Marion Cotillard, uma mãe dos infernos
Era um dos filmes mais esperados da secção Un Certain Regard, Gueule d"Ange, da lusodescendente Vanessa Filho, fotógrafa e videoasta consagrada em França. Um filme com "tema": a maternidade falhada e com uma estrela: Marion Cotillard. Uma primeira obra que nos conta o calvário de uma criança de 8 anos que é negligenciada pela sua mãe, uma alcoólica noctívaga da Riviera Francesa. Ou seja, Marion em exercício extremo com uma personagem desagradável: uma mãe que não cuida da filha e que a leva para a noite, tornando a menina numa dependente de álcool.
Gueule d"Ange é seguramente uma das grandes desilusões do festival até à data, mesmo com um tour de force de Cotillard sem nada a repreender. O que falta ao filme é um gancho de cinema que o eleve perante o seus tiques e maneirismos de melodrama psicologizante. O olhar "fotográfico" da realizadora não nos agarra e sente-se que estas histórias de traumas de maternidade estão cada vez mais parecidas umas com as outras. E tudo é sempre muito monocórdico, mesmo quando vemos a menina perdida na cidade alcoolizada. Monocórdico e manipulado...
Na competição, o cineasta chinês Jia Zhangke regressa a Cannes com Ash Is Purest White, história de amor ao longo de mais de 20 anos numa China em transformação. Um casal que se apaixona, separa-se e volta a juntar-se nos bastidores da máfia dos jogos ilegais.
Sem o impacto de choque de China - Um Toque de Pecado, Jia Zhangke filma na perfeição as entranhas de uma China perdida nos labirintos da sua transformação, dando vida a personagens capazes de tudo para sobreviver. Pode ser também visto como um guia sobre como perder as ilusões. É terrivelmente triste e está apresentado como uma possibilidade de um novo método romanesco chinês.
Ash Is Purest White está já adquirido para Portugal pela Midas Filmes.