Entre 1956 e 1959, enquanto trabalhava no filme O Meu Tio (1958), Jacques Tati escreveu, com o seu colaborador Henri Marquet, um argumento sobre um ilusionista na fase descendente da carreira, que anda de cidade em cidade à procura de sítio onde o contratem para actuar. Numa cidadezinha escocesa em que arranjou um canto para mostrar os seus truques, o ilusionista conhece Alice, uma rapariguinha que fica fascinada por ele e acredita que a sua magia é real. Alice segue o ilusionista para Edimburgo, onde passa a cuidar dele e da casa onde mora, criando-se entre ambos uma relação semelhante à de um pai com uma filha. .Tati terá escrito o filme com a ideia de o interpretar, dando o papel da rapariguinha à sua filha Sophie e situando a acção em Paris e Praga. O projecto nunca se concretizou, e depois da morte do autor de As Férias do Senhor Hulot, em 1982, o argumento foi arquivado, com o espólio, no Centre National de la Cinématographie, com o título Film Tati N.º 4. .Segundo Sylvain Chomet, o realizador da aclamada animação Belleville Rendez-Vous, que transformou o argumento inédito de Tati na longa-metragem animada O Mágico (estreia-se hoje), "a história era toda sobre a inelutável passagem do tempo e compreendo completamente porque é que ele nunca a filmou. Estava muito perto dele, lidava com coisas que ele conhecia bem, e epreferiu esconder-se por trás da máscara do Sr. Hulot (...). Ele até disse que O Mágico era um assunto sério demais para Hulot e preferiu ir trabalhar em Playtime". .Chomet chegou ao argumento quando precisou de imagens de Há Festa na Aldeia para utilizar em Belleville Rendez-Vous e entrou em contacto com a filha de Tati, Sophie Tatischeff. Esta pediu para ver imagens e desenhos do filme de Chomet, gostou e mencionou ao realizador a existência de um argumento inédito, sugerindo que o cinema animado seria o veículo ideal para a história, já que não queria ver um actor de carne e osso interpretar o ilusionista, por este ter os traços do seu pai. Sophie morreu antes da antestreia de Belleville Rendez-Vous no Festival de Cannes de 2003, mas os curadores do espólio de Tati, Jérome Deschamps e Macha Makaieff, entregaram o argumento a Sylvan Chomet ("as jóias da família", como este o classificou). .O realizador decidiu mudar o local onde a história decorre, de Paris e Praga para Paris e Edimburgo, cidade onde, com a mulher Sally, Chomet tem o estúdio. Esta foi a única alteração de fundo que fez ao argumento de Tati, que definiu como sendo "não um romance, mas muito mais sobre a relação entre um pai e uma filha". Em vez de sucumbir à tentação de filmar O Mágico em animação 3D digital, optou pela animação tradicional, com intervenções digitais "invisíveis". Como explica, "a força da animação 2D é que tem vibração e é imperfeita, como a realidade. As imperfeições são importantes quando lidamos com uma história com personagens humanas. Ajuda ao realismo, torna-o mais poderoso". E foi assim que, quase 30 anos após a morte, Jacques Tati ressuscitou sob forma animada nas imagens de O Mágico.