Já estamos num mundo hiperconectado?A resposta é sim. Há uma expressão que eu gosto muito e é adequada aqui, que é ‘gradualmente e depois de repente’. Acho que foi isso que aconteceu com o mundo hiperconectado, porque durante décadas a conectividade foi crescendo de forma discreta, fomos tendo mais computadores, mais redes, mais dispositivos. Mas nos últimos anos essa evolução acelerou de forma exponencial. Nós hoje já vivemos nesse mundo em que quase tudo está ligado, as pessoas, as organizações, os dispositivos as cidades, as infraestruturas. Este conceito vai além do acesso à internet. Significa que está tudo ligado de forma constante, inteligente, há dados a circular rapidamente entre pessoas, máquinas e sistemas e isso afeta e reflete-se em todas as áreas da vida e do trabalho.Basta pensar na utilização que fazemos do smartphone no dia-a-dia, que está sempre à mão e que nos conecta, as apps que usamos para tudo, desde o banco a serviços, a conectividade que temos nos próprios automóveis, em nossas casas, com os dispositivos cada vez mais conectados, até os eletrodomésticos hoje em dia têm conectividade. E isso é a realidade já hoje. Quais são as tecnologias que garantem essa hiperconectividade?Esta ligação abrangente e constante só é possível através de várias tecnologias essenciais. A primeira, que normalmente é a mais esquecida, é a dos cabos submarinos, que hoje em dia transportam mais de 95% do tráfego global de dados. Depois temos as redes de fibra, as redes móveis avançadas, como o 5G, que permitem comunicações em tempo real e com baixa latência.Temos o satélite também, que cada vez começa a ser mais falado e que permite complementar as coberturas em zonas mais remotas e em que as outras redes não chegam. E depois temos a computação em nuvem, o ‘edge computing’, que torna os dados acessíveis e processáveis em qualquer lugar, a Internet das Coisas, a sensorização de veículos, de edifícios, dispositivos pessoais, dos eletrodomésticos. E, por fim, a Inteligência Artificial, que processa dados e os transforma em decisões e permite fazer esta automatização.Estas tecnologias criam uma teia invisível mas poderosa que sustenta tudo e este é o mundo em que já estamos atualmente. A questão é como é que lidamos com esta realidade e como é que tiramos o melhor partido dela e também da aceleração que naturalmente vai acontecer. Como é que esta transição vai afetar as empresas em Portugal, onde temos nalguns sectores ainda uma baixa adoção de processos digitais, como a agricultura?Há uma estatística curiosa: apenas 20% das PME europeias estão altamente digitalizadas, tirando o acesso básico à internet ou os acessos a sistemas. Efetivamente há muito caminho a percorrer.E sim, a hiperconectividade está a redefinir a forma como as empresas operam e competem e também na relação que têm com os seus clientes. Esta transição abre novas oportunidades para melhorar a produtividade e a competitividade dos negócios. E, segundo um estudo do grupo Vodafone, a digitalização das PME, portanto as tais 80% que não estão cobertas, pode contribuir com 628 mil milhões de euros para o PIB da União Europeia. Isto é um potencial que não pode ser desperdiçado. Pode dar exemplos? A combinação da IoT e a Inteligência Artificial pode ajudar a transformar alguns sectores, como a indústria, a logística o retalho, a saúde. E a sensorização urbana também, para recolher dados de consumo energético, fugas de água ou segurança, com câmaras inteligentes que permitem tornar os espaços mais eficientes e inteligentes.Outro exemplo, as redes móveis privadas, a que nós chamamos as bolhas 5G. Oferecem uma conectividade dedicada para operações críticas em ambientes como fábricas, portos, hospitais, e isso é uma capacidade que já está disponível e de que as empresas podem tirar partido. Depois temos também a cloud e os data centers, que permitem às empresas escalar rapidamente, aceder a dados de forma segura e trabalhar com aplicações avançadas sem depender de sistemas locais ou de ter essa capacidade localmente, que por vezes é mais difícil de ter, especialmente em empresas de menor dimensão.Esta transição também afeta a forma como as empresas se relacionam com os clientes. Como estamos num mundo sempre ligado, os clientes esperam respostas imediatas, serviços personalizados, experiências digitais simples.A hiperconectividade permite às empresas recolher dados, trabalhá-los em tempo real para que possa conhecer melhor as preferências, os comportamentos e os contextos dos seus clientes e usar esses dados para antecipar as suas necessidades e criar valor.Como endereçam os riscos, por outro lado? O acesso a serviços de cibersegurança avançados e com parceiros especializados é essencial para proteger os dados e sistemas, porque a hiperconectividade traz ameaças e é fundamental garantir que as empresas se protegem.Algo que nós sentimos é que, enquanto que as empresas de maior dimensão já têm um maior conhecimento e