A pessoa aqui vai à terra e quando volta tem a casa ocupada ou vandalizada, se vai um velho para o hospital doente fica logo alguém à porta à espera que ele morra para ocupar a casa." Zélia Mascarenhas, 65 anos, mora há 23 no Bairro Portugal Novo, nas Olaias. Resume numa frase a tensão diária que ali se vive - nas traseiras da esquadra da PSP, do Hotel Altis Park, paredes meias com a encosta das Olaias, em que o preço de algumas casas pode chegar aos 500 mil euros..Nas ruas o tom das conversas baixa para falar da outra parte do problema: os indivíduos de etnia cigana que há mais ou menos cinco anos descobriram as fragilidades daquele bairro que hoje é "terra de ninguém". "É impossível viver com eles" diz outra moradora que não se quis identificar. Conta que eles "ameaçam os velhos que estão cá desde o início, há mais de 20 anos, querem ficar com as casas." .O bairro foi construído em terrenos da Câmara de Lisboa há 24 anos por uma cooperativa que faliu passados sete anos. Desde então, ninguém paga renda e impera a lei do mais forte. José Franco, eleito pelo Bloco de Esquerda para a assembleia de freguesia pelo Alto do Pina, explica que, quando a cooperativa faliu, "os prédios não tinham sido bem acabados e foi uma degradação contínua". Hoje, "as pessoas do antigamente não se entendem com outras que vivem de forma algo oportunista", diz, corroborando as histórias de ameaças e ocupações selvagens de habitações, nas "barbas da PSP", sem que a autoridade intervenha..Maria Cândida está numa das entradas do bairro que teima em ser conhecido como Portugal Novo. Apesar de estar sujo de lixo e de tempo, da degradação dos prédios que já foram azul-bebé, da lotação mais-que--esgotada da maioria daquelas casas. Cândida aponta outras fragilidades do "bairro azul": as canalizações que não funcionam, as inundações frequentes em dias de chuva, a falta de espaços para novos e velhos. Garante que apesar da miséria há quem venda ali casas "por seis ou sete mil contos, tudo sem papéis". .O bairro passa agora mais despercebido por quem sai da rotunda das Olaias em direcção ao Areeiro. O edifício onde a câmara vai instalar os serviços sociais está pronto. "Estão a tapar a miséria", diz. .Lá atrás cai a noite e, na rua, um grupo acende o grelhador. Mais tarde vai cheirar a frango assado. Há alguém que diz: "Se me saísse o euromilhões quem comprava isto era eu."