Estava em casa num domingo soalheiro. Ela mais a filha de quatro anos. A terra decide tremer. Pânico! Corrida para a rua. Num desvio do olhar o mar, mais que o mar. Em toda a linha do horizonte uma parede de água como nunca ninguém viu nem temeu. Pânico! Para onde a salvação? Uns correm, outros conduzem. A multidão aos gritos. O que fazer? Fugir. Na corrida, uma porta aberta de um prédio alto. Ao mesmo tempo o estrondo a onda atira-se à cidade. Subir as escadas do prédio. Água por todos os cantos. Cada degrau seco, o outro atrás já molhado. Uma corrida desigual. Primeiro andar, segundo andar, talvez um terceiro. A memória falha. O primeiro quarto à mão. A água sempre a subir, decisões a tomar, pouco tempo para tanto. Móveis, cadeiras. Mais água. A filha esca- pa-se da mão, vai ao fundo. Onde está? Água louca, remoinhos em volta. Onde está? Ali, não se mexe. Filha! Um grito. Mamã? Uma resposta afinal. No topo dos móveis, um telhado à mão. Com a força que não tinha, um buraco é feito. Uma porta para a vida. Mar em vez da cidade, gente agarrada às palmeiras. Outros à solta na água, sem esperança. Corpos, tantos corpos, tantos quanto a maré de destroços. Depois foi só esperar o mar voltar ao mar, a cidade vazia. Cheia de tanto e de nada. Nellie Silvani, 31 anos, e a pequena Nurur, de quatro. Um testemunho de vida onde a morte pareceu tão certa.