Jair Bolsonaro está a ruir na consideração do bolsonarismo: em primeiro lugar, por ter fugido para uma mansão dos Estados Unidos enquanto os seus apoiantes continuavam a fazer figuras tristes nos quartéis; e, em segundo, por ter gasto mais energia a tentar colocar joias sauditas milionárias oferecidas ao estado brasileiro no próprio bolso do que a fingir que governava..Como, em paralelo, está a um passo de se tornar inelegível em 2026 por ter chamado embaixadores ao Planalto às vésperas das eleições para lançar suspeitas sem provas do voto eletrónico, o mesmo sistema pelo qual se elegeu ao longo de 30 anos, e, dessa forma, ter humilhado, desta vez voluntariamente, o Brasil aos olhos do mundo, o dito bolsonarismo já olha para o lado à procura de um Bolsonaro postiço..Fala-se em Michelle, para manter vivo o apelido, mas a experiência política da ex-primeira-dama é zero. Fala-se em generais, para manter vivo o fetiche de parte do eleitorado com homens fardados, mas a imagem das forças armadas, ávidas consumidoras de viagra e de próteses penianas, por ter sido exposta como jamais fora nos últimos quatro anos, caiu a pique. E fala-se no ex-ministro bolsonarista Tarcísio Freitas, o recém-eleito governador de São Paulo que, no entanto, deve tentar, em 2026, a reeleição no estado mais rico do país..Sobra Romeu Zema, governador bem avaliado de Minas Gerais, o segundo estado mais rico do país, que em 2026 conclui o seu segundo e último mandato e por isso estaria disposto a concorrer à presidência..Conspira a seu favor não pertencer a nenhum partido velho: é do Novo, uma espécie de Iniciativa Liberal tropical mas fundado seis anos antes, que defende estado mínimo num país em que 33 milhões passam fome e 100 milhões vivem sem tratamento de esgoto, cujos militantes são aqueles grandes tubarões da iniciativa privada que à primeira semana de confinamento pós-covid já pediam subsídios estatais..Zema, dizem, é um Bolsonaro que sabe comer com talheres, isto é, que não diz um terço das barbaridades, embora tenha ficado célebre a live na televisão em que, perguntado se ouvia o som do estúdio, respondeu "ovo, ovo", o que lhe valeu a alcunha de Romeu Gema..Entretanto, argumentam os zemistas, enquanto Bolsonaro se dedicava ao desvio de joias, o governador de Minas Gerais, abdicava do salário no primeiro mandato em nome de uma gestão mais enxuta, conforme os princípios ultraliberais do Novo..Esse argumento, porém, tem de ser trabalhado até 2026: afinal, Zema, o empreendedor inflexível, o maníaco do privado, acabou de enviar projeto de lei para a assembleia mineira a pedir um reajuste salarial para si mesmo de 258%.."A proposta visa uma recomposição das perdas decorrentes da inflação acumulada no período", diz o texto do projeto. O próprio Zema argumentou nas redes sociais que a medida pretende "atrair e manter os mais competentes quadros técnicos"..Isto foi agora, abril de 2023. Em abril de 2022, entretanto, o governador recorreu ao Supremo para bloquear aumento de 14% dos funcionários públicos da segurança pública e da saúde e 33% da educação, sem se preocupar com "a recomposição das perdas decorrentes da inflação" e marimbando-se para "atrair e manter os mais competentes quadros técnicos"..Portanto, a máxima do governador (e eventual candidato a presidente) é "para ele, a gema, a clara e tudo a que tiver direito". Para os comuns mortais, a casca..Jornalista, correspondente em São Paulo