Os homens do Montalegre: "Somos irmãos fora do estádio. Aqui eu sou o presidente e ele é o mister"
Mora em Trás-os-Montes, a menos de dez quilómetros da fronteira com Espanha, o único resistente do Campeonato de Portugal na Taça. O Montalegre, que apenas por uma vez tinha estado presente na terceira eliminatória, esta época não só conseguiu chegar à quarta como já garantiu o bilhete para a quinta, em que estarão em competição apenas 16 equipas. Tudo começou com uma derrota em casa, ante o vizinho Pedras Salgadas (2-3), mas a repescagem no sorteio da 2.ª eliminatória tratou de recolocar os transmontanos na prova rainha do futebol português. A sorte grande saiu esta sexta-feira: o clube vai receber nos oitavos-de-final o Benfica.
A vitória caseira sobre o Águeda no domingo (1-0) e a escassez de tombas-gigantes geraram um entusiasmo baseado no muito provável duelo com uma equipa de I Liga, que soube-se esta sexta-feira ser o Benfica. O presidente dos barrosões, Paulo Reis, 37 anos, fala em "apenas meia festa" ao DN. "Deixámos a outra metade da festa para quando eliminarmos um grande", acrescentou, bem-disposto, apelidando este de "o momento mais alto da história do Montalegre" e com vontade de imitar o Caldas, que na época passada só caiu nas meias-finais: "O sonho comanda a vida e queremos ir o mais longe possível, mas sabemos que é extremamente difícil, porque só ficámos nós e duas equipas da II Liga (Leixões e Paços de Ferreira). Queremos ser uma surpresa, um tomba-gigantes."
O entusiasmo é partilhado pelo irmão mais velho, José Manuel "Viage", 47 anos, treinador da equipa há quatro anos interruptos, depois de passagens anteriores pelo clube e de o ter representado também enquanto jogador. "Foi o jogo com mais significado e importante da história do Montalegre, um dia de muita euforia e festa, um grande momento. Já tinha sido a primeira vez que passámos a quarta eliminatória, agora então... fizemos história! A equipa teve um comportamento fantástico e conseguimos eliminar uma equipa, o Águeda, que vinha com o mesmo pensamento de passar. As pessoas de Montalegre estão felizes, não estavam habituados a ver o clube numa fase tão adiantada da Taça de Portugal. A equipa sentiu o impacto nacional do que fez", atirou em conversa com o DN, ainda que pedindo foco na "prioridade" campeonato aos seus jogadores.
Se o mano mais novo diz que ainda só houve "meia festa", o mais velho diz que "isto é só início". "Não vamos querer ficar por aqui, independentemente do adversário. Podemos fazer algo ainda mais bonito", assumiu, considerando ser uma responsabilidade "defender o Campeonato de Portugal", o terceiro escalão do futebol nacional. "Há muitas equipas, jogadores e treinadores com qualidade. As equipas da I Liga sentem muitas dificuldades em eliminar as equipas do Campeonato de Portugal, como se viu com o Sp. Braga, que ganhou nos minutos finais ao Praiense, que deu uma boa replica", avisou.
Depois de décadas mergulhado entre a III Divisão e os distritais de Vila Real, o Montalegre está a pouco mais de três semanas do jogo mais importante da sua história, aconteça o que acontecer no sorteio desta sexta-feira. O presidente espera que o adversário seja "um dos três grandes" e adianta que o Benfica é o clube com mais impacto na região. O treinador, por sua vezes, só pede para que duas coisas aconteçam: jogar em casa e não defrontar o vizinho Desp. Chaves.
"Seria um dérbi e criaria alguma rivalidade devido à proximidade, mas honestamente não gostava de receber o Desp. Chaves. Gostava que recebêssemos outra equipa, que tivesse mais impacto. Costumamos jogar com o Desp. Chaves na pré-época, as pessoas já estão habituadas. Gostava que fosse diferente e que os associados pudessem ver uma equipa que nunca tivesse jogado em Montalegre", explicou, sem preferências quanto a adversário.
