O propósito era investir no ADN da família e isso está a revelar-se uma aposta ganha e de futuro promissor. As raízes rurais da família, a nostalgia de África, onde viveu até quase aos 20 anos, e a vontade de possuir uma terra que fosse sua ditaram que, em 1997, o gestor Alexandre Relvas adquirisse a Herdade de São Miguel, em pleno coração do Alentejo, mais concretamente no Redondo.«A minha actividade é mais urbana e industrial, mas venho de uma família com fortes ligações à agricultura e à pecuária. O meu pai é médico veterinário, o meu avô era engenheiro agrónomo e sempre tivemos, em termos de família, uma actividade ligada à agricultura. Eu quis manter essa tradição, dando seguimento ao que vinha sendo feito pelas gerações dos meus pais e dos meus avós», explica o administrador da Logoplaste, empresa líder no ramo das embalagens rígidas de plástico.«Por outro lado, sou uma pessoa que veio de África, como cerca de setecentos mil portugueses, já de segunda e terceira geração, e queria ter um espaço que me identificasse, que fosse a minha terra em Portugal. Foi quando encontrei esta herdade no Redondo pela qual me entusiasmei mal a vi e para a qual pensei, desde o primeiro momento, desenvolver dois projectos.» Aos aspectos mais emocionais desta aposta, Alexandre Relvas nunca deixou de aliar a componente empresarial. Adquirida a propriedade de 175 hectares, o primeiro grande projecto passou pela área florestal, que hoje ocupa 97 hectares de toda a propriedade. Sobreiros, azinheiras e pinheiros dominam a paisagem da Herdade de São Miguel, completada pelos 35 hectares de vinha, o segundo projecto de investimento gizado pelo empresário.«Como tenho uma vida muito preenchida na minha actividade profissional e empresarial, queria que este fosse um projecto que me permitisse rendibilizar a herdade e equilibrar-lhe as contas, mas que não me exigisse um trabalho diário, por isso pensei nos sobreiros que é um projecto a quarenta anos até se ter a primeira colheita de cortiça», argumenta, explicando a segunda vertente do investimento: «Além do projecto florestal, procurei também a interligação com pessoas da terra. A profunda tradição do Redondo em termos de vinhos fez que iniciássemos um projecto vinícola.» Se a aposta no souto foi inicialmente deliberada, a vinícola foi ganhando força ao longo do tempo e grande impulso quando o filho mais velho do empresário, também ele de nome Alexandre, assumiu a gestão da herdade. «Hoje tenho o enorme prazer de ter já um filho, que se formou em Viticultura e Enologia, a dar seguimento ao projecto, pelo que vamos ter mais uma geração na família ligada à agricultura e aos vinhos», diz com orgulho o CEO da Logoplaste.VinhoE se o projecto florestal só daqui a três décadas começará a dar rendimento, os vinhos são hoje o motor e o grande factor de crescimento da Herdade de São Miguel.Tudo começou com a plantação de dez hectares de vinha em 2001, não havendo intenção, na altura, de aumentar essa área. Porém, «depois plantámos mais hectares e sentimos que se ficássemos apenas pela plantação de uva ficávamos a meio da ponte, mas quisemos atravessar a ponte toda, o que passava pela construção de uma adega e pela produção de vinho», lembra o empresário.Dois anos após a primeira plantação de vinha, a Herdade de São Miguel produziu as primeiras trinta mil garrafas, um número que hoje é substancialmente superior: um milhão e trezentas mil garrafas. E o desafio para a família Relvas é atingir dentro em breve os dois milhões e meio de garrafas.«Foi um projecto em que tivemos sorte e que se afirmou significativamente... Temos uma situação financeira equilibrada, continuamos com a ambição de crescer e estamos a fazer novos investimentos em termos de expansão da nossa capacidade, além de mantermos o projecto florestal», diz. Começou em 2001 com o investimento no sector dos vinhos, hoje um projecto rendível e sustentável: todos os anos tem apresentado resultados positivos. «Desde há três anos que não tenho tido que fazer novos investimentos para reforçar os já feitos. Chegámos ao milhão e trezentas mil garrafas e queremos saltar para um patamar em que atinjamos dois milhões e meio, mas para tal vamos ter de fazer um investimento na expansão de capacidade produtiva. Hoje vivemos de forma equilibrada, do ponto de vista económico e financeiro.»O filho Alexandre, que assumiu a gestão da herdade em 2006, depois de ter cursado Viticultura e Enologia em Bordéus (França), recorda que a estratégia inicial passava apenas pela produção de vinhos topo de gama. «Era a nossa estratégia ao princípio, mas entretanto mudámos de estratégia e passámos a abranger todos os tipos de consumidor, ou seja, produzimos vinhos de topo de gama e de entrada de gama. Decidimos fazer uma coisa que hoje é uma das nossas grandes mais-valias, que é fazer topos de gama dentro de todo o tipo de vinhos», explica. E dá um exemplo: «Os nossos vinhos abaixo de dois euros são topo de gama na categoria, estão seguramente no top 10 dos vinhos portugueses que podem encontrar-se a esse preço. Conseguimos não