Ultranacionalismo, a "ideologia" de ditadores e aspirantes

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Nos últimos cem anos temos assistido à ascensão do nacionalismo - com base em raça e religião, por oposição à ideia universal de cidadania - em especial na sua forma de ultranacionalismo.

Nos países africanos que se tornaram independentes no terceiro quartel do século XX, o nacionalismo exacerbado era provavelmente necessário para compensar fronteiras artificiais herdadas do período colonial (assim como a promoção da língua do colonizador para ultrapassar as clivagens tribais).

Quando o Raj britânico - um enorme mosaico multiétnico e multicultural, com várias línguas e religiões - obteve a independência, a Grande Índia deu origem a dois países com base num apartheid de base religiosa. Mesmo assim, na República da Índia continuam a viver mais de 200 milhões de indianos muçulmanos. Os movimentos de base hindu têm cavalgado o "nacionalismo religioso" e a Hindutva (forma populista de nacionalismo hindu) com tal sucesso que o BJP, liderado por N. Modi, governa o país desde 2014. A interpretação de Hindutva prevalente no BJP é cada vez mais radical e tem permitido vagas de perseguição com base numa mescla de ultranacionalismo e sectarismo religioso, sobretudo anti-islâmicas, bem como a propagação de milícias extremistas hindus, acusadas de atuar de forma similar às SA nazis.

Na China, o nacionalismo vem do tempo da criação da República. Nas últimas décadas, apesar de a economia chinesa funcionar com uma eficiência distante depois da de países "comunistas" inspirados no "Sol na Terra" soviético, o modelo marxista-leninista de "sociedades socialistas a caminho do comunismo" já não convence ninguém. Na China, a "ideologia" de facto prevalecente é uma mistura de neo-confucionismo com nacionalismo, tendo esta vertente evoluído para um ultranacionalismo de forte recorte antiocidental. Nos outros [poucos] países governados por partidos comunistas, tem vindo a ser exacerbado o nacionalismo tout court.

CitaçãocitacaoEm muitos países, o ultranacionalismo é utilizado por partidos antissistema que aspiram a tomar o poder sem terem uma agenda ideológica clara. O Brasil de Bolsonaro é um excelente exemplo.esquerda

Na Rússia, o nacionalismo russo tem reinado paredes meias com o imperialismo e a subjugação de vários povos dentro da "federação" russa. A todos foi imposto o primado dos russos e do que é russo, o mesmo tendo sido feito nos Quistões e nos países do Leste Europeu, forçados a adotar, em 1945, regimes marxistas-leninistas (com o beneplácito, em Ialta, dos líderes estado-unidense e britânico...). À medida que foi ficando claro que a Rússia de Putin é uma cleptocracia sem ideologia, a sua liderança adotou uma roupagem ultranacionalista e imperialista numa tentativa pífia de criar um biombo através do entrosamento de uma novilíngua com o passado imperial.

Em muitos países, o ultranacionalismo é utilizado por partidos antissistema que aspiram a tomar o poder sem terem uma agenda ideológica clara. O Brasil de Bolsonaro é um excelente exemplo. Outro é a Hungria de Orban. Ou a Liga Norte de Salvini, em Itália. Em alguns países, os ultranacionalistas tomam por dentro partidos de poder já existentes, como é o caso dos trumpistas no Partido Republicano dos EUA. Da mesma forma que, amiúde, "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas", o ultranacionalismo é hoje um instrumento cavalgado oportunisticamente por quem tem agendas de poder, mas não tem ideologia, ou rumo, ou propósito claro, ou por regimes que necessitam de legitimar um poder de base não-democrática.

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