O dedo indicador em riste apontado sobre o ponto mais alto da cidade e a vaidade no rosto do taxista que nos guia fazem-nos a apresentação da universidade mais antiga do país, a de Coimbra, mal chegámos à cidade. "Um monumento, é o que é." Uma instituição que soma já "mais de 700 anos", lembra. Exatamente 730, celebrados no mês de março. E quantas invenções germinadas nos laboratórios e nas salas desta universidade não caberão nestas centenas de anos? O número é incerto, roça ali os milhares, diz o reitor Amílcar Falcão. Certo é que cerca de 50% delas foram registadas como patentes e já estão presentes em mais de meia centena de países..Em 2019, a Universidade de Coimbra (UC) foi a instituição portuguesa que mais pedidos de patentes registou, competindo com empresas e outros estabelecimentos de ensino superior. No total, 21. Mas o destino já começou a ser escrito há dezenas de anos: não por acaso, foi aqui que nasceu o primeiro computador português, o ENER 1000, pelas mãos de uma equipa de alunos, entre os quais o antigo reitor João Gabriel Silva. O segredo, diz o atual reitor, está no espírito inventivo que se fomentou naquela que é, afinal, "uma universidade vanguardista"..Uma escola à frente do seu tempo.Mas não é assim que João Gabriel Silva se recorda do seu primeiro encontro com a universidade, em 1983, quando entrou como aluno de doutoramento na área das Ciências Farmacêuticas. A Universidade de Coimbra "era como as outras", uma instituição "clássica", que "não nos virava para a modernidade". Ainda assim, não demoraria muito até que a mudança se fizesse sentir. Aconteceu "ali nos anos 1990", quando se regista um desenvolvimento nas áreas das Ciências e nas Engenharias, "do ponto de vista daquilo que é o impacto nacional e internacional na investigação". "Tínhamos já bastantes projetos europeus, para aquilo que era o panorama nacional", lembra. Foi aqui que "surgiu a necessidade de criar uma incubadora de empresas", o célebre Instituto Pedro Nunes - Associação para a Inovação e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, em 1991..Ter ao dispor aquela que é considerada uma das melhores incubadoras do mundo permitiu dar um "salto quântico" na área de transferência de conhecimento da instituição, mas não bastava para dar fôlego às suas capacidades e ambições. "Era preciso ter profissionais da área do empreendedorismo a ajudar aqueles que só sabem pensar em linguagem científica", conta Amílcar Falcão. Esta sinergia chegaria finalmente já no virar do milénio, em 2003, quando a universidade cria a Divisão de Inovação e Transferências do Saber (DITS), atualmente designada DITS UC Business. Tendo como objetivo dinamizar e apoiar projetos e parcerias entre a universidade e o mundo exterior, o DITS chegou para juntar empreendedores com cientistas, de forma a estimular um "processo que pode ser bastante exigente para quem está habituado à linguagem científica"..Os resultados não deixam mentir: desde a criação da DITS, a UC registou "cerca de meio milhar de patentes", uma linha em sentido ascendente, e, de todos os anos, o de 2019 foi "o mais produtivo", o que só prova que "uma universidade antiga não é uma universidade velha", remata o reitor..Saúde e tecnologia campeãs.É nas áreas da saúde e da tecnologia que mais pedidos de patentes estão registados a partir de Coimbra, sendo as ciências da vida as campeãs da lista. A razão é simples, diz Amílcar Falcão: "É nessas que temos melhor investigação e mais ligação com as empresas.".A estreia de Marcos Mariz, 47 anos, foi em 2017, quando registou como patente uma tecnologia à qual vinha a dedicar-se desde o seu doutoramento. Antes da arte de exercer num laboratório, a cidade. Marcos é "aquilo que os americanos chamam de town", conta. Nascido em Coimbra, foi também nesta cidade que concretizou todos os graus escolares e académicos - apenas com um interregno de meses, durante o mestrado, concluídos no estrangeiro. Contudo, o que Marcos criou nos laboratórios desta universidade extravasa as linhas geográficas do local onde cresceu, "é global"..O investigador é o atual responsável pela InEye, uma empresa que criou e que acolhe um sistema que também ele próprio produziu a partir das bancadas brancas, onde jazem tubos de ensaio, buretas e almofarizes, e que tem como objetivo melhorar a vida de pessoas com doenças crónicas como glaucoma (designação médica utilizada para referenciar um grupo de doenças provenientes da lesão no nervo ótico e uma das maiores causas de cegueira a nível mundial). A tecnologia, na pele de uma pequena pérola branca que se insere no interior da pálpebra inferior, permite a administração ocular de vários fármacos em simultâneo de forma controlada e prolongada, competindo com as gotas