«Os meus livros são romances de sombra, nocturnos»

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Apesar de Vodka, você não é sobretudo um autor de thrillers?

Considero que sim, mas não apesar de Vodka, pois com ele creio ter conseguido fazer um thriller diferente, que passa pela aventura, pela ficção política.

Vodka é um livro político?

Sim e não... É político numa via muito pessoal. Tal como os políticos, ele joga na vontade de tentar produzir um determinado efeito nos outros. Até porque na Rússia, onde a história se passa, a acção, os actos dos políticos produzem um efeito directo e imediato no próprio povo.

Na sua história fala-se de violência, da mafia russa, mas também de uma evidente decadência...

Sem dúvida, porque com o fim da União Soviética, com a queda do comunismo, tudo em que o povo acreditava ruiu, desapareceu. Na realidade, com o fim da ditadura, com o termo do imperialismo soviético, a vida mudou para milhões de pessoas, o que foi e continua a ser muito duro. Afinal eles perderam tudo, da segurança à solidez, dos ideais à própria ideia de pátria.

O que veio proporcionar o aparecimento dos oportunistas, das mafias?

Precisamente, a confusão que reinou no período inicial foi óptima para os oportunistas, para aqueles que quiseram tirar vantagem própria da confusão que na altura se instalou e reinava, porque então tudo era possível. Não havia regras nem regulamentos, as pessoas podiam fazer à vontade aquilo que queriam.

Ao mostrar todo esse caos, Vodka não pretende igualmente procurar, digamos, a alma russa?

Uma procura difícil, porque a alma russa, na momento em que este livro se passa, chegou a parecer perdida. Sobretudo no terreno em que a minha história se desenrola, onde actuavam as mafias, os gangsters. E onde ainda inseri o relacionamento conturbado de uma mulher americana com um homem russo, entre muitas outras pessoas.

Pessoas que viviam no terreno do crime?

Que viviam em gulags, criminosos. Aliás, na antiga União Soviética, que se auto-intitulava «o paraíso dos trabalhadores», oficialmente não havia criminosos, era proibido, digamos assim. E quando se deu a queda do comunismo eles apareceram, e disseram não a tudo o que julgavam vir dos tempos soviéticos. Ou seja não ao socialismo, não à família, não à casa, não até ao vermelho.

Apesar de tudo isso, não acabou por se apaixonar pela Rússia?

Completamente! A Rússia é um país apaixonante, um país de extremos, ao mesmo tempo feliz e triste, introvertido e expansivo, muito frio e muito quente. Não escondo que amo a Rússia, apesar dos seus defeitos, ou amo-a talvez até por causa eles... Mas eu só sou capaz de amar aquilo que não é perfeito.

Vodka não é um romance de conflitos e de contradições?

É, mas a Rússia é um lugar de conflitos e de contradições! E, por seu lado, as contradições são extremamente interessantes e apelativas para quem escreve, pois habitualmente as contradições levam à dualidade, levam ao conflito. Creio que a conflitualidade pode ser considerado o coração da literatura.

A vodka é a metáfora de quê?

É a metáfora do excesso, mas também, de certo modo, de uma certa igualdade... porque na Rússia todos os homens bebem igualmente vodka, do Presidente ao operário. Já as mulheres bebem menos, até porque, para além do trabalho, elas têm que cuidar da casa, da família.

Está a falar de um país extremamente masculino?

Sim, estou a falar de um país inequivocamente masculino. Na Rússia são os homens que fazem a política, que detêm o poder económico, que estão no mundo dos negócios. No entanto, no sentido mais profundo, creio que a Rússia é a pátria feminina por excelência, a tão falada Mãe Rússia!

Mas os seus livros não são, também eles, muito masculinos?

São, porque têm como centro o crime, e a maioria dos crimes são sobretudo praticados por homens. Que eu saiba não há mulheres serial killers...

Messias não é o seu romance mais apaixonante?

Messias é o meu primeiro livro, escrevi-o mais com o coração do que com a razão. Por isso, também, escrevi-o mais apaixonadamente do que qualquer dos outros três, daí a sua intensidade, o seu fulgor.

Foi ele que o tornou um autor conhecido em Inglaterra...

