A partir de 1 de janeiro de 2022, entrou em vigor uma nova lei que, modificando o Código do Trabalho, veio estabelecer o regime do teletrabalho, em função da necessidade de atualização e densificação das regras legais aplicadas a este modo de prestar trabalho, necessidade essa que se fez sentir especialmente durante a pandemia de Covid-19..Esta nova regulamentação legal tem suscitado uma série de dúvidas no que concerne à sua aplicação prática, dúvidas essas que, na sua grande maioria, resultam do facto de o ímpeto legislativo ter revestido um caráter notoriamente favor laboris. A designada "lei do teletrabalho" criou, efetivamente, um novo paradigma no que toca às condições em que o trabalho pode ser prestado à distância, prevendo, nomeadamente, a necessidade de um acordo para a prestação de teletrabalho que defina o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial. Este último vem comummente designado como "regime híbrido de teletrabalho"..Ora, uma das grandes questões que não encontra resposta na lei é saber o que sucede quando o trabalhador incumpre, sem razão justificativa, o regime de alternância fixado no acordo para prestação de teletrabalho. Vamos a um exemplo: suponha-se que um dado trabalhador está obrigado a prestar, semanalmente, dois dias de trabalho em regime presencial e três dias em regime de trabalho à distância (teletrabalho). Este trabalhador, numa determinada semana, decide, motu proprio, prestar funções em regime de teletrabalho durante cinco dias, feito que repete mensalmente. Interpelado pela entidade empregadora não apresenta nenhuma razão legítima para a ausência nos dias em que era suposto encontrar-se presencialmente nas instalações da empresa. Como pode a entidade empregadora enquadrar este incumprimento do acordo de teletrabalho?.A primeira tentação, até de ordem prática, seria considerar que a ausência do trabalhador do local de trabalho no horário fixado importaria a existência de uma falta injustificada. Porém, não é líquido que assim seja ou, sequer, deva ser. Realmente, oferece dúvidas considerar que existiu uma violação do dever de assiduidade, importando a perda de retribuição, quando, apesar da ausência no local de trabalho designado para aquele dia, o trabalhador tenha, ainda assim, efetivamente prestado as suas funções durante a jornada de trabalho, mas à distância..Não obstante o silêncio da lei, parece que esta questão se enquadra melhor, em termos gerais, na violação, pelo trabalhador, de uma das pedras angulares do contrato de trabalho: o dever de obediência..De facto, qualquer entidade empregadora encontra-se munida de um poder diretivo, o qual lhe permite, entre outras, as possibilidades de determinar o modus da execução de funções e conformar a própria prestação. Daí resulta que a entidade patronal esteja investida numa posição de autoridade, e constituída no direito de orientar, programar, dirigir e fiscalizar a prestação do trabalho pelo trabalhador. Nem de outro modo poderia ser, sob pena de a entidade empregadora não lograr responder à necessidade de manutenção do bom funcionamento da empresa, por não poder reagir a condutas dos trabalhadores que coloquem em causa a boa e sã execução dos respetivos contratos de trabalho..Com efeito, a violação do dever de obediência é, creio, o busílis da questão num exemplo como o avançado. O trabalhador viola uma diretriz perfeitamente legítima emanada pela entidade empregadora, a qual consta do próprio corpo do acordo para prestação de teletrabalho, e que se traduz na obrigatoriedade da sua presença física no local designado em determinados dias da semana..Aliás, é a própria lei que salienta a importância de, mesmo no regime de teletrabalho permanente, garantir que o trabalhador não se queda dessocializado, sem quaisquer contactos com a empresa, com os colegas e com os superiores hierárquicos. Nesta medida, a lei obriga, como instrumento de proteção do teletrabalhador, que e entidade empregadora diligencie no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores. Salvo melhor opinião, não pode o teletrabalhador furtar-se a esta comparência física nas instalações da empresa, por mais que prefira a execução da prestação laboral totalmente à distância..As entidades empregadoras que adiram ao regime do teletrabalho, em regime permanente ou híbrido, devem, pois, manter-se especialmente atentas e vigilantes, garantindo que os seus trabalhadores comparecem fisicamente nas empresas quando a tal estejam obrigados, ora por força do acordo de prestação de teletrabalho, ora por decorrência direta da lei. Quando assim não suceda, os empregadores têm de, proativamente, lançar mão do seu poder disciplinar, sancionando aqueles que incumpram os seus deveres, de modo a evitar que uma lacuna legislativa se transforme numa verdadeira oportunidade para aqueles trabalhadores que pretendem extremar a flexibilidade trazida pela implementação de um regime híbrido de teletrabalho..Advogado especialista em Direito do Trabalho