Archie Tuolee é um artista libanês que atua nas ruas, perto de um cemitério abandonado em Monróvia, capital da Libéria, país da África Ocidental..Os restos da farda militar que lhe compõem a vestimenta talvez indiciem a marca do passado que o define: criança-soldado..O barrete com a bandeira dos Estados Unidos estampada que lhe cobre a cabeça talvez ironize o presente: comediante..Ele foi, voluntário, para a guerra, com apenas 10 anos de idade, para se vingar dos que lhe mataram o pai, executado à sua frente, em 1983, por tropas fiéis a Charles Taylor, um político inicialmente apoiado pela Casa Branca e que acabou acusado pela ONU de crimes contra a humanidade..Os óculos escuros escondem o olho vazado de Archie Tuolee..O sorriso suave com que ouve algumas perguntas feitas por outro comediante, Larry Charles, vindo de uma rua de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, ilude, com respostas em frases lineares, a tensão emotiva da conversa: "o meu cérebro foi traumatizado"; "agora estou bem"; "fiquei muito tempo na rua e fazer comédia foi a única maneira de me ajudar a mim mesmo"; "faço dinheiro para comer"; "não tenho área pessoal para viver mas estou a tratar disso"; "a minha mãe quando me vê, por vezes, chora e, outras vezes, dá-me dinheiro. E eu recebo-o"..O comediante norte-americano que conduz a entrevista é um dos argumentistas da série Seinfeld e realizador dos filmes de Borat. Pergunta ao ex-soldado-criança, agora um homem com mais de 40 anos: "Há alguma coisa que gostavas de fazer para além disto?"....Archie Tuolee, nome artístico "Special Forces", baixa a cabeça, suspira. A câmara de ultra definição com que o artista é filmado em grande plano suspeita, a sair por debaixo dos óculos escuros, uma lágrima transparente..Archie Tuolee não tem futuro, só tem este presente: fazer palhaçadas grotescas nas ruas de Monróvia, a troco de algumas moedas. "Oro por mudanças melhores", sintetiza..O Perigoso Mundo da Comédia é um documentário extremamente corajoso. Soma, em quatro episódios disponíveis no Netfilx, quatro horas de histórias de um mundo tragicamente patético..O Perigoso Mundo da Comédia é um monumento televisivo feito por palhaços, que deviam ser levados a sério e que quebrou, como há muito não acontecia, a minha rija barreira emocional, construída com tijolos impessoais acumulados ao longo de 30 anos de cinismo jornalístico..Não sei bem o que dizer... Roubado à internet, explico-me através de quem se explica melhor do que eu: Fernando Pessoa, um possível proscrito, tal como muitos destes palhaços..O Palhaço.Na mente louca, salta sem parar Uma ideia cruel, estranha e sinistra Com um sentido além do que se teme - Um palhaço em seu grotesco saltar; E choro ao vê-lo, como uma criança Com lágrimas de adulto, em dor estreme..Não há telhado, como não há chão; Horror! E tudo fora do espaço! Implacavelmente, vejo-o a pular! - Há o palhaço e o mais é um vão, Ele, incansável, para cima e para baixo - O palhaço em seu grotesco saltar..Implacável, severa de mais para mim Que procuro o que tudo quer dizer, Esta visão sem espaço e a pular! As pernas me esquecem, num pular assim. Que terrível sentido pode ter - O palhaço em seu grotesco saltar?.Alexander Search Heterónimo de Fernando Pessoa In Poesia, 1906, Assírio & Alvim,
Archie Tuolee é um artista libanês que atua nas ruas, perto de um cemitério abandonado em Monróvia, capital da Libéria, país da África Ocidental..Os restos da farda militar que lhe compõem a vestimenta talvez indiciem a marca do passado que o define: criança-soldado..O barrete com a bandeira dos Estados Unidos estampada que lhe cobre a cabeça talvez ironize o presente: comediante..Ele foi, voluntário, para a guerra, com apenas 10 anos de idade, para se vingar dos que lhe mataram o pai, executado à sua frente, em 1983, por tropas fiéis a Charles Taylor, um político inicialmente apoiado pela Casa Branca e que acabou acusado pela ONU de crimes contra a humanidade..Os óculos escuros escondem o olho vazado de Archie Tuolee..O sorriso suave com que ouve algumas perguntas feitas por outro comediante, Larry Charles, vindo de uma rua de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, ilude, com respostas em frases lineares, a tensão emotiva da conversa: "o meu cérebro foi traumatizado"; "agora estou bem"; "fiquei muito tempo na rua e fazer comédia foi a única maneira de me ajudar a mim mesmo"; "faço dinheiro para comer"; "não tenho área pessoal para viver mas estou a tratar disso"; "a minha mãe quando me vê, por vezes, chora e, outras vezes, dá-me dinheiro. E eu recebo-o"..O comediante norte-americano que conduz a entrevista é um dos argumentistas da série Seinfeld e realizador dos filmes de Borat. Pergunta ao ex-soldado-criança, agora um homem com mais de 40 anos: "Há alguma coisa que gostavas de fazer para além disto?"....Archie Tuolee, nome artístico "Special Forces", baixa a cabeça, suspira. A câmara de ultra definição com que o artista é filmado em grande plano suspeita, a sair por debaixo dos óculos escuros, uma lágrima transparente..Archie Tuolee não tem futuro, só tem este presente: fazer palhaçadas grotescas nas ruas de Monróvia, a troco de algumas moedas. "Oro por mudanças melhores", sintetiza..O Perigoso Mundo da Comédia é um documentário extremamente corajoso. Soma, em quatro episódios disponíveis no Netfilx, quatro horas de histórias de um mundo tragicamente patético..O Perigoso Mundo da Comédia é um monumento televisivo feito por palhaços, que deviam ser levados a sério e que quebrou, como há muito não acontecia, a minha rija barreira emocional, construída com tijolos impessoais acumulados ao longo de 30 anos de cinismo jornalístico..Não sei bem o que dizer... Roubado à internet, explico-me através de quem se explica melhor do que eu: Fernando Pessoa, um possível proscrito, tal como muitos destes palhaços..O Palhaço.Na mente louca, salta sem parar Uma ideia cruel, estranha e sinistra Com um sentido além do que se teme - Um palhaço em seu grotesco saltar; E choro ao vê-lo, como uma criança Com lágrimas de adulto, em dor estreme..Não há telhado, como não há chão; Horror! E tudo fora do espaço! Implacavelmente, vejo-o a pular! - Há o palhaço e o mais é um vão, Ele, incansável, para cima e para baixo - O palhaço em seu grotesco saltar..Implacável, severa de mais para mim Que procuro o que tudo quer dizer, Esta visão sem espaço e a pular! As pernas me esquecem, num pular assim. Que terrível sentido pode ter - O palhaço em seu grotesco saltar?.Alexander Search Heterónimo de Fernando Pessoa In Poesia, 1906, Assírio & Alvim,