capacidade de acesso a essas tecnologias, temos que contribuir para fazer chegar essas tecnologias e essa proteção às pequenas e médias empresas, que não estão menos ameaçadas.A quantidade de ataques que as pequenas e médias empresas têm hoje em dia de forma continuada não é desprezível. Têm os mesmos desafios, têm menos recursos, menos know-how e acho que temos que apoiar estas empresas.A hiperconectividade não é só uma tendência tecnológica ou algo que vem no futuro. É uma realidade competitiva e as empresas que souberem tirar o melhor partido das tecnologias disponíveis com uma estratégia, com segurança e com o foco no cliente vão estar mais preparadas para inovar e para crescer e para se distinguirem.Dá para salientar alguns sectores onde isto seja mais visível?Sim, acho que alguns sectores foram pressionados para acelerar a transformação digital. Um exemplo é a educação, com a covid houve uma emergência na parte de soluções de formação à distância. Outros sectores também, pelos ganhos que a transformação digital traz para a sua atividade, o que lhes gerou a urgência de evoluírem para se tornarem mais competitivos – como a indústria, em que a automatização dos processos em chão de fábrica torna relevante a evolução da empresa.Têm exemplos concretos? Um exemplo concreto é o trabalho que temos vindo a desenvolver com a Cimpor, em três fábricas do grupo. Estamos a instalar redes móveis privadas, que oferecem uma conectividade dedicada e conseguem isolar de impactos de eventuais congestionamentos na rede e assim não afetar as operações que estão dependentes desta conectividade.Outro exemplo foi a utilização de drones com câmaras para a inspeção das chaminés das fábricas. Na realidade anterior, era necessário parar a fábrica durante vários dias, montar andaimes, ver a deslocação de técnicos em situações de risco, que existe sempre neste tipo de trabalhos. A utilização de drones com câmaras com sensorização permite fazer essa avaliação, poupa muito trabalho e evita a paragem ou minimiza a paragem da fábrica. Também uma solução que acho muito interessante é a monitorização da exposição a gases perigosos para o pessoal de manutenção. A transmissão de dados que é feita em tempo real permite dar uma alarmística que evita acidentes graves e potencialmente fatais.Outra solução na indústria é a de ‘digital twin’, que permite virtualizar a fábrica para permitir a intervenção remota em que o técnico, através de realidade aumentada, consegue interagir como se estivesse no espaço.Na saúde, um exemplo é a utilização de soluções de monitorização remota de pacientes através de dispositivos móveis, assegurando a segurança dos dados clínicos, que permitem reduzir o tempo de internamento de pacientes, mantendo o acompanhamento próximo. Para o paciente é mais cómodo fazer uma recuperação após uma cirurgia em casa, mas mantendo a segurança dos seus dados estarem a ser periodicamente acompanhados por pessoal médico, que podem logo detectar qualquer alteração que obriga a um retorno ao hospital.E noutros sectores?Na agricultura, que é se calhar um dos sectores que parece menos ligado às tecnologias, já existem muitos exemplos de tirar partido também da adoção, quer de sensores, quer de drones e câmaras, para fazer a analítica de dados e práticas de precisão. Por exemplo, controlo de temperaturas, controlo de nível de água do solo, os drones a conseguirem fazer a observação.Na parte do retalho, há algumas soluções com base em câmaras inteligentes, em que é possível criar ‘heat maps’ que permitem identificar períodos ou zonas de maior concentração de pessoas, onde é que as pessoas circularam, a que horas é que precisamos de adaptar os serviços e a reposição.Depois queria destacar também as cidades inteligentes. É um exemplo claro da possibilidade de aplicação integrada do que falei há pouco do IoT com a Inteligência Artificial, com câmaras inteligentes para gerir tráfego, para analítica de dados que permite identificar se há deslocações anormais de pessoas em determinadas zonas da cidade, em que é necessária alguma medida de segurança.E o sector das telecomunicações está a sofrer uma transformação profunda causada pela hiperconectividade, mas também é uma mudança que o próprio sector está a impulsionar.A Vodafone, por exemplo, está a evoluir de um fornecedor tradicional de conectividade para uma empresa tecnológica que oferece soluções digitais avançadas.A hiperconectividade está a reposicionar o sector das telecomunicações como uma infraestrutura crítica, porque toda esta transformação está suportada na conectividade com qualidade.Como é que as empresas passam para uma nova forma de operar num mundo hiperconectado, tendo vários fatores económicos e geopolíticos a pressionar?