Um Fidalgo cosmopolita à frente da Ordem de Malta

Investido cavaleiro da Ordem em 1987, o também conde de Albuquerque ficou culturalmente marcado por uma juventude passada em França e no Brasil
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Trineto do deputado açoriano Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt - eleito para as Cortes de 1894 e que seria um dos autores do estatuto de autonomia administrativa para as ilhas, além de se ter tornado mecenas do pintor Domingos Rebelo, que tem painéis na decoração do Parlamento -, o comprido nome do actual presidente da Assembleia da Ordem de Malta em Portugal, que se chama Augusto Duarte de Andrade Albuquerque Bettencourt de Athayde, denuncia que ele é, como aquele seu antepassado, conde de Albuquerque.

Sobrinho-bisneto de Hintze Ribeiro (três vezes chefe do Governo no reinado de D. Carlos), após ter percorrido os diversos graus desde que foi investido, em 1987, cavaleiro na igreja de Leça do Balio, seria eleito, em 2006, principal rosto da Ordem de Malta, que se dedica a actividades que vão desde o apoio aos peregrinos a Fátima até à chamada de atenção para a responsabilidade social das empresas. Assume-se como católico praticante, mas diz ser um monárquico sem saudades do 4 de Outubro de 1910.

O neto de Maria da Graça de Athayde, autora de peças de teatro como Espaço para Alguém, de livros policiais como Era Uma Rosa e dos três tomos de memórias intituladas Uma Vida Qualquer, tem o Fígaro Littéraire reservado às quintas-feiras e é complicado limitar a lista de títulos "que levaria para a lua": além de Eça e Flaubert, também A Queda de Um Anjo (Camilo) e Mau Tempo no Canal (Nemésio), Os Três Mosqueteiros (Dumas) e Os Reis Malditos (Maurice Druon), a poesia de Camões, Antero, Pessoa e Baudelaire, o teatro de Molière, Corneille e Racine, as obras de história de Max Gallo e Alain Peyrefitte, de pensadores como Edgar Morin ou Guy Sorman, sem esquecer Riqueza das Nações (Adam Smith) e Diplomacia (Henry Kissinger). Afinal, sintetiza, "a preocupação última de um intelectual é o conhecimento da verdade".

Filho do último secretário de Estado da Juventude e Desportos e, depois, da Instrução e Cultura dos governos de Marcelo Caetano, não teve dificuldades ao entrar no equivalente ao quarto ano de escolaridade em Fontainebleau quando a família saiu de Portugal, em Setembro de 1974, pois tinha aprendido a língua de Montesquieu e Montaigne com madame Postelle desde os cinco anos.

Mas o período mais enriquecedor talvez tenha sido o que passou no Brasil, que define recorrendo a citações de Eça (pois fala-se ali "um português com açúcar" ) e de Torga (que aquele país "é o cais do lado de lá"). Desembarcou no Rio de Janeiro uma semana antes de festejar 10 anos e rapidamente se encantou por aquele ambiente descontraído, com a praia do posto 9 de Ipanema ("onde se encontravam os exilados portugueses") e os jogos de futebol do Vasco da Gama no Maracanã. E, ao regressar a Portugal, depois de o escrete ter falhado o título no Mundial de Espanha, estranhou este país com outra luz, muito frio e resquícios da ditadura e da revolução. Acabaria por tirar Direito na Católica e enveredar por uma carreira, com êxito, na advocacia.

Apesar de assumir que é "enxertado nas culturas francesa e brasileira", a que acrescenta o toque açoriano da família (ele nasceu, a 8 de Novembro de 1965, na freguesia lisboeta de Benfica- e também é adepto do clube da Luz), tem um fascínio pela Itália da ópera de Puccini ("está para a música como o Impressionismo para a pintura"), Verdi, Rossini, Donizeti e Belini e do cinema de Visconti e de Fellini, que os filmes da sua vida são O Leopardo e Amarcord, sem esquecer as populares fitas interpretadas por Totó.

E é assim que o eleito português da Soberana Ordem Militar Hospitalar de S. João de Jerusalém, de Rodes e Malta se poderia assumir, caso não tivesse sempre presente que os dois pilares da instituição são a defesa da fé cristã e o apoio aos mais desfavorecidos, como um fidalgo cosmopolita. Afinal, como se lia no pavilhão que integrou a Expo'98, a Ordem de Malta "é moderna por tradição".

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