Viva a "mamata"!
Jair Bolsonaro deixou-se fotografar a brincar ao volante de um jet-ski numa praia de Santa Catarina durante mais umas feriazinhas, as terceiras do ano, ao mesmo tempo em que enchentes na Bahia matavam 26 pessoas e desalojavam milhares.
O presidente decidiu não interromper as brincadeiras no suave mar catarinense para se deslocar de imediato ao local das inclementes chuvas baianas, o mínimo exigido a um chefe de Estado adulto, talvez porque a Bahia seja governada pelo Partido dos Trabalhadores. Não se sabe.
Entretanto, este período de descanso presidencial não está ainda contabilizado mas numa viagem semelhante no pior momento da pandemia no país, o governo gastou 2,3 milhões de reais dos contribuintes no transporte, alojamento e gastos do cartão de crédito de Bolsonaro, família, amigos e seguranças em praias do litoral paulista.
Nos intervalos das farras no jet-ski, Bolsonaro "curte" andar de moto aos fins de semana. O presidente, ao lado de manadas de motociclistas, promoveu em 2021 meia dúzia de "motociatas", como foram batizadas, num custo total de 5 milhões de reais aos cofres públicos, somados os gastos com o cartão presidencial e a segurança do evento.
Até as viagens "oficiais", como a de novembro a três países do Médio Oriente para "fortalecer laços", têm um cheirinho de férias - no mesmo dia em que no Brasil se noticiava que cada vez mais cidadãos chupam ossos de galinha das lixeiras para matar a fome, o deputado Eduardo Bolsonaro fotografava-se, de turbante, numa tenda luxuosa, qual xeque. No total, a excursão de Bolsonaro, primeira-dama, dois filhos, seis ministros e o convidado Magno Malta, pastor e vocalista da banda gospel Tempero do Mundo, custou 3,6 milhões de reais, somados aviões, hospedagem, alimentação, aluguer de carros, material de escritório e intérpretes.
Durante a campanha que o elegeu em 2018, Bolsonaro prometeu "acabar com a mamata", leia-se "tachos", "cunhas" e outras benesses do poder público.
O ataque a uma lei de financiamento a projetos artísticos era dado como o exemplo supremo do fim da tal "mamata", até porque, para este governo, cultura é andar de moto em grupo.
Outra bandeira eleitoral era o fim do "foro privilegiado", a imunidade parlamentar que blinda os políticos de problemas nos tribunais de instâncias menores. "Não quero essa porcaria do foro privilegiado!", dizia.
Logo que o primogénito Flávio, acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa num esquema milionário de desvio de salários dos assessores, se viu sob tutela de um juiz de primeira instância, imediatamente recorreu ao foro privilegiado, com a bênção paterna, para ir protelando o processo.
À filha mais nova, entretanto, foi permitido ultrapassar pela direita uma multidão de candidatos às vagas no Colégio Militar de Brasília. A pedido do pai, Laura pulou, ao contrário dos comuns brasileiros mortais e com a conivência do comando do exército, o processo seletivo.
Os ministros também deram "carona" a lobistas, pastores evangélicos e parentes em voos pagos pelo bolso dos contribuintes. Até a mãe do ministro da Casa Civil, o elo entre o governo e o Congresso, chegou a encher o depósito do seu jatinho à custa de brasileiros como aqueles que perderam as casas e a vida na Bahia ou andam em busca de almoço no lixo. Bolsonaro não acabou com a "mamata", institucionalizou-a.
Jornalista, correspondente em São Paulo