"Eu acho que isto deve mudar". Depois, uma demorada pausa. "Votar é que não sei em quem". A resposta, sincopada, lenta, é de um dos comerciantes do Mercado dos Lavradores, no Funchal, a quem tinha sido entregue um folheto de campanha do Bloco de Esquerda..São quase onze da manhã. Uma hora antes, na entrada principal, quase três dezenas de turistas ingleses e franceses comentavam, olhando as fotografias tiradas com telemóvel, a "beleza" do antigo edifício [foi inaugurado em 1940] criado pelo arquiteto Edmundo Tavares no tempo de Fernão de Ornelas [presidente da Câmara do Funchal entre 1935 e 1946] e que naquela manhã seria palco político para a líder nacional do BE e dos candidatos a deputados à Assembleia Legislativa..A comitiva, cerca de 20 pessoas, já encontra o mercado vazio da enchente de turistas. Marina Mortágua, Roberto Almada [cabeça de lista] e Dina Letra [a número dois] vão percorrendo o corredor principal "do andar de baixo". Distribuem folhetos. Há alguns sorrisos. Não são muitas as conversas. Quase ninguém recusa receber a propaganda do Bloco de Esquerda..Metros adiante, na "praça do peixe", àquela hora praticamente vazia, o cenário repete-se. Um dos vendedores recebe de Dina Letra a propaganda. Olha. Sorri. E quando o grupo se afasta, dobra o folheto que guarda no bolso das calças..Sabe quem são?, pergunto. "Aqueles sei", diz apontando na direção dos dois candidatos, "São de cá. Já os vi aí nos cartazes". E então? "Não sei em quem votar". Não sabe? Olha-me sério, encolhe os ombros, e arrumando o peixe na banca, responde secamente: "Ainda vou pensar. E nem sei se vou votar.".O grupo já está de saída. A passagem pelo mercado foi curta. Contornam o edifício pela esquerda em direção à entrada principal ficando de frente para a rua Fernão de Ornelas. O semáforo está vermelho. A comitiva para..Porque foi rápida a visita? Não sentiu empatia? "Não, mas ainda vamos ter que fazer esta rua toda onde está muita gente, tentar cobrir a maior área possível. Demos a voltinha no mercado e agora vamos ali", diz Mariana Mortágua. Foi diferente das últimas eleições? Roberto Almada, que horas depois, no almoço-comício, haveria de fazer um discurso empolgado, diz, num encolher de ombros, que "há sempre uns que não querem receber" a propaganda eleitoral..O semáforo fica verde. Na Fernão de Ornelas, uma rua de comércio, não há muita gente. Está calor. "Este clima tropical, esta humidade dá cabo de mim", desabafa um dos elementos da comitiva. Os candidatos ao parlamento regional e a líder dos bloquistas vão distribuindo folhetos por quem está nas esplanadas. "E a Catarina?". A pergunta é dirigida a Mariana Mortágua. Não ouço a resposta. A meio da rua procuro saber se é comum esta pergunta. "Sim, ela é um ícone deste país. E tem estado aqui a dar uma boa ajuda na campanha. As pessoas estão muito habituadas a vê-la por aqui, por isso, é normal. Nós sempre nos revezamos. E estamos muito bem assim"..De vez em quando, a oferta do folheto é feita a turistas - "Good luck", dizem sorrindo - porque, diz-me um dos elementos da comitiva, "a origem [das pessoas] não está na testa". E aqui é "normal acontecer"..Mais adiante, Mariana Mortágua, rodeada dos seus apoiantes, ouve frases de incentivo de um grupo sentado numa esplanada: "Força, é preciso mudar", "O povo é que tem a culpa disto tudo porque tem medo de mudar", "Dia 24 vamos pô-los na rua".."É isso, obrigado", vai dizendo a líder bloquista..A subida e descida da rua também não foi demorada. O grupo regressa ao mercado, ao café logo ali à entrada para "beber uma água" que "está um dia abafado"..E as propostas do Bloco de Esquerda? "Se há uma crise na habitação no continente, aqui é muito pior, aqui é uma crise mais pesada". O "aqui" é dito de forma carregada. "As pessoas aqui não têm onde viver. O Funchal é a terceira cidade mais cara do país"..Mariana Mortágua acredita que as "políticas muito decididas, firmes" do BE lhes permite uma "capacidade de interlocução com as pessoas" que "é reconhecida". E chegam, diz, "sinais" de que a mobilização vai ter "resultados nas urnas". Que sinais? "Os que chegam da campanha, do que dizem as pessoas na rua. O regime é injusto, não cria emprego"..A conversa é interrompida. "A menina é tão bonita!". A senhora de cabelo branco, sorridente, faladora, que diz ter "muito mais que 60 e mais não digo", e que "não se importa" que a vejam a falar com "esta menina", desfia sem parar elogios.."Gosto das ideias dela, há muita inteligência. Gosto da simplicidade, ela tem boa dicção. E o meu marido aprecia-a imenso: "aquela miúda é espetacular", diz ele. Você sabe que os políticos quando falam parecem cachorros... e ela não. E há aí uns que é só carros e mulheres. É como lhe estou dizendo"..Mariana Mortágua sorri, agradece os "tantos elogios", e conclui a ideia: "O objetivo é claro. Estamos aqui para retirar a maioria absoluta e retirar o PSD do governo. A Madeira precisa de mudar"..A próxima etapa, o almoço-comício, em Câmara de Lobos, com uma centena de apoiantes, vai ter televisões para os discursos. E nem Roberto Almada, nem Mariana Mortágua desaproveitaram o momento: frases curtas, mensagens claras, e até o tom empolgado ou de injustiça esteve presente e sublinhado.."Negócios para alguns, miséria para muitos. Obras faraónicas, betão até ao mar, negócios de milhões, ordenados mínimos e precariedade para quem trabalha", resumiu Roberto Almada. A líder do Bloco, que foi tomando notas enquanto ouvia e aplaudia as palavras do cabeça de lista do BE, foi mais longe e diz não ter "medo de dizer os os nomes" dos "manda-chuvas" liderados "pelo Grupo Sousa à cabeça", os nomes dos "que lucram com a crise dos pobres".."Com a vida das pessoas não se brinca, com o salário das pessoas não se brinca (...) liberdade é ter um sítio para viver, liberdade é poder ter uma casa e construir família, liberdade é ter um salário que nos permita morar na nossa terra, liberdade é poder morar na madeira", exortou..E Miguel Albuquerque? "É um promotor imobiliário para estrangeiros ricos, não é um governante"..artur.cassiano@dn.pt