Começou por ser uma brincadeira de amigos e transformou-se no maior fenómeno musical português dos últimos anos. O Buraka Som Sistema pegou no kuduro angolano e deu-lhe a volta, acrescentou-lhe outras coisas de música de dança e devolveu-o como "kuduro progressivo". .A fórmula resultou inesperadamente e os seus efeitos foram muito além dos sonhos mais delirantes de quem a criou. Foram Lil' John e Dj Riot, produtores ligados à música de dança, que começaram com a ideia de fazer qualquer coisa com kuduro. Kalaf fazia parte do círculo criativo, foi ele quem foi buscar Conductor e foi este que pôs Petty a cantar. Primeiro lançaram um single apenas em vinil, Yah!, e depois um EP em edição limitada. Podia ter ficado tudo por um pequeno culto, mas a bola de neve começou a crescer. O fenómeno dava os primeiros passos em Portugal quando os ingleses começaram a falar com grande entusiasmo de Buraka Som Sistema, em artigos e entrevistas de imprensa, em convites para tocar. Diplo e M.I.A., dois nomes importantes que bebem influências em coisas como o baile funk brasileiro, declararam-se fãs de Buraka e procuraram-nos, e o mesmo aconteceu com outros. Lá fora já tocaram na Suécia, Suíça, França, Sérvia, ou Inglaterra, este fim de semana rumaram à Dinamarca. Em Portugal deram o primeiro concerto no pequeno Clube Mercado, mas entretanto já fizeram noites memoráveis em sítios bem maiores, como a discoteca Lux, e fecharam a noite do segundo dia do Festival Sudoeste, um concerto que os marcou particularmente, uma vez que, o ano passado, no mesmo evento, tocaram na tenda ao mesmo tempo que os Daft Punk, e este ano tiveram honras de fecho no palco principal no dia mais concorrido do Festival..De produtores com gosto pela música mais "esquisita", passaram a ser vistos como estrategos de uma "cena". Lil' John, Riot e Conductor, a verdadeira identidade dos Buraka Som Sistema, já trabalham num novo álbum. Kalaf e Petty, os amigos que puseram a voz em cima das batidas, reclamam espaço e tempo. Petty quer estudar, Kalaf está envolvido em outros projectos. |.Rui, Riot tem 29 anos, nasceu em Lisboa e estudou na Escola secundária da Amadora, onde conheceu o João. Foi no liceu que começaram a fazer música juntos. Nada de estranho para Riot que vem de uma família de músicos, com pai baterista. De resto, Riot seguiu o exemplo paterno e afirma: "o meu instrumento foi, é e sempre será a bateria". O ritmo preciso e rápido, a batida forte, são também a sua marca enquanto produtor, o que está bem claro nas remisturas que fez para Chiklet dos Táxi, ou Poetas de Karaoke de Sam The Kid. Hoje o seu universo é o da música de dança, mas nem sempre foi assim. Das suas primeiras experiências com bandas diz: "Lembro-me de achar que só porque já acompanhava os AC/DC enquanto eles tocavam no meu leitor de CD, que já dominava a bateria e lembro de acharmos todos que íamos conquistar Portugal ao fim de alguns ensaios..." A verdade é que não foi bem isso o que aconteceu com Buraka Som Sistema, mas quase. Riot, como os outros, confessa-se surpreendido com tudo o que aconteceu, sobretudo porque Buraka Som Sistema era apenas uma pequena parte de um trabalho que se estendia por muitas outras personalidades: "É impossível prever que um dos teus inúmeros projectos acabe por dar um fruto tão grande como Buraka. Por muito que acredites na tua música, nada te garante que ela funcione em Inglaterra, no Japão, ou até mesmo em Viana do Castelo ou Faro!". Confessa que um dos momentos altos de tudo o que lhe tem acontecido foi saber que DJ Zinc, produtor de drum'n'bass que assume "venerar", gosta de Buraka Som Sistema e quer conhecer melhor kuduro. .Riot, que diz que quando era pequeno queria ser loiro, de olhos azuis e chamar-se Paulo ("mas depois cresci, olhei para mim e disse: estás mas é maluco"), decidiu ser músico aos 16 anos e estudou para isso durante dois anos no Hot Clube De Portugal, logo após terminar o liceu. Quando lhe sobra tempo, entretém-se como qualquer comum mortal: "gosto de cinema, dormir, sexo, comer, PlayStation, teatro, ver canais temáticos que falam do ciclo reprodutor da Andorinha Albina dos Pirenéus e de como se constrói uma grua em três dias e esse tipo de cenas, estragar fotos no Photoshop, jogar básquete, ficar na esplanada a falar horas a fio e ir à praia". Também nunca foi a Angola, mas é peremptório quando diz "quero ir!". |.Conductor tem 26 anos, nasceu em Cuba, cresceu em Angola, voltou a Cuba para terminar o liceu e em 1998 veio para Portugal para estudar Engenharia Informática, um curso que pode ser muito útil quando se é produtor de música electrónica, mas que não escolheu com essa intenção. A sua primeira ligação à música foi pela guitarra, que descobriu na segunda ida a Cuba. Depois, já em Portugal, quando morava na Colina do Sol, Amadora, começou a brincar aos Mc's com o pessoal que se reunia no Parque Central. Na altura chamava-se Kubano e estava longe de levar a música a sério. Aliás, diz que ainda não leva: "nunca sonhei estar em cima de um palco com uma guitarra quando era pequeno". Nada disso o tem impedido de fazer música, claro. .Entre os vários projectos sobressaiu o Conjunto Ngonguenha, cujo disco chamou a atenção pela forma como misturava hip hop com música angolana, entre ela kuduru. Foi com a referência do Conjunto Ngonguenha que Kalaf foi procurá-lo para o apresentar a Lil' John e Riot. Conductor diz, no entanto, que nem sequer é um fã a sério de kuduro: "nunca gostei muito do antigo kuduro porque dizia demasiadas barbaridades, mas identifico-me com o novo movimento de rappers a rimar sobre batidas de kuduro"..Sobre o fenómeno Buraka, também diz que não estava à espera de tanto alarido, embora reconheça que o exotismo do kuduro é excitante e que, o facto de ser uma música ligada ao tuning, ajuda a empolar a questão. Mas diz-se surpreendido com a adesão tão maciça. "Quase todas as canções de Buraka são testes, são coisas muito pouco elaboradas, por isso o espanto ainda é bem maior... o disco foi gravado aos quatro pontapés em minha casa", diz num desabafo bem disposto. .Das memórias dos concertos guarda a da última edição do Festival Sudoeste em que fecharam o segundo dia no palco principal: "os nossos concertos costumam ser um caos mas o Sudoeste funcionou muito bem, e as pessoas sabiam as canções". .Conductor não vai a Angola há oito anos, mas mantém um contacto próximo e sabe que em Angola o Buraka Som Sistema também está a ser tocado nas discotecas, embora não seja considerado kuduro: "O kuduro em Luanda continua a ser marginal e para eles nós somos trendy, somos como a Hello Kitty do kuduro, por isso podemos passar nas discotecas... e as pessoas gostam". A ideia diverte-o e quando a voltar a Angola, o que espera fazer brevemente, vai investigar. |