"Não penso em nenhuma equipa. Se pensasse pelos adeptos, associados, pela vila e até pelos jogadores, trazer aqui um dos três grandes teria um impacto enorme. Temos preferência em jogar em Montalegre. Se queremos competir, criar impacto e que falem de nós, temos de eliminar uma equipa da I Liga. É um desafio à nossa medida. Se formos jogar ao Dragão, à Luz ou a Alvalade, se calhar as nossas hipóteses são de cinco por cento, mas são cinco por cento e iremos lutar por eles. Vamos aceitar quem sair e depois vamos ver se temos ou não capacidade para poder passar mais uma eliminatória. Sei o que o resto das equipas pensa: estão todas a esfregar as mãos para que lhe saia o Montalegre, porque pensam que é o elo mais fraco. Aceitamos isso, mas não vamos derrotados para o campo", prometeu, confiante e ambicioso, até na possível vistoria por parte da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ao Estádio Dr. Diogo Vaz Pereira: "Temos condições para receber qualquer jogo. Se vier cá uma equipa grande, ainda teremos de reunir algumas condições, mas acredito que com o apoio da autarquia o jogo seja mesmo em Montalegre. As pessoas já estão avisadas, atentas e sabem o que têm de fazer. Não tenho dúvidas de que não vão deixar escapar uma oportunidade dessas. Montalegre nunca recebeu um grande."
Há muitos anos ligados ao Centro Desportivo e Cultural de Montalegre, os irmãos José Manuel "Viage" e Paulo Reis colocam de parte os laços familiares quando se trata do clube da vila transmontana. "Somos irmãos fora do estádio. Dentro do estádio, eu sou o presidente, ele é o mister, e quando assim é as coisas são fáceis de resolver. Entendemo-nos perfeitamente. Fora do estádio, deixamos o futebol um bocado de lado e só falamos de situações que sejam mesmo urgentes", explica o dirigente, que admite não ter grandes problemas se um dia tiver de despedir... o irmão mais velho. "Quando corre mal, corre mal para toda a gente, mas sabemos que sobra sempre para os treinadores. É assim no Benfica, FC Porto ou no Real Madrid. Não é que a culpa seja toda deles, mas o futebol é mesmo assim. Não fugimos à regra, o futebol já foi inventado há muitos anos", vincou, garantindo que "os jogadores não irão ficar sem prémio" pela passagem aos oitavos de final.
Ainda assim, o treinador que herdou a alcunha "Viage" do pai e a utiliza desde tenra idade, tem razões para dormir descansado. "Estamos tranquilos, ele tem feito um bom trabalho e chegou ao clube ainda não era eu o presidente. As coisas têm corrido bem e com ele já fomos campeões distritais sem derrotas e vencemos a Taça AF Vila Real", salientou o mano mais novo.
Quando questionámos José Manuel "Viage" sobre a melhor hora para lhe telefonar, a resposta foi reveladora de que o profissionalismo tinha chegado ao 9.º classificado da Série A do Campeonato de Portugal: "Às 11.30, a seguir ao treino. "Ainda que haja "um ou outro jogador que têm part times", como o enfermeiro Vítor Pereira e outros nas áreas da informática e fisioterapia, "toda a gente vive do futebol".
"Os comportamentos são de equipa profissional. Treinamos de manhã às segundas, quartas, sextas e sábados. Só não nos podemos considerar profissionais porque a nível de salários as coisas são mais complicadas", contou o treinador, que considera ter ao seu dispor uma equipa que "já tem alguma maturidade", alicerçada em futebolistas como o central Vítor Alves, que na época passada subiu com o Santa Clara à II Liga; Vítor Pereira e João Fernandes, ambos ex-Desp. Chaves; e Paulo Roberto, que já jogou em clubes como Belenenses, Penafiel e Freamunde nas ligas profissionais. No entanto, é o adjunto Ricardo Chaves o que tem o currículo mais preenchido, tendo conquista Taça de Portugal e Taça da Liga ao serviço do Vitória de Setúbal. "Foi jogador, tem experiência e ajuda os jogadores num ou noutro momento. Tem carisma e está a ajudar-me. É o meu braço-direito", descreveu José Manuel "Viage".
Porém, a profissionalização não se esgota na equipa principal. "Temos vindo a modernizar o clube e a crescer e queremos melhorar ainda mais", assegura Paulo Reis, "dotar o clube de infraestruturas para que nada falte aos atletas". "Queremos criar condições para num futuro próximo possamos sonhar com uma subida à II Liga. Sabemos que é extremamente difícil e temos que nos preparar para dar esse passo. Estamos a ir pelo caminho certo. O objetivo sempre foi fazer mais e melhor, e neste caso é subir a outro patamar. Quando há dois anos estávamos nos distritais, queria mais e melhor, que era subir ao Campeonato de Portugal e estabilizar o clube nesta divisão. É extremamente difícil, mas vamos à luta", prometeu o líder barrosão, com vontade de reforçar a presença de Trás-os-Montes no mapa das ligas profissionais.
Notícia publicada no dia 27 de novembro e atualizada esta sexta-feira após serem conhecidos os jogos da Taça de Portugal.