Um pequeno milagre nas fábricas do Brasil

No coração da região mais pobre do país há uma cidade que produz, produz,  produz. A pujança económica do novo Brasil tem estrada directa para Camaçari.
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Vai apertado, o autocarro das duas da tarde. Sai de Salvador da Baía à pinha, homens na totalidade. Picam turno nas fábricas das quatro à meia-noite e, até Camaçari, é hora e meia de balanço, pára-arranca, sobressalto. A janela oferece um espectáculo desolado, ou uma planura seca ou um mar de casas de reboco, essas que ruem à primeira chuva.

Depois pára-se em Simões Filho, entra mais gente. Duas cadeiras passam a sentar quatro passageiros, de pé não sobra espaço nem para uma cana de pesca. Já não dá para ver o cenário lá fora, tamanha a multidão. Por isso é que, à chegada a Camaçari, a primeira sensação não é de espanto, é de alívio.

Não fosse o transporte de sardinhas em lata e a coisa seria diferente. A cidade impressiona pelo enorme parque industrial que possui, o maior da América do Sul. Ao todo, existem 600 complexos fabris, que garantem emprego a mais de cem mil pessoas.

Vêem-se chaminés por toda a parte, avenidas cheias de edifícios quadrados, com janelas pequenas e portões gigantes. Aqui há unidades têxteis e metalúrgicas, fábricas de cobre e celulose. Mas as jóias da coroa são o pólo petroquímico e automóvel, que juntos facturam mais de 11 mil milhões de euros por ano.

Na sala de convívio do departamento de armazenamento da PoliBrasil, maior produtora de plástico do país, que opera 24 horas, há posters de mulheres nuas nas paredes e todas rodeiam o quadro de cortiça onde são afixados os turnos e informações laborais. "Esse é o meu cantinho", diz Juca Pires, delegado sindical da unidade, barba igualzinha à do Lula Presidente, mas calvo. Discurso polido: "Agora estamos convocando um plenário para discutir estratégias." O que é isso? "É que tem trabalho de mais. Por um lado, é preciso mais gente, por outro queremos aumento de renda. Temos de discutir qual queremos mais."

Camaçari tem história industrial desde os anos 50, mas foi nos anos 80 que a maioria das empresas se instalou. Nos últimos oito anos foi o boom, paralelo ao crescimento económico do país durante os governos Lula. "Aguentámos a crise mundial e hoje a produção industrial cresce 10% ao ano", disse o prefeito da cidade, Luiz Caetano, ao jornal A Tarde.

Em 2009, o município tornou- -se o quinto maior exportador no Brasil. Representa por estes dias mais de 30% do PIB da Baía. O reverso da medalha é o crescimento brusco da cidade. Há um Nordeste inteiro a desaguar em Camaçari, muita gente do interior. As favelas crescem, o crime também. Hoje, a população é de 250 mil. Há dez anos era metade.

Em ano de eleições, as promessas chovem em bátegas. Vão construir-se mais estradas para escoar os produtos, uma nova linha ferroviária para mercadorias, dez mil habitações sociais... Na PoliBrasil metade do turno faz pausa para jantar. Juca avisa do plenário, "não vai faltar não". Os colegas pegam nas marmitas, atiram-se ao arroz com feijão e falam das eleições. Vão votar na Dilma? Contam-se os votos, braço no ar. Empate técnico entre a candidata do PT e a dos Verdes, Marina Silva. "Mas, se o Lula estivesse na corrida", atira Juca, que vota Marina, "pode ficar descansado, a gente votava nele".

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