Em congresso realizado no mês passado no campo de refugiados de Dahkla, na Argélia, os mais de 2200 delegados da Frente Polisario reelegeram como secretário-geral Brahim Gali que é, por inerência, líder da autoproclamada República Árabe Sarauí Democrática..Mais importante do que a eleição, uma vez que o seu concorrente não representava uma corrente alternativa, foi a realização do próprio encontro, cujo lema foi "Intensificar a luta armada para expulsar o invasor e alcançar a soberania". Uma prova de vida de um movimento que, face ao apoio dado a Marrocos pelo chefe do governo de Espanha - o atual ocupante de parte do Sara Ocidental e o antigo colonizador - se mostra mais isolado internacionalmente..Em novembro de 2020, em resposta a uma operação militar marroquina que tomou a zona tampão de Guerguerat, no sudoeste do Sara Ocidental, Brahim Gali considerou nulo o acordo de cessar-fogo em vigor desde 1991..Sara Ocidental. O reacender de um conflito aqui ao lado.De então para cá, a Frente Polisario diz fazer incursões diárias contra o exército do Reino de Marrocos, que ocupa 80% do território do Sara Ocidental e ergueu um muro com 2700 quilómetros de extensão. Em contrapartida, a resistência saraui lamenta que drones de Rabat tenham matado 24 civis..Que pode a Frente Polisario fazer perante um exército muito mais numerosos e equipado? "Temos a vontade de resistir, e isso é fundamental", diz o representante da Frente Polisario em Portugal, Omar Mih. "Temos os instrumentos para resistir. Já o demonstrámos em momentos de muita debilidade e de pouca organização", recorda. "Estamos a adaptar-nos", assegura, perante o grito de guerra que a Frente Polisario afirma ter dado na sequência de "um apelo à luta armada" por parte de todos os setores do povo, em especial dos mais jovens..No campo diplomático, Omar Mih releva que "o Conselho de Segurança da ONU tem de assumir a sua responsabilidade" e investir na procura de uma solução. "A melhor, a legal e a que foi aceite pelas duas partes é realizar o referendo de autodeterminação", uma solução que Rabat deixou cair desde o recenseamento eleitoral levado a cabo pela Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental, em 2000..Sete anos depois, Marrocos apresentou uma proposta de autonomia para os sarauis - uma iniciativa que recebeu há meses o apoio do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, englobado num movimento de reaproximação entre os dois países.."Portugal tem uma responsabilidade. Devia pressionar muito Espanha e o atual primeiro-ministro - e não digo o governo porque não há unidade no governo", afirma. O congresso da Frente Polisario classificou de "vergonhosa"a posição de Sánchez.."Tomou uma posição quase clandestina porque o próprio governo, as cortes e os espanhóis souberam da mudança através de uma carta enviada ao rei Mohammed VI", diz Mih. "Espanha tem uma responsabilidade política e moral, porque é a potência administradora do território, e tem de respeitar os seus interesses", continua, afirmando não conseguir compreender o líder socialista. "Que interesse tem Espanha em assumir uma posição ilegal?".O escândalo de corrupção no Parlamento Europeu, que começou por ser chamado Qatargate, mas que as investigações das autoridades belgas cedo levaram a renomear para Marrocosgate, levam os sarauis a depositar esperança de que os holofotes acabem por se virar para a sua causa. "Quando há transparência os sarauis ficam a ganhar", comenta Mih..O caso, que poderá vir a ter desenvolvimentos, expôs uma rede de corrupção que comprou influência, fosse para obter acordos de pesca em águas do Sara Ocidental, fosse para obter silêncio sobre os abusos de direitos humanos, ou sobre o uso do software de espionagem Pegasus por Marrocos - que terá vigiado Pedro Sánchez e a ministra da Defesa Margarita Robles..Segundo o Politico, o mandado de detenção do eurodeputado Andrea Cozzolino, emitido no dia 10, explicita a tentativa de Rabat influenciar a posição do Parlamento Europeu sobre o Sara Ocidental e indica os nomes de dois operacionais marroquinos: o espião Mohamed Belahrech, nome de código M118, e o embaixador Abderrahim Atmoun..cesar.avo@dn.pt