oftálmicas.."Estamos a falar de um sistema que permite aumentar a adesão do tratamento de, por exemplo, doentes de glaucoma, que têm de colocar gotas duas vezes por dia, mas às vezes esquecem-se, às vezes não têm mesmo paciência", começa por explicar. E "porque é uma doença que não causa dor e não apresenta sintomas", "mais facilmente se sentem desmotivados para o tratamento". A tecnologia desenvolvida permite que este deixe de ser um processo repetido para ser um processo de uma ação só. Além disso, permite uma maior eficácia, diz Marcos Mariz. "Uma questão de que as pessoas muitas vezes não se lembram é que a quantidade de fármaco que fica a atuar no olho é inferior a 25%. Os outros 75% são distribuídos pelo organismo. Como o InEye advém de um sistema sólido que se coloca no olho e liberta gradualmente o fármaco, toda a quantidade que fica no olho é muito superior", esclarece..Os próximos passos desta equipa de investigadores passam por "desenvolver o mais possível esta tecnologia, até aos ensaios clínicos, para depois a indústria farmacêutica desenvolver as restantes fases, com base no licenciamento". Também Francisco Duarte, 35 anos, tem o seu projeto de investigação a um passo de se tornar real no mercado. Ao contrário de Marcos, só na fase de doutoramento é que o licenciado em Eletromecânica mudou a morada académica para Coimbra, antes formado pela Universidade da Beira Interior. Foi na quarta cidade mais populosa do país que encontrou também morada para dar fôlego ao desenvolvimento de uma tecnologia rodoviária, da qual fez o primeiro pedido de patente nacional em 2017 e o internacional um ano depois..Começou como uma tentativa de criar um sistema gerador de energia a partir do movimento. "Depois, percebi que havia um potencial ainda maior se fôssemos para a estrada, porque esta energia depende do peso e os carros são muito mais pesados do que as pessoas", conta o investigador. Após o período de pesquisa, "aquilo que resultou foi uma solução para aplicar em pavimentos rodoviários que transforma a energia dos veículos em energia elétrica"..No entanto, Francisco percebeu cedo que as potencialidades iam além do quadro que pintava: a mesma tecnologia poderia servir a segurança rodoviária, "porque ao retirar energia aos veículos, aquilo que acaba por fazer é reduzir também a velocidade da circulação, sem o condutor precisar de acelerar". Junto das passadeiras, onde é necessário que os veículos desacelerem, "isto é especialmente relevante", acrescenta. Por isso, esta acabou por se transformar na principal característica da tecnologia Pavnext. Atualmente, a empresa está a cerca de três meses de apresentar o produto final para comercialização e conta já com patentes em 19 países além de Portugal, entre eles os EUA, a Rússia, a China e o Japão..Mas é da área da saúde a grande parte dos pedidos de patentes feitos a partir da instituição, o que tem uma explicação, segundo o reitor: tecnologia e saúde, as duas áreas prediletas, por exemplo, não congregam o mesmo valor. "Se estamos a falar da área das TIC, o valor da patente é sempre mais baixo, porque o ciclo de vida é mais curto. Uma tecnologia como o telemóvel, por exemplo, rapidamente fica obsoleta. É um valor de mercado com quatro anos de horizonte, não mais do que isso", começa por esclarecer. Por outro lado, continua, "o ciclo de vida de um medicamento é muito mais longo, de 30 anos". Por isso, o valor de mercado é maior, embora o retorno comece a ser visto mais tarde. "Enquanto eu tenho de ser muito rápido a meter uma patente numa empresa ou a criar essa empresa na área do software, para não ficar obsoleta, já na área farmacêutica, desde que patenteio um medicamento até que esteja disponível no mercado, se calhar passam-se oito anos.".Todas as invenções criadas nos corredores desta universidade "são sujeitas a muito escrutínio" antes sequer de se poderem tornar pedidos de uma patente. "Há muitas propostas que nós excluímos", confessa Amílcar Falcão. Acontece principalmente quando "há suspeita de que nenhuma empresa vai pegar na ideia". "Se uma pessoa tem uma patente e não consegue fazer nada com ela, o dinheiro que gastamos numa patente não terá retorno, será só por capricho. Aquela que nós deixamos avançar são aquelas que, a priori, achamos que vão ter sucesso." Depois, do pedido oficial à concessão podem passar-se dois anos ou mais..Para que serve uma patente.João Nuno Moreira passou em todos os testes e é agora também ele dono de uma patente. Recorda o ano de 2008, aquele em que registou o primeiro pedido - validado apenas "três ou quatro anos depois". Lembra principalmente os anos anteriores, nos quais partiu de uma perceção social e científica para uma investigação que espera que ajude a salvar vidas: "25% da população