Timor assinou independência a olhar invasão

Publicado a
Atualizado a

Díli, 28 de Novembro de 1975. Tarde quente, como todas nos dias húmidos e abafados da época das chuvas em Timor. Junto ao Palácio do Governador, Xavier do Amaral lê a proclamação da independência de Timor-Leste. Nas mãos tem o documento, mas a vista sobe-lhe descontroladamente para o horizonte. "Procurava algum barco de guerra indonésio junto à ilha de Ataúro..." A bandeira portuguesa é arriada, a da Fretilin içada.

A declaração estava feita e esperava-se o pior. As informações eram preocupantes, desde Outubro que chegavam a Díli informações de incursões militares junto à fronteira, embora algumas disfarçadas, como se se tratasse de uma ofensiva da UDT, partido responsável pelo golpe de Estado de Agosto mas depois empurrado para a fronteira pelas forças da Fretilin.

"As ameaças indonésias eram cada vez maiores, tínhamos indicações de forças indonésias em Bali, Flores e Kupang, e Atabae, a poucas horas de Díli, tinha sido tomada", afirma hoje Xavier do Amaral, o homem que foi primeiro presidente de Timor, mas "apenas por dez dias". Não havia tempo a perder. "Nem bebemos uma cerveja, nem uma rápida comemoração, nada. Fomos logo cada um para seu lado, prepararmo-nos para vigiar a costa", lembra. Divididos por zonas, os homens da Fretilin prepararam-se para a invasão que se adivinhava. Ramos-Horta leva a declaração para mostrar ao mundo e entrega-a na ONU.

"Eu estava ausente, na Austrália, quando o Comité Central da Fretilin, reunido de urgência, tomou a decisão de fazer a proclamação unilateral da independência. A decisão apanhou-me de surpresa. Eu, pessoalmente, nunca concordei, considerava que uma declaração unilateral deve ser preparada com muita antecedência, com meses de trabalho diplomático", explica. De qualquer forma, compreendeu, "a decisão foi tomada a seguir à queda de Atabae, onde a Fretilin tinha uma guarnição militar importante". Ainda para mais, de pouco servia discordar, "a In-donésia ia invadir de qualquer forma, já tinha tomado a fronteira".

Foram dez dias de agonia. A 7 de Dezembro, por terra, mar e ar, as forças armadas indonésias invadem o território, causando muitas mortes. Os dirigentes da Fretilin fugiram para as montanhas, mas muitos morreram nos combates. Para trás ficavam meses de convulsões políticas internas, o golpe de Estado perpetrado pela UDT, a 11 de Agosto, e a reacção violenta da Fretilin, que empurrara os dirigentes da UDT para a fronteira com Timor Ocidental.

Porquê a invasão? Hoje já quase ninguém duvida que essa decisão resulta de factores de conjuntura política internacional. Os Estados Unidos eram escorraçados do Vietname, o comunismo ganhava terreno no mundo, os militares portugueses vindos de Lisboa, assim como muitos estudantes timorenses, chegavam ao território carregados de ideologia marxista. O esquerdismo chegara a Timor e a Indonésia (Suharto, uma década antes, mandara assassinar quase dois milhões de comunistas), com o óbvio apoio da Austrália e dos Estados Unidos, decide pôr um travão no pequeno rastilho "vermelho" timorense. Gerald Ford e Henry Kissinger estiveram, aliás, em Jacarta na véspera da invasão, no que foi interpretado como uma "luz verde" para a acção de Jacarta.

Francisco Lopes da Cruz (actualmente embaixador da Indonésia em Lisboa), presidente da UDT na altura e que assinou a chamada "Declaração de Balibó" a pedir a integração de Timor na Indonésia, não tem hoje quaisquer dúvidas de que a Indonésia sofreu pressões "da Austrália mas mais dos Estados Unidos. É preciso ver o contexto, a guerra no Vietname, toda a instabilidade no mundo, a China, a Rússia, o comunismo era um receio muito grande".

Lopes da Cruz diz que ficou triste e preocupado quando soube da declaração unilateral da Fretilin "Porque percebia-se que aquela proclamação ia dar mais razões à Indonésia para invadir, reagindo de forma mais violenta. A proclamação apressou mais a invasão, ela aconteceria sempre..."

A declaração de Balibó nunca foi reconhecida internacionalmente, tal como a proclamação de independência da Fretilin, mas deveria ter sido um documento diferente, segundo Mário Carrascalão, dirigente da UDT que a assinou, contrariado, em Bali, dois dias depois da declaração de independência. Eram cinco os dirigentes da UDT, "estávamos em Bali sob controlo de indivíduos da secreta indonésia. Éramos aconselhados a assinar uma contradeclaração, e nós entendemos que deveríamos apresentar um texto que pedisse a ajuda da Indonésia, mas que se fizesse um referendo posteriormente para saber se o povo queria a independência ou a integração. Esta posição foi derrotada depois de uma noite inteira de sucessivos empates". Eram seis da manhã quando chegou José Martins, "e ele desempatou, pois defendia a integração e foi este o texto final". Assinada em Bali, foi transmitida pela rádio montada em Balibó", afirma Carrascalão.

Lopes da Cruz não estava lá. De facto, estava mesmo em Balibó e assinou a declaração como presidente da UDT. A integração "foi mais uma tábua de salvação do que uma teoria política. Não havia ninguém para orientar este povo. Houve muitos abusos da UDT, violência, provocações. Cometeram- -se erros de parte a parte. Nós optámos por uma integração com a Indonésia em pé de igualdade", explica Lopes da Cruz, lembrando que hoje é fácil acusar os dirigentes da UDT de irresponsabilidade.

O golpe de dia 11 que inicia a guerra civil, cenário ideal para a Indonésia legitimar a entrada no território, tinha, segundo Lopes da Cruz, uma única intenção "A Indonésia receava um Timor comunista, e se este se tornasse vermelho a Indonésia não ia aceitar. Nós queríamos limpar o País. Mostrar que nem o próprio povo timorense gostava de comunismo. Tinha até uma conotação negativa. Era renegar Deus... e isso o povo não aceitava. Só que a Fretilin ficava cada vez mais radicalizada e nós tínhamos que anular os comunistas."

Ramos-Horta não pensa assim. Aceita que alguns dirigentes da UDT, como João Carrascalão, tivessem esse propósito, mas desconfia que Lopes da Cruz tinha tudo combinado com a Indonésia. "Foi através de Lopes da Cruz que a Indonésia desvirtuou a UDT, minou-a no topo, acabando por influenciar toda a direcção a romper a coligação com a Fretilin em Maio de 1975", diz o actual ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor.

COMUNISMO. O Verão Quente em Portugal também não ajudou nada. Além da carga comunista que chegava ao território, também o governador português, Lemos Pires, encontrava muitas dificuldades para levar por diante o programa de descolonização. "Ninguém em Portugal estava muito interessado nos problemas de Timor. É preciso ver que se trazia de Angola e Moçambique meio milhão de retornados, com tantos problemas políticos de discussão do poder em Lisboa." Dá o exemplo de um episódio quando veio a Lisboa "Fiquei uma noite inteira na Assembleia da República. Ia falar com o almirante Crespo, que tinha lá gabinete. Fui falar com ele e já não saí. Era assim que estava o país...."

A mensagem comunista era cada vez mais forte em Timor. Mário Carrascalão lembra o militar português major Jonatas, que "dizia querer incendiar a carruagem indonésia, começando pela última carruagem, Timor".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt