"Voltarei a ter vida pessoal e dedicar-me ao meu roqueiro!"

Há 52 candidatos a fazer a sua última campanha. O DN acompanhou três desses autarcas no seu último combate eleitoral
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A impecavelmente penteada, a cabeleira loira de Maria das Dores Meira nunca passa despercebida na rua. Bem maquilhada, tem classe, elegância e um sorriso franco. Todos a conhecem e ela conhece quase todos na cidade de Setúbal que a elegeu presidente da câmara, pela primeira vez em 2009. Ganhou sempre com maioria. O segredo? "Ouvir as pessoas, ajudar mesmo a resolver os seus problemas e nunca, mas nunca mentir. A mentira tem perna curta e mais tarde ou mais cedo somos apanhados", responde, sorridente, enquanto distribui os panfletos da campanha.

É militante do PCP desde 1976 e advogada especialista em registos de marcas e patentes industriais. Quando entrou na política tinha cinco escritórios montados, sempre viveu desafogadamente e chegou a ouvir de camaradas seus alguns comentários pouco agradáveis quando usava o seu casaco de peles ou aparecia com um carro último modelo.

Quarta-feira lá estamos, junto à praça de Portugal, na freguesia de S.Sebastião, a maior do concelho, para um contacto porta-a-porta com moradores. No megafone do carro de apoio a Carvalhesa é intercalada com o hino da campanha cantado por Toy, o cantor setubalense que apoia a candidata há vários anos. "O primeiro hino que nos fez era a dizer que Setúbal ia mudar, que ia ficar diferente, este agora já diz que Setúbal já está diferente" explica o presidente da junta e candidato, Nuno Costa.

Nas próximas três horas vai cumprimentar e falar com dezenas de pessoas, ouvir problemas e até resolver alguns. Mostra a sua face de combatente política feroz quando diz não levar "desaforos para casa" ao responder a uma mãe que se queixava dos horários da escola do filho: "Lembre-se é que o presidente desse agrupamento é da lista do PS", exclamou. Pelo caminho, conversamos sobre a presença de uma já grande comunidade de franceses (cerca de um milhar). A tendência é logo confirmada por Rafael Santos, funcionário de uma imobiliária que recebe a visita da Presidente. "Oui, oui, je parle le français comme le portugais", anuncia, em bom sotaque, fazendo rir a comitiva.

A candidata-presidente entra depois no café ao lado e é recebida com abraço apertado de Ana Sena, uma professora. "É um abraço de grande amizade por tudo o que tem feito pela nossa cidade. Não voto nos partidos, voto nas pessoas e ela sabe ouvir a população, está sempre atenta. É uma pessoa extraordinária", justifica.

Maria das Dores Meira garante que se entregou "de corpo, alma e coração às pessoas desta cidade" e confidencia-nos que "a vida pessoal acabou" desde que assumiu o cargo. Pena de deixar de ser presidente daqui a quatro anos, caso seja eleita? "Ainda vou fazer muitas coisas no próximo mandato e sinto uma grande confiança por tudo o que fiz até agora", declara. Mas acrescenta: "mas quero recuperar a minha atividade profissional, voltar a ter vida pessoal e mais que tudo, dedicar-me ao meu roqueiro!". O "roqueiro" é António Manuel Ribeiro, o vocalista da histórica banda UHF, a sua paixão.

Ferreira do Zêzere: voto a voto...

Pelas nove da manhã, lá está Jacinto Lopes e a sua comitiva, no centro da pequena povoação de Areias, a maior do concelho de Ferreira do Zêzere, com cerca de 1500 eleitores. O presidente, 49 anos, recandidato ao terceiro e último mandato está na sua terra natal. Conhece ruas, estradinhas, caminhos e a maior parte das pessoas pelo nome. Mas nas próximas horas deste porta-a-porta de campanha, vai bater a muitas portas e ficar sem resposta e ter que deixar os seus panfletos e canetas cor-de-laranja nas caixas do correio. Os pequenos lugares desta freguesia são quase aldeias fantasma, devido "a alguma emigração e ao facto de muitas casas serem segunda habitação", como explica Jacinto Lopes. Os que resistem são os mais velhos, que conhecem o presidente desde miúdo. Com o carro de campanha a tocar "Agora não me tocas" do angolano Anselmo Ralph, chegamos a Matos Barbatos. Há sacos de pão pendurados em algumas portas, sinal que os moradores ainda não acordaram, apesar do ruído metálico da música gritada do megafone. "Este barulho todo tem dois objectivos", justifica o presidente a sorrir, "quem ouve e não está para nos aturar, fecha-se em casa, quem quer, vem ao nosso encontro".

