Um terço dos reclusos na Europa sofre de transtornos mentais

A Organização Mundial da Saúde está hoje em Lisboa para apresentar o segundo relatório sobre o Estado da Saúde nas Prisões na Região Europeia da OMS - 2022. Um documento que resulta da análise de dados recolhidos em 36 países e que deixa um diagnóstico preocupante. A saúde mental da população reclusa e a sobrelotação nos estabelecimentos são dois dos grandes problemas. Portugal não foge à regra nestas matérias. A OMS pede aos países mais investimento nestas áreas.
Publicado a
Atualizado a

"O encarceramento nunca se deve tornar numa sentença para os problemas de saúde. Todos os cidadãos têm direito a cuidados de saúde de boa qualidade, independentemente do seu estatuto legal". Esta é a mensagem que Hans Henri P. Kluge, Diretor Regional da OMS/Europa, quer que ecoe para toda a Europa, a partir de hoje e de Portugal, no âmbito da apresentação do segundo relatório sobre o Estado da Saúde nas Prisões na Região Europeia da OMS - 2022. Um documento que resulta da análise aos dados recolhidos em 36 países que integram a OMS e que deixa um diagnóstico "preocupante".

Ao DN, a coordenadora para a área das Drogas Ilícitas e Saúde Prisional da OMS/Europa, que esteve a liderar este trabalho, a médica portuguesa Carina Ferreira Borges, diz que o primeiro balanço a fazer é que todos estes Estados ainda têm "um longo caminho a percorrer para melhorar a Saúde e a prestação de cuidados nas prisões", mas é um caminho que tem de ser feito, porque, salvaguarda, "não nos podemos esquecer que o direito à Saúde é um direito universal. Todos devem ter acesso a cuidados, independentemente de onde estão". E foi por isso mesmo que a OMS avançou com este trabalho, tendo como foco "a recolha de informação, o diagnóstico e a promoção de intervenções que permitam uma melhor caracterização da saúde nas prisões e a realização de protocolos com vista à melhoria dos cuidados".

O relatório será apresentado, na manhã desta quarta-feira, num encontro organizado pelo Governo português, a decorrer até amanhã, no Infarmed, em Lisboa, e que contará com a presença dos ministros da Saúde, da Justiça e da Ciência e Ensino Superior, de representantes da OMS e de peritos internacionais e nacionais. O objetivo da reunião é dar a conhecer o estado da situação atual e fomentar a discussão aberta sobre este tema. Carina Ferreira Borges sublinha mesmo que "a Saúde prisional tem de ser encarada como uma questão de Saúde Pública e não marginalizada".

Do programa em discussão fazem parte temas como: os principais desafios na resposta de saúde nas prisões, a integração da saúde nas prisões na Saúde Pública, os sistemas de informação para a saúde nas prisões, já que este foi um dos principais problemas detetados, os modelos de governação da saúde nas prisões, a minimização de danos nas prisões e a transição da prisão para a comunidade para se melhorar a continuidade de cuidados.

O retrato traçado por este documento dá conta de que em 2020 havia um total de 613 497 pessoas encarceradas, o que representa uma queda de cerca de 6,6% em relação a 2019, mas tal aconteceu principalmente devido às medidas de luta contra a covid-19, que o relatório diz ter sido uma situação de doença bem tratada na maioria das prisões europeias, com direito a isolamento e vacinas oferecidas.

Mas os dados recolhidos, através das respostas de mais de metade dos 36 países, alertam sobretudo para o facto de "a causa mais comum de morte nas prisões ser o suicídio, com uma taxa muito maior do que na comunidade em geral". Por isso mesmo, lê-se no documento que é necessário "mais investimento na Saúde Mental", onde na esmagadora maioria das prisões os recursos são insuficientes".

Por outro lado, é recomendado também aos Estados uma maior aposta na "continuidade dos cuidados, apenas metade dos Estados garante o acesso aos serviços de saúde comunitários às pessoas que saem da prisão".

Em relação à sobrelotação, o trabalho da OMS revela que "um em cada cinco Estados reportou esta situação, o que tem várias consequências negativas para a saúde". Neste sentido, a OMS apela aos países que trabalhem "medidas alternativas não privativas de liberdade para os crimes que não apresentem um alto risco para a sociedade e onde existam medidas mais eficazes, como o desvio para tratamento de transtornos relacionados ao uso de drogas".

No que toca a deficiências, a OMS alerta para o facto de estas persistirem "nos serviços preventivos, incluindo o acesso à vacinação, sendo que 16,7% dos Estados não ofereceram vacinação contra Hepatite-B ou difteria-tétano-coqueluche (DTP) em nenhuma prisão, ambas recomendadas para todas as pessoas na admissão na prisão". O diretor regional, Hans Henri P Kluge, relembra como mensagem que "as prisões estão inseridas nas comunidades e que os investimentos feitos na saúde das pessoas na prisão tornam-se num dividendo da comunidade".

Na visão do relatório, e como ponto positivo, Portugal é um dos cinco países que não aplica prisão perpétua e que desenvolve um modelo interessante no que toca à Saúde nas prisões, com responsabilidade partilhada com a Justiça, tentando garantir uma resposta articulada. Por outro lado, há ainda a salientar que está entre os países onde está totalmente garantido o acesso a cuidados de saúde aos reclusos, com protocolos específicos para tratamento de doença psiquiátrica e oncológica. Portugal é também dos países que, nos últimos anos, conseguiu aumentar o acesso a rastreios de doenças infecciosas.

No entanto, e ainda de acordo com o relatório, Portugal também é dos países que integra um grupo de cinco com mais população jovem dentro das prisões. E não foge à regra no que toca à principal causa de morte, o suicídio, embora, em relação à Saúde Mental e aos recursos existentes, seja dos países em que a taxa de psiquiatras na prisão é maior do que a média na Região Europeia da OMS. É igualmente um dos países com problemas de sobrelotação. Em 2021, registava 108 reclusos por 100 mil habitantes, embora este indicador tenha registado uma redução significativa, cerca de 28%, desde a pandemia e, em grande parte, devido às medidas aplicadas no âmbito do combate à covid-19.

No âmbito deste encontro, o ministro da Saúde deixa claro que para "o Governo português, a saúde em todas as políticas é uma prioridade, não deixando ninguém para trás". Para a ministra Catarina Sarmento e Castro, "a Justiça dedica especial atenção às condições de vida da população prisional e, em articulação com o Ministério da Saúde, está empenhada em garantir que o direito à saúde e à dignidade humana, valores centrais deste Governo, sejam uma realidade em Portugal prisões."

A ministra da Ciência e do Ensino Superior, Elvira Fortunato, reitera que "este estudo e a reunião de hoje mostram que Portugal está a trabalhar para melhorar os cuidados de saúde aos reclusos, com base na investigação científica e nos dados recolhidos".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt