Videojogos e cinema como inspiração para a propaganda do Estado Islâmico

Terror Studios é uma viagem à evolução dos vídeos de propaganda do ISIS e à sua semelhança com filmes e videojogos, ferramenta para atrair membros ocidentais. Chega ao Odisseia na segunda-feira. Falámos com o realizador
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"Posso garantir-vos, com toda a certeza, que 90% de nós viemos para cá e nos tornámos jihadistas graças à propaganda. Os media constituem metade desta batalha", ouve-se dizer um dos elementos do autoproclamado Estado Islâmico, com o rosto quase todo tapado, no trailer para Terror Studios.

Com uma hora de duração e estreia marcada para esta segunda-feira, dia 6, no canal Odisseia, pelas 22.00, o documentário pretende não só mostrar a evolução e eficácia da máquina de comunicação do ISIS, mas também a forma como os seus vídeos institucionais se têm inspirado em Hollywood e na cultura pop para atrair futuros membros ocidentais, nesta que é descrita como "a mais poderosa máquina de propaganda desde os nazis", lê-se no trailer.

O francês Alexis Marant, que realizou este documentário com a ajuda dos testemunhos de profissionais e estudantes de cinema e de alguns próprios jihadistas, revela em entrevista ao DN que a ideia para este projeto não vem de agora: surgiu no verão de 2014. "Quando partilhava vídeos de crianças estrangeiras e trabalhadores humanitários a serem decapitados, e sendo eu um observador da propaganda jihadista e um cineasta, fiquei perplexo com a qualidade e preparação destes vídeos, mesmo sendo difícil visualizá-los pelo horror. No outono vieram mais vídeos e estes eram ainda mais sofisticados, com uso de câmaras de alta definição e equipamentos como drones. A pós-produção e os efeitos especiais também eram muito profissionais. Estava claro para mim que algo tinha mudado nos media jihadistas e que estavam a inspirar-se em filmes de Hollywood, séries e até videojogos", frisa o responsável.

O realizador, que já participou em mais de 20 documentários e que já venceu o prestigiado prémio francês Albert Londres Prize, em 2006, coloca lado a lado, em Terror Studios, cenas semelhantes entre os vídeos do Estado Islâmico e filmes como Saw e Sete Pecados Mortais, alguns reality shows norte-americanos e videojogos como Call of Duty ou Assassin"s Creed.

Alexis Marant não duvida de que estamos perante "um ponto de viragem" na forma como a propaganda extremista está a ser feita e é recebida pela população. "Não falo só dos jihadistas, mas de todos os muçulmanos extremistas e movimentos radicais que vão aprender com a propaganda do ISIS e copiar a sua estratégia, o motivo destes vídeos sofisticados, e, provavelmente, o mesmo recurso à violência", frisa o francês.

Terror Studios conta como é a central de comunicação do ISIS, que alimenta 47 títulos diferentes (entre rádio, televisão, imprensa e internet), bem como o elevado orçamento com que ali se trabalha. "No que toca às finanças, podíamos pedir tudo. Não há limite", diz um jihadista com a cara tapada no trailer do documentário.

O realizador revela que o documentário foi feito durante um ano e meio, com uma equipa fixa de cerca de dez pessoas (quase todos técnicos), às quais se juntaram investigadores contratados pela produção em sítios como Turquia, Líbano e Iraque, entre outros. "Foi muito difícil encontrar defensores do Estado Islâmico que aceitassem falar para as câmaras, mesmo mantendo o anonimato. Mas a maior dificuldade, e essa foi a grande surpresa, foi arranjar pessoas de Hollywood, da indústria do cinema e dos videojogos, que quisessem falar sobre a propaganda do Estado Islâmico e a sua responsabilidade na evolução desta", confessa Marant ao DN.

Uma vez que o documentário já se estreou em alguns países, o realizador adianta que o feedback que tem recebido do público tem sido praticamente unânime. "Poucas pessoas têm noção do poder da propaganda do ISIS e da extensão de dinheiro que é investida neste sistema. Acho que as pessoas aprenderam alguma coisa com o documentário e pareceram ter ficado impressionadas com o poder desta máquina", revela Marant.

Sobre a reação do próprio Estado Islâmico ao resultado final deste Terror Studios, o responsável não se alonga, mas aproveita para contar um exemplo. "Um casal de franceses jihadistas viram-no na Síria, nem sei como conseguiram vê-lo, mas sei que ficaram muito chateados pelo projeto e pelo facto de terem sido referidos nele. Mas ao mesmo tempo, disseram que o documentário estava muito completo e era objetivo sobre a realidade da propaganda do ISIS", refere.

O francês revela que a ligação emocional aos ataques terroristas no seu país têm impedido a França de perceber realmente o que é o Estado Islâmico e como o combater eficazmente. "Há que ir à raiz do problema. E é por isso que não o conseguimos fazer, por todos os sentimentos que nos trouxeram todos os ataques e por todas as pessoas que morreram", remata.

Semana dedicada ao terrorismo

A emissão de Terror Studios esta segunda-feira, de resto, é o pontapé de saída para uma semana dedicada ao terrorismo e suas consequências no canal Odisseia. Na terça-feira, pelas 22.00, a estação transmite o documentário Captagon, o Breaking Bad dos Jihadistas, sobre o consumo e tráfico desta droga no Estado Islâmico. Na quarta-feira, à mesma hora, chega Síria: As Legiões da Guerra Santa, protagonizado por um grupo de jornalistas no seio de algumas das fações jihadistas mais sanguinárias daquele país. Já a estrutura económica do Estado Islâmico é analisada quinta-feira, no documentário O Financiamento do Daesh e um dia depois, na sexta-feira, serão recordados os atentados terroristas que decorreram na capital francesa, em Os Ataques de Paris, com uso de reconstituições, imagens reais e testemunhos de sobreviventes.

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