É um desafio. Há tecnologias que podem ser muito mais acessíveis do que as empresas pensam. Mas acho que o mais importante é o ‘mindset’, ou seja, a vontade e a percepção de que este é o mundo atual, as coisas vão acelerar e o não fazer nada atualmente não é uma opção.As empresas têm que perceber de que forma é que têm que se transformar para conseguir sobreviver neste mundo, ser mais competitivas e fazer crescer o negócio, em vez de ficar com métodos tradicionais e ver outras a ultrapassarem.O que vemos no dia-a-dia de contacto com os nossos clientes é que há uma vontade, há um alerta e portanto há a intenção de evoluir, digitalizar e fazer coisas diferentes. Há vontade de investir em tecnologia, em conectividade e há um racional de medir investimentos e ganhos. Tem que haver objetivos concretos, uma estratégia pensada para evitar começar a correr sem saber se estamos a ir na direção certa. Às vezes há um ‘fear of missing out’ em que as empresas sentem que querem fazer qualquer coisa, mas depois se não tiverem um objetivo concreto e se não tiverem uma estratégia, podem estar efetivamente a desperdiçar recursos em vez de direcionar o investimento para aquilo que vai fazer a diferença.Havendo uma estratégia e objetivos delineados, depois é a adaptação necessária que as organizações têm que fazer, quando incorporam mudanças a nível dos seus processos e especialmente da qualificação dos colaboradores.Um dos grandes desafios da hiperconectividade é garantir que as pessoas não receiam a tecnologia, mas que sejam capacitadas, ensinadas e consigam tirar partido do potencial da tecnologia no seu dia-a-dia, em vez de acharem que é algo que que vem aí para nos substituir. Neste mundo sempre ligado, as empresas também têm que fazer por proteger os seus colaboradores dos impactos negativos desta conectividade constante. É importante promover práticas de bem-estar digital, respeitar tempos de desconexão. Refere-se a evitar o ‘burnout’?Evitar o ‘burnout’, porque as pessoas têm que ter a possibilidade de desligar. De ter o seu equilíbrio, os seus momentos de lazer, que é para serem mais produtivas no tempo em que efetivamente estão a trabalhar. É possível pensarmos num mundo hiperconectado em que ao mesmo tempo essas práticas são sustentáveis?É possível e é necessário que exista essa preocupação, ou seja, de construir um mundo hiperconectado mas que também seja sustentável.O mundo hiperconectado pode-nos trazer ganhos relevantes em termos de produtividade, a capacidade de processamento e interpretação de grandes quantidades de dados em pouco tempo, tomar decisões mais informadas, agir rapidamente, corrigir ineficiências. É assegurarmos que a tecnologia está a contribuir para o aumento da produtividade, para a redução do desperdício. Tem que haver sempre um racional e medição de custo e efeito.Se todas as formas de utilização da tecnologia tiverem esse racional, penso que vamos conseguir fazer com que a tecnologia seja um contribuinte positivo para a sustentabilidade.E queria dar aqui o exemplo do esforço que a Vodafone tem feito para tornar as nossas redes mais eficientes. Desde 2021 que todas as operações da Vodafone na Europa já são suportadas por eletricidade proveniente de fontes renováveis.Este é um exemplo de esforço que as organizações têm que fazer e encontrar formas de se tornarem mais sustentáveis e de utilizarem a tecnologia para contribuir para esse mundo mais sustentável.Falando de sustentabilidade e inclusão, será que a hiperconectividade vai agravar o fosso entre os países desenvolvidos e os países emergentes?O risco de se agravar o fosso existe. É necessário encontrar medidas para que não se ampliem desigualdades, promovendo o acesso a infraestruturas digitais, à literacia, à educação e permitindo também o acesso às inovações.Agora, é natural que os países que têm infraestruturas digitais mais avançadas, acesso generalizado à internet a alta velocidade, data centers modernos, mão de obra qualificada, vão estar mais bem posicionados. É necessário que, para mitigar esse risco, existam políticas de inclusão digital e que se faça um investimento em infraestruturas de conectividade.Por exemplo, o satélite permite fazer chegar conectividade a sítios em que hoje se calhar é difícil.Assim como as redes móveis vieram ajudar a ultrapassar o problema de não existir conectividade fixa nalguns países menos desenvolvidos, temos é que ver como é que a tecnologia permite compensar falta de conectividade fixa.Acho que passa muito por questões de política de inclusão digital e acesso a estas infraestruturas, e isso vai depender de colaboração entre governos, empresas, organizações internacionais. Não há um papel isolado, há aqui uma colaboração para fazer com que esse fosso realmente não aumente.Mas como há bocadinho eu estava a explicar, mesmo dentro da União Europeia só 20% das PME é que estão digitalizadas, 44% dos cidadãos ainda não têm competências digitais básicas.Há também muito caminho de inclusão digital a fazer, mesmo em Portugal, na Europa. Também a parte de zonas rurais ou populações mais idosas, esse fosso existe a vários níveis e portanto há várias áreas em que temos que atacar o problema.