Despedimentos? "Temos de estar preparados para o pior"
O governo não quer injetar mais dinheiro no Novo Banco (NB). Os bancos já se comprometeram a substituir o Estado no empréstimo ao fundo de resolução?
O que está em causa neste momento é o que pode suceder no caso de, nos termos contratualmente ajustados, haver necessidade de o fundo de resolução fazer nova contribuição ao abrigo do mecanismo de capital contingente. Está previsto na lei que antes de o fazer seja feita uma auditoria ao NB e à sua gestão a propósito de cada uma dessas entradas. Estamos a avaliar se há condições para, como antes, o Estado fazer um empréstimo ao fundo de resolução, posteriormente reembolsado pelo fundo com contribuições dos bancos ao longo de vários anos. Neste momento, as condições políticas para aprovação de uma norma no Orçamento do Estado (OE) que viabilize, como antes, um empréstimo são difíceis. Portanto, estamos a avaliar alternativas.
Mas essas alternativas têm de passar por contribuições do setor financeiro - ou há outra?
Quem suporta o fundo de resolução e as suas despesas é o setor financeiro. Tem-no feito com contribuições que reembolsam empréstimo do Estado. Vamos ver se faz doutra maneira.
O OE está quase aí. Os últimos números do governo apontam para uma queda de 7% do PIB neste ano, com défice também a 7%. Mantém-se esta previsão ou vai haver uma revisão?
Quando o governo apresentar a proposta de lei do OE e o relatório há-de ter de apresentar também as projeções para a economia neste ano e no próximo, e provavelmente sofrerão algum ajuste. A previsão que se fez foi apresentada em março, depois revista em função das medidas que o Parlamento aprovou relativamente ao sentido do défice. É altura de o atualizar.
Défice e crescimento?
Défice e crescimento. Nós neste momento temos mais informação do que em maio, podemos fazer uma projeção mais rigorosa.
Os efeitos da crise foram mais duros do que se previa?
Vão ser mais duros, creio, no crescimento da economia portuguesa do que prevíamos em maio, mas se calhar menos intensos do que algumas instituições internacionais apontaram mais recentemente.
Está otimista com a dinâmica que a economia está a ter?
Otimistas não podemos estar, porque a quebra da procura é muito significativa - caiu consumo, caíram exportações, caiu o investimento muito significativamente porque os agentes económicos estão retrair-se em função da incerteza da situação sanitária. Não podemos estar otimistas. Mas também é verdade que os dados que vamos tendo mês após mês mostram aquilo que eu disse há umas semanas e que foi mal interpretado: o máximo da contração da economia já ficou para trás em Portugal, no resto da Europa, no resto do mundo. Ocorreu no segundo trimestre, quando de facto tivemos uma paragem muito violenta da economia. Mês após mês temos visto crescimento, detetado em indícios como a produção industrial, que em agosto já foi superior a agosto do ano passado; as indicações ao nível do comércio a retalho; o comportamento das exportações, que estão a crescer relativamente aos meses anteriores... Portanto tenho a convicção de que o terceiro trimestre vai ter um crescimento em cadeia bastante significativo depois da quebra tão intensa que tivemos no segundo. O terceiro vai ter um crescimento em cadeia importante e as projeções e os dados vão-se ajustando. O maior problema nesta altura é ainda uma grande incerteza. Mesmo as empresas que estão a trabalhar com a carteira de encomendas bastante intensa não têm visibilidade sobre o que pode suceder daqui a dois meses ou no primeiro trimestre de 2021.
Falando de imprevisibilidade, como vai funcionar a recuperação de IVA nos setores mais afetados? Vouchers são hipótese?
Estamos a desenhar uma solução que nos parece importante do ponto de vista do estímulo da procura interna. Temos setores muito afetados, como todos os ligados ao turismo e contactos interpessoais, e entendemos que é conveniente fazer um programa de estímulo a que os cidadãos se sintam tentados a consumir nessas áreas. Faz sentido investir alguma despesa fiscal, prescindindo de receita, desde que sirva para induzir mais consumo.
O IRS?