perder o brio de ter vinhos outstanding, ou seja, vinhos topo de gama que se batem com os melhores vinhos portugueses. Isto não é a minha opinião, são as distinções que temos recebido que o provam.»Quando foi decidido alterar a estratégia, a Casa Agrícola Alexandre Relvas (CAAR) alargou a área de vinha e estabeleceu contratos com viticultores da região para a aquisição de uva. Hoje, a CAAR gere 95 hectares de vinha (35 hectares de vinha própria a que se juntam mais sessenta hectares da Herdade da Pimenta, também gerida pela família Relvas), comprando ainda uvas de perto de mais cem hectares. A perspectiva de crescimento e o sucesso dos primeiros vinhos levaram a CAAR a apostar na construção, alargamento e modernidade da adega. «A nossa é bastante funcional... Para ter sucesso neste ramo não se pode ter luxos no início. A adega foi construída da forma mais moderna, simples e barata possível», diz Alexandre Relvas filho. O investimento na adega já ascende a dois milhões de euros, tendo começado em 2003, aquando da primeira vindima, com apenas quatro cubas. Actualmente tem mais do dobro. A adega é totalmente de inox, à excepção das barricas de madeira, onde estagiam os vinhos topo de gama.ExportaçãoFruto destas condições, o volume de negócios da CAAR tem crescido exponencialmente, tendo registado, em 2010, os 2,5 milhões de euros, um aumento de setenta por cento.«Em ano de crise crescer setenta por cento é bom em qualquer empresa», diz Alexandre Relvas filho. A estratégia de exportação está na base do percurso positivo dos vinhos da Herdade de São Miguel. «Temos a sorte de a estratégia de internacionalização, que foi por nós desenhada, estar a dar frutos. Acontece que trabalhamos a partir de um mercado em crise para mercados que, na maioria, não estão em crise, como o Brasil, Angola e Polónia, que é um dos principais mercados onde a crise não chegou, e ainda a Bélgica, que é o nosso maior mercado, os Estados Unidos, um país que, embora tenha estado em crise, é um mundo, e ainda para a Holanda, Inglaterra, Rússia...»Hoje, mais de metade da produção da CAAR é para o mercado externo, o que tem possibilitado à empresa continuar a crescer: «Fechámos o ano com 58 por cento do volume de garrafas e 65 por cento de facturação. Vendemos mais caro e mais garrafas lá para fora do que vendemos para Portugal.»Pai e filho mostram-se unidos no propósito de fazer crescer a CAAR com base nas exportações. «A aposta de futuro da CAAR é chegar aos dois milhões e meio de garrafas produzidas e vender cerca de 75 por cento para exportação. Penso que podemos atingir estes objectivos nos próximos quatro, cinco anos...», diz o filho Alexandre. O pai concorda: «Há segmentos da agricultura com elevado potencial e que são competitivos internacionalmente, como o caso do vinho, um sector que se tem afirmado. Portugal tem vindo a ganhar notoriedade nos vinhos e empresas como a nossa exportam mais de metade da produção. Nós já exportamos praticamente sessenta por cento e sentimos uma significativa receptividade internacional aos nossos vinhos, por isso pensamos que podemos continuar a crescer.»Tendo investido no sector agrícola quando este estava a ser abandonado por muitos portugueses em troca de dinheiros vindos da Europa Comunitária, Alexandre Relvas defende o investimento na vinha e no vinho como uma actividade com elevado potencial. No entanto, deixa uma ressalva: «Este é um sector em que vale a pena investir. Houve, de facto, muito abandono de terra, mas acho que há determinados produtos tradicionais, nomeadamente a vinha, a floresta e as oliveiras, com potencial de rendibilização significativo... Mas é um investimento que tem de ser feito com a ideia clara de que é muito exigente no que respeita a capitais próprios. A banca está pouco disponível para apoiar investimentos neste sector porque tem a imagem de que é um sector em decadência e porque os retornos são a médio e longo prazo. É preciso estar preparado para pensar que são investimentos que começam a ter retorno a sete, oito anos. Se se tiver estas duas realidades em linha de conta, os projectos nesta área são tão rendíveis como os projectos industriais.»A provar esta realidade estão os cinco milhões de euros que Alexandre Relvas já investiu na CAAR, entre a compra de terra, plantação de vinha, direitos de plantação de vinha, construção da adega e lançamento das marcas.SatisfaçãoCatorze anos passados sobre a aquisição da Herdade de São Miguel e uma década sobre a aposta na vinha e no vinho, o empresário fundador do movimento Compromisso Portugal, um think-tank que pretende promover a discussão do modelo económico-social do nosso País, diz-se bastante satisfeito com a aposta que fez na herdade alentejana: «Estou muito satisfeito, porque de um projecto pessoal passou para algo familiar. Todos os meus filhos têm um entusiasmo enorme pelo Alentejo, em particular os dois mais velhos, que têm vivido mais próximo, e muito especialmente o meu filho Alexandre, que vai dar seguimento ao que estamos a fazer. Para uma pessoa como eu, que me sinto a transportar a