Estamos numa floresta gelada. Pelos riachos passam dois veados. Fitam-se, mais tarde perseguem-se. A realidade leva-nos para um matadouro na Hungria, arredores de Budapeste. Sonho e realidade. Mas a realidade vai encontrar-se com os sonhos. Gabor, o responsável financeiro do matadouro, homem desencantado, perto dos 60, conhece Maria, a responsável pelo controlo de qualidade, mulher jovem, de beleza enigmática e de uma timidez dilacerante. A dada altura percebem que coexistem no sonho um do outro. Sonham com veados e talvez estejam apaixonados. A sinopse poderia sugerir cinema metafísico armado aos cucos, mas nas mãos de Ildikó Enyedi torna-se um "agrada-multidões" imediato..A grande surpresa do Festival de Berlim vale sobretudo por ter uma qualidade literária muito justa. Não é inspirado em nenhuma grande obra literária, mas tem um imaginário de literatura pura, capaz de nos fazer envolver com uma exploração dos limites do onirismo..E o olhar da cineasta não se afasta também de uma excentricidade única, tão perto dos sensores da beleza mais siderante como dos horrores mais sanguíneos. São imagens que misteriosamente nos penetram, sem me- dos. Ao mesmo tempo, é um relato da Hungria dos nossos dias, da Hungria danificada. Por isso mesmo, é um filme tão dentro dos sonhos como dos pesadelos, elegendo a sensualidade feminina como motor de busca. Um filme-fábula sofisticado sobre a comunicação entre homem e mulher. E tem uma atriz descoberta suprema, Alexandra Borbély, antiga aluna de Enyedi..Outro dos filmes do ano a chegar-nos para o sapatinho. Teremos sempre aquela floresta mágica para marcarmos encontro nos nossos sonhos mais estranhos.