"Uma dificuldade nas nossas universidades é a falta de financiamento"

O programa Carnegie Mellon Portugal, quase a fazer 12 anos, entra numa nova fase e quer criar "cidades inovadoras" em Portugal. São 20 milhões de euros até 2023. Entrevista com Rodrigo Rodrigues, um dos dois novos diretores do programa
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Rodrigo Rodrigues e Nuno Nunes, professores do Instituto Superior Técnico, são os novos diretores, hoje anunciados, do Carnegie Mellon Portugal (CMU Portugal), cujo enfoque são as tecnologias de informação e comunicação. Criado em 2006, o programa representou até agora um financiamento de 56 milhões de euros em atividades de formação, investigação e inovação, que envolveram, além da universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, um total de 15 universidades portuguesas, 120 empresas parceiras e mais de 900 estudantes, investigadores e docentes de ambos os lados do Atlântico. Agora vem aí a terceira fase, com 20 milhões de euros até 2023, cujas ações deverão arrancar no próximo ano. Ao DN, Rodrigo Rodrigues, doutorado em engenharia informática e eletrónica no MIT, nos Estados Unidos, fala do que aí vem: das oportunidades e também das dificuldades que é necessário superar. Entre elas, o financiamento curto das universidades portuguesas e a falta de flexibilidade para contratar os melhores talentos

O programa Carnegie Mellon-Portugal vai entrar numa nova fase. O que vem aí?
A nossa ideia é tentar replicar nas cidades portuguesas o ecossistema de inovação que existe em Pittsburgh [onde está a universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos] com a criação de sinergias entre empresas, universidades e laboratórios de investigação. Em Portugal temos uma janela de oportunidade, porque há uma série de empresas muito inovadoras, nesta área das tecnologias de informação e comunicação, que estão a ganhar escala global e que apostam na inovação. Temos a oportunidade de juntar essas empresas às universidades portuguesas e, com Carnegie Mellon no terceiro vértice do triângulo, gerar um ecossistema de inovação no país. Para já vamos ter 12 empresas de inovação parceiras no programa, mas esta não é uma lista fechada. Todas as empresas com estas características, que valorizem a investigação e as sinergias com as universidades e os institutos de investigação portugueses, são bem-vindas.

Quer dar um exemplo?
Há 12 empresas já alinhadas como parceiras nesta terceira fase, que são startups criadas entre há cinco e 10 anos, algumas delas no âmbito do programa. Uma delas é a Unbabel, que trabalha em tradução. Eles criaram um algoritmo que faz tradução automática, e depois têm tradutores humanos que corrigem quando é necessário. Isto é completamente inovador a nível mundial. Envolve peritos da inteligência artificial e de processamento da linguagem natural, que foram identificados nesta colaboração CMU-Portugal com as universidades portuguesas. É uma das empresas que vai participar na terceira fase do programa.

Que balanço faz das duas primeiras fases do CMU-Portugal?
Os pilares são a formação e a investigação, e o programa tem financiado essas vertentes, entre projetos de investigação conjuntos entre Carnegie Mellon, e universidades e empresas portuguesas, estágios e licenças sabáticas para professores universitários portugueses. O programa é o único que confere graus duplos, ou seja, o aluno tem um diploma tanto da universidade de Carnegie Mellon, como da universidade portuguesa. Na segunda fase houve um enfoque na formação em empreendedorismo nos Estados Unidos e isso mostrou ser um bom investimento, porque há muitos retornos que excedem o valor investido. Surgiram, por exemplo, uma série de startups que já receberam de investimento externo dezenas de milhões de euros e que, além disso, revertem a fuga de cérebros e fixam recursos humanos muito qualificados no país.

Que verbas há para esta terceira fase?
O financiamento vem da FCT [Fundação para a Ciência e Tecnologia] e serão 20 milhões de euros para o período 2018 a 2023, mas os montantes para as diferentes iniciativas ainda não estão definidos, ainda estamos a planear isso.

Quando arrancam essas iniciativas?
Gostávamos de poder começar algumas delas já em 2019. Abrir bolsas de doutoramento, licenças sabáticas em Carnegie Mellon e os projectos de investigação no âmbito deste triângulo universidade de Carnegie Mellon, e universidades e empresas portuguesas de tecnologias de informação e comunicação. Também há projetos mais exploratórios que não têm de incluir empresas, apenas universidades, e que consideramos projetos disruptivos com grande potencial. Queremos abrir projetos numa base regular. Isso é algo que às vezes falta no nosso sistema científico: a regularidade e a previsibilidade destas iniciativas, que são mecanismos de que os investigadores precisam para fazer o seu trabalho. E as universidades também precisam de mais autonomia para contratar. As universidades competem a nível mundial para contratar os melhores talentos. Mas uma universidade pública portuguesa tem de passar por um processo que demora quase um ano. Se estamos a competir por alguém com uma universidade suíça ou alemã, que consegue produzir uma oferta de trabalho em poucas semanas, as pessoas não ficam à espera que as nossas universidades tomem essa decisão. É uma grande dificuldade com a qual estamos a começar a confrontar-nos e que vamos ter que ter em conta se queremos universidades competitivas a nível mundial. E temos de reconhecer o que as universidades portuguesas têm feito, porque nos rankings as nossas universidades estão muito bem colocadas. Na engenharia temos universidades entre as 15 melhores da Europa, na gestão, nos MBA, estamos sempre no Top 50. É quase como fazer omeletes sem ovos, porque estamos a falar de orçamentos muitos diferentes.

Na transferência conhecimentos da universidade para as empresas, quais são as dificuldades?
Tanto empresas como universidades têm ganho mais maturidade em Portugal. Temos hoje mais hipótese de fazer essa transferência e essa simbiose entre empresas e as universidades. Temos algumas dificuldades nas nossas universidades, e uma delas é a falta de financiamento. Quando comparamos os orçamentos das nossas melhores escolas de gestão ou de engenharia com os das melhores universidades da Suíça, da Inglaterra ou da Alemanha, é uma diferença abissal. Outra dificuldade é a pouca flexibilidade na gestão do seu financiamento.

Que resultados gostaria de ter dentro de cinco anos?
Daqui a cinco anos gostava de ver as nossas universidades a competir ao nível das melhores da Europa. Para isso acontecer tem de haver esta simbiose e ecossistema de inovação nas cidades portuguesas, como centros de tecnologia de nível mundial, em resultado de uma malha entre as universidades e empresas tecnológicas. Este é um desígnio fundamental, e não é fácil porque as outras universidades europeias também estão todas a tentar melhorar, e têm mais dinheiro.

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