O que estamos a trabalhar é a propósito do IVA, que o primeiro-ministro já anunciou: a ideia é que o IVA cobrado neste tipo de atividades possa ser recuperado pelos cidadãos e aplicado em posteriores aquisições dentro dos mesmos setores que estão definidos.
A ideia dos vouchers traduz-se aí, no fundo...
Vai ser interessante ver quando for finalmente anunciado.
E que outras medidas de política económica com impacto para a retoma podem ser adiantadas?
Temos duas preocupações essenciais. A primeira é ajudar as empresas, os trabalhadores, as famílias, a atravessar estes meses mais difíceis - estamos a entrar numa época baixa relativamente àquilo que é normalmente o turismo. Temos de criar condições para amortecer o impacto e todas as medidas que temos vindo a anunciar ao nível de moratórias bancárias, deferimento de impostos, apoios à manutenção do emprego, apoios sociais extraordinários têm essa matéria. Depois temos estímulos à atividade. No próximo ano teremos também no OE medidas de estímulo à procura que estamos ainda a desenhar mas vão ser importantes em dimensão, vão aumentar o rendimento disponível para as famílias. E também estamos a contar com um conjunto de medidas e ações já relacionadas com a utilização dos fundos europeus e que vamos tentar mobilizar o mais cedo possível, que será em si um estímulo à atividade.
Dou sempre o mesmo exemplo: temos de fazer reformas que a UE nos solicita em matéria, por exemplo, de transição climática. Uma dessas áreas, identificada há muito, tem que ver com eficiência energética dos edifícios. Nós perdemos muita energia para aquecer as casas ou para as arrefecer e um programa destinado a mudar as coberturas dos edifícios, janelas, etc. permite fazer essa reforma fundamental, mas também estimular de imediato atividade económica, criar emprego num conjunto de pequenas empresas dispersas pelo país que poderão ter aí uma oportunidade.
Fundos e plano de recuperação pressupõem que o país tem de cumprir algumas condições... Que tipo de condições devemos esperar? Não é uma certa austeridade que nos espera?
A austeridade não é o que está em causa. Aliás, vamos ter um orçamento que é anticíclico. Se estivéssemos a viver em austeridade o OE seria para subir impostos, cortar despesa, etc. Nós vamos ter um orçamento expansionista, anticíclico. Vai procurar combater o impacto negativo sobre a economia pelo facto de não termos exportações ou consumo. Aquilo que está ligado ao plano de recuperação e resiliência não são as condições macroeconómicas como no programa da troika, mas é sobretudo a forma como vamos aplicar recursos. A UE diz-nos que não podemos gastar como queremos, não temos linha aberta para aplicar este pacote de 15,3 mil milhões, que se traduz mais ou menos em 12,9 depois de deduzir uma série de matérias já pré alocadas para as regiões autónomas.
E então?
O que temos essencialmente é de aplicar parte dessas verbas a demonstrar que vamos assegurar a transição climática, financiar a transição digital, fazer reformas correspondentes às recomendações que a UE vem fazendo ano após ano. Que nos pede para investirmos na ferrovia, melhorar as acessibilidades aos portos e áreas industriais, para reduzir burocracia, para melhorar o sistema de justiça, para assegurar um conjunto de matérias que são reformas de que o país precisa para poder ter um crescimento mais sustentado a longo prazo. Ao gastar, vamos estar a estimular a economia, a dirigir procura para as empresas que vão assim poder criar emprego para se capacitarem, para executar toda essa verba.
Parte dos apoios à retoma nos próximos meses, e no próximo ano, está dependente de Bruxelas. Quando espera começar a receber os fundos europeus?
Essa matéria está dependente da aprovação final pelo Conselho Europeu do regulamento destes fundos. Estamos a trabalhar na possibilidade de encontrar soluções em que o Estado possa antecipar alguma despesa por conta dos fundos que irá receber, de maneira que não fiquemos inibidos da capacidade de executar medidas e programas urgentes, pela circunstância de os fundos só estarem disponíveis mais lá à frente.
E poderia antecipar a partir de quando?
