Vencer a noite mais longa

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A Europa, e nós com ela, vive os dias com menos luz em todo o ano. O céu está de chumbo, pardacento, e chegou o frio. Em tempos de guerra dominam as trevas. E vai pior, bem pior para os que em solo ucraniano já enfrentam o inverno, sem eletricidade. Dirão alguns que o mal dos outros aleija menos, mas são cada vez mais os europeus a quem a depressão, a ansiedade e o pessimismo corrói por dentro. Sete em cada 100 europeus sofre de depressão crónica, revela um estudo auditado por vários organismos da União e da OCDE, que associa o aumento dos transtornos mentais ao impacto da pandemia e, agora mais, aos efeitos colaterais da guerra, ao aumento do custo de vida e à diminuição do poder de compra.

Por cá, vamos no mesmo barco e bem na proa: A tabela de doenças mentais por cada país mostra que 131 em cada mil portugueses são medicados contra a depressão, enquanto uma das últimas sondagens revela que um em cada três de nós acha que o próximo ano vai ser pior que este 2022 que não merece deixar saudade. Com apenas 250 psicólogos disponíveis para a totalidade dos nossos centros de saúde, a capacidade de resposta do SNS tem vindo a aumentar e já permitiu este ano cerca de 600 mil consultas na área da psiquiatria, enquanto outras tantas aguardam na cadeira dos tempos de espera. Os problemas mentais atingem sobretudo os mais frágeis, mas não são exclusivos dos mais pobres. Abundam, aliás, os casos de jovens sem privações materiais e, no entanto, deprimidos por curtos-circuitos relacionais, falta de autoestima e vergados ao peso quantificador de likes e seguidores nas redes sociaIs; ou ainda os casos de dirigentes de topo com ansiedade, que se prolonga nos cargos porque não resistem aos apetites do ego e à gula da conta bancária, procurando nas pastilhas de lexotan a ilusão de dias felizes.

Bem vistas as coisas, porém, já tivemos dias piores e, em muitos aspetos nunca vivemos melhor. Mas a mesma legítima expectativa de um certo tipo de vida cria grandes frustrações nos que a não têm; e entre os que a têm, são frequentes os tropeções no caminho das oportunidades de projeção pessoal e profissional que este tempo oferece mais do que qualquer outro. A boa notícia é que, sendo amanhã a noite mais longa do ano (solstício de inverno no hemisfério norte, dia 21, às 21h47), os dias começarão a alongar-se para mais uma etapa à volta do sol, razão pela qual os romanos da antiguidade festejavam esta passagem, simbolizando a vitória da luz sobre as trevas e celebrando esse tempo fértil e maravilhoso sem distinções sociais. Desobrigavam então os escravos, suspendiam as atividades, interrompiam as campanhas militares e gozavam uma semana livre e feliz, entre banquetes e orgias.

Sim, há um mito natalício no coração de cada um de nós, e sonhamo-lo sempre com os que amamos. O Natal dos cristãos só chegou depois, mas seja qual for o nosso credo, há de ser difícil não simpatizarmos com a ideia do presépio ou não nos deixarmos enternecer com o quadro despojado do menino pobre, nascido em família humilde, num canto perdido do mundo. Pode esse mundo mitificado não estar ao alcance das nossas vidas e até não ser verdade, como o não é o Pai Natal que inventámos para os nossos filhos. Mas celebrar o presépio merece que, ao menos por um dia, soltemos o menino que trazemos sequestrado dentro de nós. E que, mesmo atrasados, ainda lhe roguemos um pouco de inocência. Vamos bem a tempo. Haja luz! Boas Festas!

Jornalista

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