herança do meu pai e do meu avô, no que respeita à tradição de investimento e de trabalho na agricultura, dá-me uma enorme satisfação.» Mas para o empresário, cujo dia-a-dia é passado em ambiente urbano e industrial, há uma faceta da ruralidade que o deixa fascinado. «O Alentejo é único, é um espaço profundamente marcado pela história e tradições. O melhor de Portugal é no campo que se encontra...» É ali, diz, que estão as suas raízes e com o trabalho na agricultura sente-se próximo dessas raízes e dessa identidade. «Isso dá-me uma enorme satisfação, tal como poder beneficiar da gastronomia que se foi mantendo ao longo de centenas de anos, poder pensar na próxima adega com base na arquitectura tradicional alentejana, poder beneficiar, nas nossas festas, dos cantares alentejanos... São todas estas realidades que continuamos a sentir e que beneficiam quem está ligado à agricultura», diz, acrescentando que a herdade, logo a seguir à família, desempenha um papel muito importante na recuperação do desgaste do exigente quotidiano.Sobre o papel do pai Alexandre na afirmação e crescimento da CAAR e dos seus vinhos, o filho homónimo não tem dúvidas: «É o big boss e tem um papel fundamental nos lotes, porque traz-nos o gosto do consumidor. É uma pessoa que bebe vinho mas que não é enólogo, sabe se gosta ou não do que está a beber e porquê, o que é muito importante para os enólogos. Ele tem um papel fulcral na escolha dos lotes e no apoio financeiro que deu, ao início, a este projecto. Mas também na gestão do dia-a-dia, com as ideias para os rótulos e para desenvolvimento de novos produtos... É uma pessoa que tem uma experiência e um dote especial para gestão de empresas e que traz sempre coisas novas.»MarcasHerdade de São Miguel, Montinho de São Miguel, Ciconia, São Miguel dos Descobridores e São Miguel das Missões são as cinco marcas produzidas e comercializadas pela Casa Agrícola Alexandre Relvas (CAAR), sendo a primeira a mais conceituada e, por sinal, a primeira a surgir.«No que respeita a vendas, o Ciconia destaca-se, mas em termos de qualidade e prazer de fazer é a gama Herdade de São Miguel, sobretudo o Reserva, e todos os demais vinhos monocasta que engarrafamos todos os anos», revela Alexandre Relvas filho.Desde 2007, com especial destaque para o ano de 2008, os vinhos produzidos pela CAAR na Herdade de São Miguel acumulam prémios nacionais e internacionais, algo que o viticultor atribui, em grande medida, «às virtudes da equipa e do espírito can do, ou seja, do tudo é possível».Nuno Franco (director-geral) e Ana Paula Tordo (Departamento de Produção) destacam-se numa equipa que atinge, em certas alturas, as vinte pessoas, que da plantação da vinha ao engarrafamento fazem e disponibilizam os vinhos que Alexandre Relvas define como «fáceis de compreender, que o consumidor em geral gosta, mas que não são cansativos, porque ao mesmo tempo não são sempre iguais».PERFILGestor e políticoAlexandre Carlos de Mello Vieira Costa Relvas, de 53 anos, nasceu em Luanda e veio para Portugal com os pais pouco antes de atingir a maioridade, no grande êxodo das ex-colónias. Licenciado em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa, este pai de quatro filhos tem preenchido a sua vida com actividades no campo dos negócios, da política e do ensino.Na Universidade Católica desenvolveu actividade académica até 1991, tendo como estudante sido monitor de Estatística e, mais tarde, assistente de Introdução à Gestão e de Gestão Financeira e ainda encarregado de curso de Instituições e Mercados Financeiros. No meio empresarial, Alexandre Relvas foi um dos fundadores e administrador, de 1986 a 1990, da Interfinança - Sociedade Gestora de Patrimónios (integrada depois no Grupo BCP), tendo acumulado com um lugar na administração da Interfundos - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, do Grupo BCP. Entre 1986 e 1988 foi administrador não executivo da Litho - Formas Portuguesa. Foi ainda accionista fundador e administrador da Fonsecas & Burnay, Sociedade Gestora de Patrimónios (hoje integrada no Grupo BPI), de 1990 a 1991.Nesse ano de 1991 interrompeu a sua actividade empresarial e assumiu as funções de secretário de Estado do Turismo, no XII Governo Constitucional, o último liderado por Cavaco Silva.Alexandre Relvas é militante do PSD, tendo integrado a Comissão Política Nacional daquele partido em 1998 e 1999. Mais recentemente foi director de campanha de Cavaco Silva nas eleições presidenciais de 2006. Entre 2007 e 2010, foi presidente do conselho de administração do Instituto Francisco Sá Carneiro.É CEO da Logoplaste - Consultores Técnicos, SA, desde 1996, sendo ainda accionista e administrador da Norfin - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário. A Casa Agrícola Alexandre Relvas é o investimento empresarial mais familiar de todos, à frente do qual já está a ser lançado o filho mais velho, que partilha o nome com o pai.Integra, desde 2004, o grupo de fundadores do movimento Compromisso Portugal, que pretende promover a reflexão sobre o presente e o futuro do país.