Estamos a trabalhar para o mais rapidamente possível criarmos as condições para isso. Não gosto de dar garantias sobre o que não tenho a certeza que vai ocorrer, mas posso dizer que estamos a trabalhar na forma de conseguirmos dispor de recursos para não deixarmos de realizar a despesa necessária porque só vamos ter transferências de Bruxelas a partir do próximo ano.
Estes são valores nunca vistos e é uma ajuda que vai durar várias legislaturas. Como vai ser gerido este dinheiro, será necessário criar estruturas específicas?
A execução é muito importante porque este plano de recuperação e resiliência não segue a lógica dos fundos europeus normais, continuamos a ter autoridades de gestão e organismos intermédios que vão executar o resto do PT2020 e o PT2030. Mas este programa tem uma lógica bastante diferente: os projetos são aprovados antes de começar a execução e os desembolsos que a União faz são em função do progresso relativamente a metas e objetivos contratualizados. Do ponto de vista da execução, o mais importante é sermos capazes de fazer parcerias com vários atores. Se concentramos tudo na administração central, seguramente não vamos ter capacidade...
Não vamos assistir a uma estrutura de missão para execução...
Vamos ter que, no Ministério do Planeamento, concentrar a gestão e controlo de execução do programa. Mas a execução há de ser contabilizada com autarquias, empresas, um conjunto de entidades dentro e fora do Estado. Parceiros do setor social que possam multiplicar iniciativas de execução. E também temos de assegurar que todos estes mecanismos são claramente transparentes, que os critérios de seleção de projetos e formas de execução são claros para todos os cidadãos e que conseguimos prestar contas atempadamente do que estamos a realizar.
Nesta semana anunciou que o apoio às empresas vai ser alargado para quebras de faturação a partir de 25% (em vez de 40%). É um sinal de que a crise está a ser mais profunda que previsto?
Não. O importante é dar algum sinal de tranquilidade às empresas. Um exemplo: no setor industrial, temos um conjunto de empresas a trabalhar um pouco abaixo da capacidade do ano passado, algumas acima, outras francamente abaixo. Mas vão-se aguentando. O receio que têm é não saber quanto tempo vão estar a trabalhar a este ritmo, se terão uma quebra grande no mês que vem, no início do ano; num segundo confinamento...
Admite novo confinamento?
Não é esse o cenário em que está a trabalhar o governo - nem os outros governos. Estamos a tentar, a partir do momento em que temos melhor conhecimento do comportamento da doença, que a sociedade está mais capacitada para gerir comportamentos, com distanciamento físico, de máscara, etc. A capacidade acrescida de testagem que nos permite imediatamente atuar sobre casos e quebrar essas cadeias de contágio. A sociedade está mais bem preparada para evitar um grande crescimento do contágio sem necessidade de confinamento. Em março/abril, o vírus chegou aqui e foi como fogo na pradaria. Não havia nenhuma barreira, não sabíamos o que fazer, como tratar a doença, não tínhamos os serviços de saúde capacitados, a proteção imediata foi "vamo-nos fechar em casa". Agora temos os locais de trabalho adaptados, locais de consumo com cuidados, sabemos como nos comportar para reduzir o risco, a capacidade de testagem mais que duplicou, os serviços de saúde estão robustecidos... Parece-nos possível mitigar o crescimento da pandemia, sobretudo tratar melhor os casos que precisam de atenção hospitalar, sem necessidade de novo confinamento. E por isso estamos a mitigar esses riscos. Mas ninguém pode garantir nada nesta matéria.
Sobretudo, os agentes económicos funcionam com algum receio perante a incerteza. Esta mensagem do novo patamar é basicamente dizer que se porventura, num qualquer momento, sentirem que a sua atividade pode cair, tenham a certeza de que podem reduzir o período de trabalho dos trabalhadores e terão apoio do Estado. Isto não está dependente de terem estado previamente em lay-off, de terem estado um mês a trabalhar a 100% e depois terem quebra de faturação... É uma espécie de rede de segurança, de seguro para manutenção do emprego....
Há estimativas do número de empresas abrangidas?
