Um país onde os pobres ficaram mais pobres. E os apoios nem lhes chegaram

Documento anual de análise de como vivem os portugueses e as dificuldades que enfrentam mostra que o período da pandemia afetou muitas famílias, principalmente as que não tiveram praticamente acesso a apoios. Falta de acesso a creches e ao pré-escolar provoca uma divisão entre pobres e agregados mais ricos.
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Falta de capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou peixe alternadas. Ou a impossibilidade de usufruir de uma semana de férias fora de casa. Estes são dois alertas sobre o que poderá ser o futuro de uma parte da população portuguesa deixados no relatório "Portugal, Balanço Social 2022", apresentado ontem de manhã no espaço BPI All in One Lisboa.

O documento ,onde são analisados indicadores que mostram a situação social no país partindo dos dados económicos estudados pelos investigadores da Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center, Bruno P. Carvalho, Miguel Fonseca e Susana Peralta, acrescenta outro dado ao retrato do país: o risco de pobreza não diminuiu.

Este trabalho (essencialmente baseado em dados referentes ao ano de 2020, incluindo no entanto alguns itens sobre 2021) inclui ainda um estudo sobre o impacto da pandemia de covid-19 e do aumento do custo de vida, deixando assim de fora a atual crise provocada pelos números da inflação.

A terceira edição da iniciativa para a Equidade Social -- um trabalho que junta a Fundação "la Caixa" e a Nova SBE -- mostra que a taxa de risco de pobreza em Portugal aumentou em 2020 para 18,4% (1,6% mais alta que em 2019 e acima da média da União Europeia). Porém, o documento frisa que em 2021, segundo "dados preliminares disponibilizados pelo INE com base no ICOR 2022, mostram uma diminuição da pobreza" nesse ano.

Quanto aos estratos da população mais afetados por esta incidência da pobreza -- o país tinha em 2020, 1,893 milhões de pobres -- atinge mais "os desempregados, famílias monoparentais e indivíduos menos escolarizados".

Um alerta importante deixado pelo trabalho é a dificuldade que uma parte da população portuguesa sente para gerir os seus rendimentos. Por exemplo, em 2021, "a taxa de privação material [que mede o consumo] e social é de 13,5% (mais 0,8% do que em 2020)". Isto quer dizer que estas pessoas não conseguem gozar uma semana de férias fora de casa e não têm dinheiro para fazer face a despesas inesperadas.

Numa análise ao documento a investigadora Susana Peralta (ler entrevista) frisa que os apoios dados pelo Governo durante a fase mais "dura" da pandemia acabaram por não chegar aos agregados familiares mais pobres devido à natureza do lay-off: foi dirigido a trabalhadores com contratos permanentes, o que não é o caso da maior parte dos trabalhadores mais desfavorecidos.

No documento chama-se a atenção para o facto de a distribuição de rendimentos no país ter aumentado entre 2019 e 2020. Neste particular, a Madeira era, em 2020, a região com maior taxa de risco de pobreza e taxa de privação social e material. Já a região centro era a mais desigual. Quanto aos municípios, Lisboa, Porto e Vila do Porto (Açores) surgem como os mais desiguais. Do lado oposto estão Pampilhosa da Serra, Alandroal e Portel.

O trabalho dos três investigadores da NOVA SBE mostra que Portugal tinha, em 2020, 345 mil crianças pobres, ou seja, 29,4% do total de crianças do país. É destacado que esse número tinha vindo a descer, mas que em 2020 era 1,3% mais elevado que em 2019.

Duas das consequências desta situação social é que o seu acesso à educação pré-escolar é menor quando comparado com as restantes crianças do país. Sofrem também de uma maior insegurança alimentar.

Em relação ao acesso à educação destaca-se, por exemplo, que em 2020 durante a pandemia de covid-19, uma em cada 10 crianças pobres entre os 5 e os 15 anos não conseguiu assistir às aulas online, ou seja o dobro da média -- uma criança em cada 20.

Quanto aos trabalhadores, apenas 32% conseguiu cumprir as tarefas laborais a partir de casa nesse período. Uma percentagem que baixa para 15% entre os mais pobres, principalmente devido à incompatibilidade da sua função com o trabalho remoto.

Este retrato lança um outro alerta preocupante: em 2021, em 20,6% dos agregados familiares pobres houve a preocupação de não conseguir ter comida suficiente. Muitos não conseguiram colocar na mesa, em dias interpolados, proteína animal ou vegetal.

cferro@dn.pt

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