mundial vai morrer de cancro e isso, em si, já é preocupante. Portanto, requer que a sociedade faça alguma coisa.".Mas o que existe não basta e essa é a motivação do formado em Ciências Farmacêuticas. "Existe um grande problema: nalgumas situações, para alguns tipos de cancro, a única terapia de primeira linha disponível é muito tóxica e pouco eficaz", diz. Dá como exemplo o mesotelioma, "raro e que decorre da exposição ao amianto, um tema muito debatido atualmente", ou também o cancro da mama triplo negativo. O que João Nuno e a equipa que coordena resolveram fazer é testar uma nova estratégia terapêutica, através de uma plataforma nanotecnológica que explora a expressão de uma proteína (a nucleolina), denominador comum para os diferentes tumores sólidos. Através deste processo, a proteína é atingida por fármacos antitumorais, conduzidos por uma nanopartícula, cujo objetivo é reduzir o impacto e a reincidência do tumor..Ir do achado à patente nunca foi um percurso questionado pelo investigador, ciente da importância de "proteger o conhecimento que queremos transferir para a sociedade". A experiência como aluno de doutoramento no Canadá, através da UC, em Biologia Solar, fomentou esta consciência: "Lá, estas práticas já estavam instaladas há muito tempo." Contaminou-o "no bom sentido" e, no regresso, encontrou em Coimbra "uma boa casa para o disseminar". Na sua perspetiva, importa ter "a capacidade para proteger conhecimento, para que um dia, possa ser explorado de forma exclusiva e comercialmente", porque "se não puder ser explorado de forma exclusiva, ninguém vai querer explorá-lo"..O registo "pode ter custos, mas também tem valor acrescentado", sublinha o investigador Marcos Mariz. "Quando vamos à procura de investimento e de indústrias, podemos dizer que temos uma patente internacional. Há, no fundo, uma proteção comercial para que as indústrias interessadas", remata..Mas há milhares de outros cientistas que partilham a mesma opinião. Não por acaso, o número de registo de patentes de residentes em Portugal tem sido uma linha em ascensão quase desde o início deste milénio. Entre 2005 e 2018, de acordo com os dados disponibilizados pela Pordata, "identifica-se claramente uma tendência de crescimento", o que poderá ser "consequência da mudança de paradigma do país, com maior foco em inovação e desenvolvimento (I&D), apoiado por uma maior divulgação que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial teve até cerca de 2013". Quem o diz é Rui Gomes, mandatário europeu de patentes e membro da J. Pereira da Cruz, especializada em consultoria de propriedade intelectual. Por outro lado, esta é uma linha feita de picos, mais significativa a partir de 2015, passando de 1055 registados para 724, em 2018. "Pode explicar-se por uma maior aposta na via internacional [patentes registadas internacionalmente]", uma vez que coincide com o crescimento deste tipo de registos, esclarece..Estado deveria intervir mais.Lá fora ou cá dentro, o reitor Amílcar Falcão sublinha o valor acrescentado que estas invenções projetam na economia. Em Portugal, representam "muitos milhões de euros para o aquecimento da economia". Contudo, lamenta, "continuamos [universidades] por nossa conta". Depois do investimento, "dificilmente" as instituições de ensino superior - que superam, de um modo geral, as empresas no ranking de pedidos de patentes - veem o retorno "do valor ganho que damos à economia". Quase metade segue para os investigadores, outra metade para a universidade, que o reutiliza para produzir mais investigação..É por isso que o reitor defende um papel mais interventivo do Estado nesta área. "Entendo que seria da maior utilidade que o Estado tivesse aqui uma relação mais direta com a questão das patentes", porque "deixar isto para as universidades, na minha ótica, tem dois principais problemas": em primeiro lugar, "as universidades não têm quem perceba do assunto a sério, portanto, só aquelas que têm, como a UC, é que conseguem um resultado mais expressivo; por outro lado, lançamos na economia patentes e isto deve envolver mais do que o Ministério da Ciência, também deve envolver o da Economia, por exemplo".."Não recebemos dinheiro para ter equipas na área da transferência de conhecimento e temos de fazer esse papel, que não deveria ser nosso. Nós fazemos e fazemo-lo bem, mas não é a coisa mais simples ou trivial do mundo. Pessoalmente, talvez gostasse de ver as regras um bocadinho clarificadas", admite. Além disso, na sua ótica, "não é razoável" que a instituição que mais pedidos de patentes fez não seja recompensada por estes resultados..Até lá, diz, "fazemos o nosso caminho". "Somos públicos, temos de devolver esse conhecimento. O investimento público é para multiplicar."