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Um conjunto de medidas visando a protecção dos destroços do navio Pedro Nunes foi publicado, a 6 de Maio, em Diário da República, por despacho do Ministério da Cultura. Um sonho antigo fica, assim, mais perto da concretização - a reabilitação da memória daquele que fora um príncipe dos mares o clipper Thermopylae, gémeo e rival do Cutty Sark, construído em 1868 em Aberdeen para a White Star Line, e cuja trajectória épica sobreviverá sempre ao perfil trágico do ocaso dos seus dias.

Torpedeado ao largo de Cascais em 1907, na presença de D. Carlos, gorada que estava, há muito, a possibilidade de o manter como navio- -escola, o Pedro Nunes, ex-Thermopylae,guardaria sempre, ao longo destes quase cem anos, uma aura de invencível perenidade. Que a detecção dos seus destroços, finalmente conseguida em 2003, veio reforçar, abrindo novos horizontes em matéria de estudo e a possibilidade, agora real, de integração na rede de itinerários arqueológicos subaquáticos visitáveis que o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) tem vindo a definir.

Rede que, inaugurada há 12 anos ao largo da praia da Salema, Vila do Bispo, em torno dos destroços do navio-almirante francês Océan, visa a valorização de "um legado de enorme riqueza" histórica e científica e com "extraordinárias potencialidades nos planos pedagógico, lúdico e turístico-cultural", como refere ao DN o director do CNANS, Francisco Alves. Via que está a conhecer "um crescimento exponencial um pouco por todo o mundo", e cujo fim último passa por um uso "patrimonialmente sustentável" destes recursos. Via que o CNANS, em colaboração com a Reserva Natural local, espera seguir também nas Berlengas, associando ao itinerário a Fortaleza de S. João Baptista.

A possibilidade de ver o que resta do navio "mais rápido da história da navegação à vela" tocará uma corda sensível em muitos, mas as características do local desaconselham a visita a mergulhadores não-experimentados "Muito deteriorado", os seus destroços jazem a 30 metros de profundidade, dispersos por uma mancha de 70 metros de comprimento por dez de largura, numa zona de reduzida visibilidade. As visitas, "devidamente enquadradas" em matéria de apoio e vigilância, exigirão também "estreita articulação" em terra, dado que os destroços se encontram sob uma zona de espera do tráfego marítimo, como lembra o capitão-de-fragata Augusto Salgado, historiador, membro da equipa de mergulhadores que os localizou e coordenador do futuro itinerário.

"Pronta a ressuscitar do ponto de vista histórico", refere Francisco Alves, a memória do lendário veleiro renascerá, do ponto de vista arqueológico, a um ritmo naturalmente mais lento. "Haverá que avaliar muito bem o que poderá ser o impacte de uma arqueologia intrusiva, escavativa", frisa, "porque o que pretendemos é fazer estas peças 'falar'", fornecendo informação para melhor compreender a trajectória de um navio-símbolo da rota do chá, célebre pela rivalidade que estabeleceu com o seu "irmão" mais novo - Cutty Sark que chegou a estar, por duas vezes, em mãos portuguesas, primeiro sob o nome Ferreira, depois Maria do Amparo -, de resto, batendo-o quase sempre.

Em termos iconográficos, uma das suas mais belas imagens foi-nos deixada pelo pintor britânico Montague Dawson (1895-1973) um Thermopylae no auge dos seus dias, saindo lenta e majestosamente do porto chinês de Foochow. Olhando hoje esse registo larger than life e as derradeiras imagens de desamparo dos seus dez anos de permanência no Tejo como pontão-depósito de carvão até ao seu torpedeamento, é impossível não questionar o destino que lhe foi dado, mesmo tendo em conta o contexto da época.

Francisco Alves prefere interpretar esse derradeiro momento vivido em Cascais no seu "sentido solene". Esse gesto, sublinha, "tem tanta força moral para a época como a solenidade de deitar ao mar o corpo de quem morreu a bordo, nomeadamente em situação de guerra". Nessa medida, "esse morrer sob o fogo é como um destino honroso para um navio que terminou os seus dias". Também Augusto Salgado considera que, apesar de tudo, o destino que lhe foi dado em 1907 foi "o mais digno" para um navio que chegou ao final da sua vida. "Na ausência de meios financeiros para o recuperar", lembra, "o seu desmantelamento para sucata teria sido, esse sim, uma desonra".

Em 2007, uma exposição no Museu do Mar, em Cascais, assinalará o centenário do seu afundamento. Exposição que passará, também, pelo Museu Marítimo de Aberdeen, na Escócia, fechando um ciclo com o regresso simbólico do Thermopylae à sua cidade natal.

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