Terror com graça e elegância
Uma das brilhantes estreias que passaram despercebidas nos cinemas portugueses no último ano foi X, de Ti West. Esse filme que nos pôs a olhar para Mia Goth com respeitinho, numa homenagem minimalista a referências do terror (e não só) como Massacre no Texas e Psico, teve direito a uma prequela, realizada no mesmo ano, que acabou por não chegar cá: chama-se Pearl e é um dos grandes destaques desta edição do IndieLisboa (amanhã, 21.45, Cinema São Jorge/dia 5 de maio, 23.00, Cinema Ideal). Ambientado na mesma propriedade rural do Texas onde teve lugar X, Pearl conta a história da vilã idosa desse primeiro filme, investindo no delírio Technicolor e numa certa vivacidade da Hollywood clássica para entrar no mundo solitário da heroína, uma jovem que sonha dançar e tornar-se estrela de cinema, para poder dizer adeus à sua triste existência rústica, com uma mãe tirana e um pai em estado vegetativo, preso a uma cadeira de rodas.
Ti West dá cartas sem precisar de muito mais do que uma mise-en-scène altamente segura e sempre criativa, guiada por uma atriz a 100% no registo (Mia Goth coassina o argumento). Estamos em 1918, ano da pandemia de gripe espanhola, quando ainda decorria a Primeira Guerra Mundial, e deparamos com o espírito alegre e inquieto desta Dorothy Gale alternativa, à procura de Oz, por exemplo, numa sala de cinema, onde alimenta a ilusão de se ver a si própria no grande ecrã. O charmoso projecionista simpatiza com ela e incentiva-a a seguir as suas aspirações, mas não lhe passa pela cabeça que Pearl pode ter sonhos sangrentos...
É também num cinema, onde está a ser exibido Charade (1963), que entra Julia, a protagonista de Watcher (6 de maio, 21h30, São Jorge), uma jovem atriz americana recentemente chegada a Bucareste, para onde o marido empresário foi transferido. Os seus olhos seguem a aflição de Audrey Hepburn nesse filme, mas ao mesmo tempo estão atentos aos espectadores que entram na sala escura: desde há alguns dias que ela sente na pele uma espécie de ameaça, e nessa tarde o seu medo ganha outras proporções.
Watcher é a primeira obra de Chloe Okuno, uma abordagem elegante e deleitosamente antiquada do género do thriller, que a dada altura desliza para uma nota intensa de terror. A razão da paranoia crescente de Julia (interpretada por Maika Monroe) tem que ver com a silhueta estática de um homem numa janela do prédio da frente, que começa a misturar-se com notícias de assassinatos nas redondezas e a sensação de estar a ser perseguida. Ela estará mesmo a ser observada ou será a própria observadora? O título aponta para essa duplicidade, jogando de forma inteligente com a ideia da Janela Indiscreta de Hitchcock, enquanto explora outros aspetos dramáticos, como a língua romena que Julia não domina e a deixa de fora de algumas conversas, ou o marido racional e bem-intencionado que "não a consegue ajudar". Pela realização de Okuno, que espelha o batimento cardíaco da heroína, vamos absorvendo todos os sinais de perigo, primorosamente trabalhados em espaços fechados ou a céu aberto. Um must.