Único português de amarelo no Tour pedala no ramo imobiliário

Acácio da Silva. Transmontano emigrado no Luxemburgo há quase meio século liderou a Volta a França durante quatro dias, em 1989, e vestiu de rosa no Giro. Vende casas há mais de 20 anos
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Já lá vão 28 anos e Acácio da Silva continua a ser o único português a vestir a camisola amarela na Volta a França. Nascido em Montalegre, emigrou com 7 anos para o Luxemburgo, precisamente onde haveria de fazer história em 1989, porque foi nesse país que venceu a etapa do Tour que lhe deu a camisola amarela.

"Foi em casa, onde cresci para o ciclismo, na primeira etapa em linha desse ano. Estava motivado. Estávamos três ciclistas na frente à entrada para os últimos três quilómetros: eu, o dinamarquês Søren Lilholt e o francês Roland Le Clerc. Larguei-os e fui sozinho para a meta. Eles eram muito rápidos e não podia arriscar uma discussão ao sprint", recordou, em conversa com o DN. "Os emigrantes ficaram muito contentes e ainda hoje falam disso. Foi uma coisa enorme. Afinal, o Tour é a maior corrida do ano e todos os olhos estão virados para lá. Festejei com os amigos, mas não deu para muito, porque no dia seguinte havia etapa", contou o ex-ciclista, 56 anos.

Essa foi a terceira vitória do transmontano numa etapa da Volta a França, uma vez que já tinha vencido duas nos anos anteriores, mas ainda assim a que lembra com maior orgulho. Um dos pontos altos da carreira, a par do primeiro triunfo numa etapa da Volta a Itália (1985) - "ganhei ao sprint, frente a grandes sprinters!", vinca - e da consagração como campeão nacional (1986) - "sempre quis ser campeão no meu país", confessa o antigo corredor, que no Giro de 1989 vestiu a camisola rosa por duas vezes.

Nesses anos áureos, partilhou o pelotão com vários grandes ciclista. Com alguma dificuldade em formular uma shortlist, destaca nomes como o do francês Bernard Hinault, do irlandês Sean Kelly, do espanhol Miguel Indurain e dos italianos Francesco Moser e Giuseppe Saronni. Viria a terminar a carreira em 1994, precisamente o ano em que participou pela única vez na Volta a Portugal. "Tive uma queda logo no primeiro dia, num contrarrelógio em Loulé. Bati com o joelho e ainda hoje sofro com isso. Acabei por desistir alguns dias depois", afirmou, puxando a cassete atrás.

Pedala duas a três vezes por mês

A paixão pelo ciclismo continua a ser sentida por Acácio da Silva, mas nem por isso se atreve a pedalar com frequência. "Pedalo pouco. Só de vez em quando, pelos bosques, com o meu filho, que está prestes a completar 8 anos", contou o antigo atleta, emigrado no Luxemburgo há quase meio século - interrompidos por cerca de 15 anos a viver na Suíça, onde vai mostrando pedalada para os negócios, em Dudelange.

"Tenho duas agências imobiliárias. Vendo casas. De manhã, estou mais pelo escritório, mas à tarde vou para o terreno. Não gosto de estar muitas horas fechado. Entrei no ramo há mais de 20 anos, com a ajuda de um amigo entretanto falecido. Está a correr bem, com altos e baixos, mas o balanço é positivo", explicou, via chamada telefónica, num português bastante aceitável para quem vive há tantos anos fora do país de origem. "A minha mulher e os meus filhos são portugueses e vou todos os anos a Portugal uma ou duas vezes", justificou o antigo ciclista das equipas Royal--Wrangler, Eorotex-Mavic, Malvor-Bottecchia, Kas, Carrera e Festina-Lotus, assim como da portuguesa Jumbo-Maia.

Prova de BTT com o nome dele

Acácio da Silva começou a pedalar por influência dos irmãos, "dos melhores amadores do Luxemburgo", e pelo gosto pela modalidade. "Se não gostasse do ciclismo não teria chegado tão longe", diz.

Como ciclista, "era dos mais rápidos". "Era bom a fazer sprints, sobretudo quando havia alguma inclinação. Era o meu ponte forte. Subia bem em troços de poucos quilómetros. Não me destacava muito pela montanha. Tinha de fugir da montanha para ganhar", descreveu, reconhecendo o ponto fraco chamado contrarrelógio: "Não era mesmo para mim. Fiz mais maus do que bons. Não se pode ter tudo..."

E este antigo corredor não tem tudo, mas tem direito a uma prova de BTT com o seu nome, em Montalegre. "Vai realizar-se neste domingo [hoje]. Aproveito para enviar um grande abraço para os ciclistas que vão lá pedalar", atirou, bem--disposto, numa fase em que não está ligado à modalidade.

Antevê "Tour espetacular"

A edição de 2017 do Tour arrancou ontem e Acácio da Silva prevê uma prova "espetacular". "A camisola amarela vai dar muitas voltas. O grande favorito e vencedor no ano passado, o britânico Chris Froome, não parece estar em grande forma. Vai ser uma volta muito aberta e interessante. O vencedor pode ser uma surpresa, alguém novo, que ninguém esteja à espera", vaticinou, sem arriscar um palpite, mas prometendo estar perto da corrida na quarta etapa, na terça--feira, quando a prova passar pelo Luxemburgo.

Em relação às diferenças entre o ciclismo do seu tempo e o de agora, Acácio da Silva elogia os tempos modernos. "O material é mais leve e 100% adequado, é perfeito. E as épocas são mais bem programadas, pois hoje os ciclistas estão dois meses sem competir e depois aparecem a grande nível", destacou, aproveitando para desejar que o seu reinado de único ciclista português a vestir a amarela no Tour termine em breve: "Que seja o mais rápido possível e em Paris."

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