black e se deixou de pruridos para publicar os seus policiais sob o nome por que é mais conhecido internacionalmente. Nenhum dos dois se entregou por completo às regras mais tradicionais do género, antes interpreta-as ao seu gosto, criando deste modo uma nova “linha de montagem” detectivesca, mesmo que o pressuposto original seja sempre o mesmo: a solução de um crime.Sendo policiais em muito diferentes, não deixam de coincidir na busca de um cenário do passado, de há sete décadas, mas não existem muito mais coincidências, pois em Banville os protagonistas são um polícia à beira da reforma e um patologista amigo, enquanto em Reverte é um grupo não uniforme de convidados e a ausência das autoridades que move toda a procura pelo criminoso. Igual têm ainda o recurso a inúmeros volte-faces ao longo da narrativa, despistando constantemente o leitor até este chegar praticamente ao fim e só então descobrir o mistério. Ainda coincidem na construção de personagens inesperados que, contudo, são bons exemplos da sua época, fazendo também uso da ausência das tecnologias hoje à disposição de qualquer investigação policial. .A GARAGEMJohn BanvilleMinotauro371 páginas1Comecemos por A Garagem, um volume de mais de trezentas páginas em que o leitor navega à vista e em conformidade com a disposição narrativa de John Banville. Este é o seu terceiro policial em nome próprio e tem alguma ligação com o anterior, Abril em Espanha, ao nível do duo de personagens. Mas a história desenvolve-se agora em Dublim e tem início com uma jovem que alegadamente se suicidara numa garagem. Rapidamente, a investigação ruma a um homicídio, que se desenvolve num cenário em que surgem suspeitas de antigos nazis estarem a ajudar o recém-criado estado de Israel a fabricar uma bomba nuclear. Não se chega a este ponto sem se recordarem episódios da II Guerra Mundial e as cicatrizes que ainda existiam nos países e populações onde o conflito decorreu com mais intensidade, bem como a atuação da Igreja irlandesa.O registo escolhido por Banville para narrar pode surpreender os leitores, já que têm de se acostumar à fórmula literária muito própria que o autor escolheu, pois está menos preocupado em manter o suspense e mais no entrelaçar de um retrato da sociedade da época através da sua dupla. No entanto, Banville nunca deixa de introduzir grãos de suspeita na engrenagem e o leitor vive até alguma ansiedade enquanto o enigma não é resolvido, sempre acompanhada por uma certa tensão entre ambos face aos comportamentos de quem tem um passado protestante ou católico, visto que a divisão entre estes dois ramos religiosos é muito importante no percurso do livro. Ou seja, é um policial que vive em muito de um rigor literário que Banville colocava nos romances com o seu nome. . O PROBLEMA FINALArturo Pérez-ReverteEdições ASA350 páginasContinuemos por O Problema Final, que se desenvolve tortuosamente também por mais de trezentas páginas. Arturo Pérez-Reverte terá pretendido homenagear os policiais que leu e os autores de que mais gosta, como Conan Doyle e Agatha Christie. Irá intrometer Sherlock Holmes por várias vezes na narrativa dada a necessidade de investigar um crime estando o grupo onde ele foi cometido isolado numa ilha incontactável devido a uma tempestade. Os ensinamentos de Sherlock, bem como de alguns personagens de Agatha Christie, permitem uma orientação por parte de quem lidera o desvendar do crime, criando frequentemente um paralelo com os policiais daqueles dois autores, que os que conhecem bem estas obras irão recordar em paralelismos constantes.Reverte dá uso a todo o seu treino literário e dificilmente o leitor suspeitará de quem será o criminoso muito pouco antes do fecho do livro, mesmo que o cadáver esteja sempre presente, envolvido por reviravoltas constantes sobre que poderia ter matado a personagem ainda o livro vai muito no seu princípio. Não sendo um thriller como era a Nona Porta mas um policial mais suave, coloca toda a ação na ilha de Utakos, de onde se observa a costa de Corfu, também beneficiando de um crime que de início se pensa mais não ser do que um suicídio. No entanto, algo não está correto no cenário do crime e a suspeita cresce até ficar a certeza de que nem todos serão inocentes. Outras novidades literárias UM MESTREO escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán está de regresso num dos seus mais impressionantes policiais para desvendar um crime que ocorre logo no início de uma reunião do comité central do Partido Comunista Espanhol, quando as luzes se apagam e o secretário-geral é apunhalado mortalmente. É chamado o detetive Pepe Carvalho para esclarecer as circunstâncias em que tudo aconteceu e Montalbán desenvolve a investigação entre muitas intrigas políticas e, como é seu hábito, também rodeado de muito humor e de boa gastronomia. .ASSASSINATO NO COMITÉ CENTRALManuel Vázquez MontalbánQuetzal323 páginasUM REGRESSOA dupla de autores deste thriller era conhecida dos leitores portugueses como Lars Kepler, no entanto ao darem início a uma nova série sem a protagonista Joona Linna, alteraram o seu pseudónimo. Este é o segundo volume de um nova saga e mantém todo o estilo habitual, desta vez com uma suspeita que recai sobre alguém que estaria morto há três anos. .FECHO OS OLHOS E REZOAlex AhndorilSingular226 páginas UMA ENCICLOPÉDIAPara os leitores que apreciam policiais, esta história sobre a polícia inglesa Scotland Yard é uma bíblia fundamental, pois contém uma enorme de lista de atividades investigatórias desta organização e apresenta a resolução de vários crimes que ficaram na história através de uma narrativa que descreve o empenho de criminosos durante os quase dois séculos de resposta policial da instituição. (Sai dia 25/03) .SCOTLAND YARDSimon ReadcocoCasa das Letras589 páginas