É verdade que sim, mas quando o escrevi estava longe de saber isso. Eu nem sequer tinha a certeza de encontrar um editor interessado em publicá-lo...

Mas acabou por ser um best-seller, adaptado para uma série televisiva.

Depois de se ter tornado num best-seller fui realmente contactado pela BBC para o adaptar para a televisão e aceitei. Escrevi mesmo a primeira série, mas para a segunda e para a terceira preferi vender os direitos e afastar-me.

E está satisfeito com essas adaptações à televisão?

Estou satisfeito com a primeira e com a segunda série, sim. Quanto à terceira não a vi ainda, pois quando foi exibida em Inglaterra eu estava na Itália.

O seu segundo romance, Tempestade, é a continuação de Messias?

Sim, e muito dentro da mesma linha. Talvez por isso eu quis escrever Vodka, algo completamente diferente do que escrevera até então. Como se eu fosse dois escritores diferentes.

Quer dizer que tem dois escritores dentro de si?

Dois, três ou quatro, espero! Porque tenho muitas histórias, muitos livros que quero fazer. Neste momento estou a escrever uma história que se passa no ano de 1952, em Londres, quando um nevoeiro que durou quatro dias, matou cerca de quatro mil pessoas. Para trás fica Vodka, fica Messias...

Messias é um romance por onde perpassa o misticismo?

O misticismo interessa-me bastante, apesar de não me considerar de modo algum um místico. Em Messias, ao longo da sua trama narrativa, o misticismo perpassa como uma espécie de desafío... Mas a abordagem de algo difícil de explicar sempre foi salutar para o escritor.

Encontra alguma ligação entre Messias e O Código da Vinci?

Não muito. Creio que Messias é um livro mais violento e mais mórbido, tem mais sangue do que O Código Da Vinci. Eu sou um escritor bem mais «negro» do que Dan Brown.

Considera-se um autor do romances «negros»?

Não como os escritores dos thrillers americanos dos anos 50, como Raymond Chandler ou Dashiell Hammett.... Mas, de uma maneira diferente, há muito negrume nos meus livros. São romances de sombra, são romances nocturnos.

Em Messias fala-se mais da morte ou da violência?

Fala-se mais da violência. Que por seu lado vai desembocar na morte. Mas andam ambas juntas, acompanhadas por uma certa tristeza do protagonista.

Mais tristeza ou mais melancolia?

Mais tristeza, penso... Ele é um homem honesto, um homem recto, que pretende perceber a culpa que o está a minar, um homem que tenta corrigir-se e corrigir o mundo que o cerca. Portanto, é um ser que vive no negrume e que busca o lado da luz. Mas Messias não é Bridget Jones...

Para um escritor inglês é diferente escrever depois da Guerra do Iraque?

É diferente, sem dúvida... Foi uma guerra que nos atingiu a todos, uma guerra a que fomos muito sensíveis. Em Inglaterra muita gente continua a ser contra a Guerra do Iraque, o que me leva a crer que irão aparecer reflexos disso nas obras de alguns dos nossos escritores, tal como já está a suceder com os americanos e o ll de Setembro. A partir daqui é mais difícil discernir entre a realidade e a ficção, pois tudo é possível o que dantes era do reino de Hollywood ou ficção científica, passou a fazer parte dos nossos dias. Talvez por isso os leitores procurem hoje nos livros o lado do apaziguamento, do misticismo, da paz...

Acha que procuram algo que apazigue e salve?

Procuram a literatura como uma evasão, e isso chega-lhes. Desejam encontrar nos livros uma nova visão que os faça voltar a sonhar, a esquecer a dureza da vida. Os escritores, por seu lado, também não reinventam a vida quando escrevem?

Escrever para si é um prazer, uma pulsão irresistível, ou um modo de vida?

Escrevo pelas três coisas primeiro por prazer, por pulsão irresistível, e depois também para ganhar a vida. E como o meu trabalho é escrever, se não escrever não como.

Isso não o pode pressionar?

Algumas vezes, mas na realidade gosto muito de escrever, portanto não me queixo, antes pelo contrário. Para mim, escrever é mais prazer do que responsabilidade. Escrever salva-me.

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