É o caso de Ana Lúcia Candoso, que cumprimenta efusivamente Jacinto Lopes. "Conheço este pessoal todo. Têm trabalhado muito bem sim senhor", afirma. O percurso vai-se fazendo de carro e a pé. O entra e sai dos automóveis dura toda a manhã. No grupo de apoiantes Dina Gomes vai anotando num caderno todas as queixas dos moradores. Desde o caminho "cheio de mato e silvas" cuja limpeza é reclamada pela D. Ilda, até à lomba na estrada junto a sua casa, que a família Marques pede.

O envelhecimento da população é notório. "Se não morrer até lá, voto em si, sim senhor", promete, em voz estremecida, Américo Duarte. "Há coisas na minha vida que nunca mudaram: o Benfica, ser católico e do PSD", sublinha. "Se as minhas pernas deixarem vou lá votar sim", promete hesitante Donzília, de 83 anos, com o corpo dobrado sobre uma vassoura e uma canadiana.

Jacinto Lopes sabe que é importante fazer este contacto, porta-a-porta, pois quando se ganha umas eleições por 286 votos (num total de 2500) cada "cruzinha na setinha" é muito valiosa. Está "tranquilo" em relação ao seu último mandato e pensa depois regressar à gestão de empresas e atividade de seguros, nas quais sempre trabalhou. Voltará à política? "Claro que um político nunca diz nunca", afiança, confiante.

Uma presidente "por acaso"

Na política há quem se ponha em bicos de pés e sonhe em ter um cargo importante. Com Maria do Céu Albuquerque "foi mesmo por acaso", confessa-nos à mesa do café em Alvega, uma vila do concelho de Abrantes onde na tarde desta quinta-feira esteve a fazer campanha.

Bioquímica de formação, nunca tinha tido qualquer atividade política, mas em 2005 o seu antigo professor de filosofia, então presidente do município, Nelson Carvalho, desafiou-a para integrar as listas do PS. "Só aceitei porque me garantiu que não era um lugar elegível", recorda. Só que um dos vereadores saiu e Maria do Céu ocupou o seu lugar, começando a ser conhecida pela sua energia e iniciativa.

O PS convidou-a para ser cabeça de lista em 2009, ganhou com maioria e depois reforçou-a em 2013. Em Alvega é conhecida de todos, mas há quem lamente que não se faça mais pela terra, outrora de grande dinamismo. António de Matos Filipe, antigo chefe dos correios, sentado numa cadeira na praça do coreto, suspira e, rodando o cajado à volta do largo, aponta: "Dantes ali era o consultório, além o registo civil, do outro lado a farmácia, havia cabos da Guarda... agora não há nada, foi tudo embora".

Maria do Céu conhece a realidade e um dos projetos que tem para o próximo mandado é, precisamente, tentar mudá-la, conseguindo "um conjunto de investimentos" que ajudem a fixar a população, principalmente os mais jovens. Percorre as ruas energicamente, de ténis, calças justas e uma camisa larga branca confortável. Esta última campanha não a deixa apreensiva e garante que "mesmo que não fosse obrigatório, no fim dos 12 anos é hora de sair". Estes cargos, salienta, "não são para a vida". Mas deixa o suspense sobre se é um "ponto final" numa carreira política, notoriamente com potencial. "Não ponho pontos finais na vida. Estarei sempre disponível para servir a minha comunidade e o meu país", afirma.

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