Sendo a língua portuguesa um bem constitucionalmente protegido, quer no seu papel identitário quer no que toca ao património cultural do nosso país (art.º 9.º, e) e f) e 78.º, c) e d) da Constituição), o Acordo Ortográfico (AO) virá a causar-lhe lesões profundas, afectando-a de maneira decisiva, irreversível e inaceitável em Portugal, com a consequente violação da lei fundamental, do interesse geral e dos direitos dos cidadãos..É chocante o desfasamento entre o plano científico, cujas críticas e objecções não foram atendidas com posições devidamente fundamentadas por parte das autoridades competentes, e o plano político em que foram feitas, tanto a aprovação do Protocolo Modificativo de 2004, como a aprovação e ratificação em 1991 do próprio AO. Este, aliás, decorridos 18 anos, nunca entrou em vigor por razões de inadequação, desinteresse manifesto de vários dos Estados subscritores e, entretanto, de obsolescência..Até o ilustre linguista brasileiro Evanildo Bechara, que tem tomado posição (confessadamente política) em favor do AO, acaba de afirmar, em sessão que teve lugar nos Açores em Maio do ano corrente: "Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambiguidades." .Tais vícios afectariam profundamente o português euro-afro-asiático-oceânico..De resto, nenhum AO pode entrar em vigor na ordem interna sem estar regularmente ratificado por todos os países que subscreveram o Protocolo Modificativo de 2004, sob pena de se violar o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição e de se cavar um fosso ortográfico em relação aos países que não o fizeram, contrariando de pleno os próprios objectivos de unidade ortográfica proclamados..Não é lícito a nenhuma autoridade pública praticar actos que conduzam ao absurdo em relação aos propósitos que manifestou, como o Governo fez, ao declarar na proposta de aprovação do Protocolo que enviou para a AR, a intenção de começar já a tomar medidas para que o AO entre em vigor no prazo de seis anos..O AO enferma de vícios que geram a sua patente inconstitucionalidade, questão que sobreleva à do cumprimento de quaisquer obrigações assumidas internacionalmente pelo Estado português..São necessárias medidas conducentes ao seguinte:.a) Correcção das inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades do texto actual..b) Eliminação das grafias facultativas, nele previstas ou por ele tornadas possíveis, nos domínios do H inicial (Base II), das consoantes mudas (Base IV), da acentuação (Bases VIII-XI) e das maiúsculas e minúsculas (Base XIX)..c) Reposição da questão das consoantes mudas nos precisos termos do AO de 1945..d) Explicitação de regras claras para a integração na ortografia portuguesa de palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo em que se fala português..e) Elaboração dos vocabulários ortográficos a que se refere o art.º 2.º do AO de 1990 (por instituições idóneas e com base em debate científico sustentado), e nos termos do mesmo, uma vez que são conditiones sine quibus non para a entrada em vigor de qualquer convenção desta natureza..f) Realização de estudos sobre o impacto real das 21 bases do AO de 1990 no vocabulário do português europeu tendo em conta a frequência dos vocábulos, a existência de vocabulários de especialidade e acautelando a necessidade imperiosa da normalização terminológica..g) Elaboração de estudos e pareceres sérios sobre as consequências no médio e no longo prazo da entrada em vigor do AO nos vários sectores afectados nas sociedades que seguem a norma ortográfica euro-afro-asiático-oceânica..h) Posição clara do Ministério da Educação sobre esta matéria, que afectará nas próximas décadas o ensino da língua portuguesa e de todas as outras disciplinas. .Impõe-se a revisão e renegociação do AO e portanto a imediata suspensão da sua aplicabilidade..As 50 mil assinaturas já obtidas pela petição Em Defesa da Língua Portuguesa e as muitas mais que entretanto acrescerão mostram que isto é uma inevitabilidade.