Violência em São Paulo diminui com suspeita de acordo entre Governo e PCC

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A mensagem passou entre os bandidos através de telemóvel durante a noite de segunda-feira: depois de quatro dias de revoltas, a cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital) deu ordem para cessar os atentados e rebeliões em São Paulo. Ao mesmo tempo, o governador Cláudio Lembo garantia à população que as autoridades tinham retomado o controlo das cadeias cujos presos estavam amotinados desde sexta-feira e que os reféns tinham sido libertados sãos e salvos.

Vários meios de comunicação social brasileiros garantem que o fim dos conflitos foi alcançado através de um acordo entre o PCC e o Governo brasileiro. O Governo nega.

Durante a madrugada e manhã de ontem ainda houve alguns confrontos, a polícia matou 19 suspeitos e deteve outros sete, incluindo o principal suspeito pelos ataques do PCC em São Paulo. Mas, depois do pânico de segunda-feira, a cidade acordou calma e optimista. Os autocarros voltaram a circular, os paulistas foram trabalhar.

Segundo o último balanço oficial, houve 251 ataques a alvos policiais e civis (85 a autocarros e 11 bancos). Registaram-se rebeliões em 87 prisões e foram feitas centenas de reféns, sendo que os últimos 195 foram libertados segunda-feira à noite. No final, contavam-se 133 mortos (dos quais 71 são suspeitos de envolvimento nos ataques de rua, 18 presos em rebeliões, quatro civis e os restantes pertencem às forças policiais). Houve ainda 53 feridos (16 civis) e 115 suspeitos detidos. A polícia apreendeu 113 armas.

As negociações terão decorrido na prisão de Presidente Bernardes (a 589 quilómetros de São Paulo), para onde "Marcola" e outros quatros líderes do gang foram levados provisoriamente. Aí, o líder do PCC ter-se-á encontrado com a sua advogada e com três representantes do governo. Menos de 12 horas depois foi dada a ordem para cessar a violência dentro e fora das prisões (ver caixa).

Segundo a Folha de São Paulo, o preso Orlando Mota Júnior, de 34 anos, conhecido como o "Macarrão", foi um dos principais interlocutores nas negociações. Pelo contrário, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) nega o acordo. "Não se negoceia com o bandido", afirmou o director do Deic (Departamento de Investigações Sobre Crime Organizado), Godofredo Bittencourt.

Também o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, garantiu que não fez nenhuma concessão aos bandidos. Sobre a conversa de "Marcola" com os responsáveis da prisão diz: "O diálogo em si não conheço. Nem me interesso por isso. Não gosto de saber de diálogos de bandidos." Na sua versão dos factos, as autoridades souberam antecipadamente dos planos dos presos para realizar rebeliões simultâneas em parte dos 174 presídios do estado e que as medidas preventivas adoptadas impediram problemas mais graves nas prisões.

Ontem, secretários de Segurança de todos os Estados brasileiros reuniram-se para discutir medidas que possam evitar novas crises.

Numa das primeiras reacções aos atentados, Saulo Abreu, secretário da Segurança, criticou o Código Penal e atribuiu parte da responsabilidade pela situação ao Congresso e ao governo federal, que não se empenharam em aprovar mudanças na legislação. "A lei está ultrapassada, é de 1940. São Paulo apresentou projecto de mudanças que ainda não foi analisado." Sobre o governo federal, Saulo afirmou que "apenas uma pessoa poderia mudar essa situação, mas não faz nada devido a inércia, imobilidades e, às vezes, até omissão", disse, sem citar o nome do alvo das críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outro elemento importante é o facto de, em 2005, os presídios de São Paulo terem recebido menos 37% de verba do governo federal do que em 2004.

Mas a verdade é que, do ponto de vista da opinião pública, a onda de ataques será uma das principais armas eleitorais do PT (de Lula) contra o PSDB (partido do actual governador e do candidato Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo) nas eleições presidenciais de Outubro. O facto de o presidente ter colocado as forças federais à disposição do governo de São Paulo pode ser um ponto a favor. Pelo contrário, a recusa de ajuda por parte de São Paulo foi uma decisão impopular.

Neste momento, a vantagem de Alckmin sobre Lula em São Paulo é cada vez mais reduzida. E uma coisa parece certa: quem ganha em São Paulo ganha a nível nacional. Para já, quer o presidente quer o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos afirmaram que a ideia de "exploração eleitoral" da crise paulista seria "um erro". Mas os próprios bandidos perceberam muito cedo o peso político que a sua acção poderia ter.

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