À direita, um casal de namorados abraça-se às primeiras notas da música. À esquerda, um quarteto de "tias" de penteado imaculado inicia uma coreografia aparentada às dos girl-groups de 60. À nossa frente, surfistas adolescentes abanam camisas floridas e dançam como viram em serviço de televendas anunciando compilações dos Golden Sixties. Os Beach Boys de Mike Love e Bruce Johnston, os dois históricos, arrancam para I Can Hear Music como banda de versões em bar na praia e não pareceria estranho se, pouco depois, desatassem a cantar os parabéns a algum aniversariente entre o público que preenchia um terço do Coliseu..Vamos aos factos. Mike Love era, muito provavelmente, a melhor voz da formação original dos Beach Boys. Mike Love era também o mais retrógrado do grupo, aquele que desvalorizava uma das obras imprescindíveis da história do século XX, Pet Sounds (composto por Brian Wilson), como música incompreensível e drogada - mudaria de opinião quando o disco começou a galgar topes mundo fora. E os Beach Boys de Mike Love são, em 2005, uma penosa versão da banda que um dia competiu criativamente com os Beatles. .Depois do medley inicial, 11 canções em modo jukebox, assistiu-se, canção a canção, ao assassínio de um legado. Teclados de gosto duvidoso resguardam a fragilidade actual das harmonias vocais, California Dreamin', dos The Mamas & The Papas, perde a brisa poética do original e transforma-se em épico que Freddie Mercury teria adorado cantar, God Only Knows e Good Vibrations e Surfin' USA e Help Me Rhonda e Sloop John B. e Wouldn't it Be Nice tornam-se banda sonora para uma explosiva mistura de série liceal americana, Baywatch e filme com animais falantes num domingo à tarde. Chamam-se Beach Boys e têm a vitória num processo judicial para o provar. A legimitidade artística, essa, está arredada desta formação sem Brian Wilson e Al Jardine. O público aplaudiu, ironizou e suspirou nostálgico. Mike Love cumpriu a data do ganha-pão..Música? Zero. Festa? Limonada. Quando, num futuro próximo, animarem a Festa de Nossa Senhora da Agonia em Alpiarça é que vai ser a sério.