Fizemos a nossa estimativa no Orçamento Suplementar para estas medidas, num dado universo de empresas. E constatámos que há menos empresas a recorrer a estes mecanismos do que tínhamos estimado, logo temos margem para, sem pôr em causa previsões orçamentais, alargar estes apoios. Eu sei que as empresas com quebras de faturação muito acentuadas são candidatas a isto, mas sobretudo neste patamar é mais esta a ideia de uma apólice de seguro, uma rede de segurança que permite encarar com outra confiança a manutenção de postos de trabalho - se tiver mês que corre menos bem, tem apoio suplementar.
Outubro marca o momento a partir do qual muitas empresas que recorreram ao lay-off simplificado deixam de estar impedidas de despedir. Vem aí uma vaga de despedimentos?
Perante a violência da contração da economia, estarmos com 8,1% de taxa de desemprego é verdadeiramente notável - estamos ao nível de 2017, que foi um ano muito bom. O número de pessoas empregadas subiu em julho e agosto relativamente aos meses anteriores.
É a sazonalidade também...
A sazonalidade pode funcionar. A taxa de subutilização do trabalho é outro indicador a que estamos muito atentos. Não são só as pessoas desempregadas, são também as que procuram trabalho, as que, estando desempregadas, não estão ativamente à procura de trabalho também caíram. Pode ser a sazonalidade. O que eu acho é que nesta altura justifica-se lançar mais estas medidas que, ao reduzirem a incerteza, podem permitir que empresários e agentes económicos recuem nessa decisão...
Acredita que estas medidas evitam despedimentos coletivos?
Lanço-as com essa esperança. Não sei se vamos evitar muita coisa, mas é mais uma mais uma opção no arsenal muito grande que os empresários têm à sua disposição. Nós percebemos que procura internacional e nacional estão reprimidas. Quando abriram os corredores aéreos do Reino Unido, de repente, de um momento para o outro, começámos a ter reservas e pessoas a viajar para Portugal.
E depois voltaram a fechar e aconteceu o contrário...
Quando houve desconfinamento nos EUA, imediatamente começámos a ter encomendas dirigidas às empresas industriais portuguesas. O rendimento das pessoas não caiu assim tanto, não estão é a gastar. É por isso que as taxas de poupança estão muito altas. A convicção que é que quando houver uma normalização da situação sanitária este consumo vai recuperar-se. As viagens vão voltar, as pessoas voltarão a despender e o investimento vai voltar a crescer.
Ninguém sabe quando é que essa normalização vai existir.
Não, mas por isso mesmo é que o papel do Estado é dar esta espécie de cobertura contra risco e incerteza. Dizer: se despedem agora e daqui a três meses voltar a procura não têm as pessoas de que precisam. Estamos a dar apoios adicionais para que possam ir mantendo enquanto a procura não regressa. O pior que nos podia acontecer era, de repente, no próximo ano, começarem a chegar as encomendas e termos empresas falidas ou que tinham despedido grande número de trabalhadores e não tinham capacidade de resposta.
Portanto, não receia a tal vaga de despedimentos?
Temos de estar preparados para tudo. Temos que nos preparar para o pior, mas estas medidas são para evitar o pior. Dar mais opções aos empresários. Apesar de tudo, os dados que vamos tendo surpreendem pela positiva. Estava preparado para ver coisas piores nos pagamentos com multibanco, no consumo no retalho não alimentar.
A presidente da Comissão Europeia disse que depois da pandemia a dívida pública vai mesmo ter de começar a descer. Isso traduz-se em anos de sacrifício?
Mesmo em pandemia, a preocupação do governo português é não fazer crescer a dívida de uma forma insustentável. As despesas que estamos a fazer são extraordinárias, não recorrentes, para fazer face a esta emergência. Temos um compromisso que não é para abandonar de redução da dívida em percentagem do PIB nos próximos anos. O maior contributo para o crescimento do rácio da dívida sobre o PIB, neste ano, não vai ser o aumento do défice, vai ser mesmo a quebra do PIB. Acho que toda a gente percebe isto: eu devo 100 e ganho 100, o rácio é 1; eu ganho 100 e devo 50, o rácio é 2. A melhor forma de evitar o crescimento da dívida é pôr a economia a crescer e daí o esforço que a UE está a fazer no sentido de mobilizar recursos e o esforço dos Estados-membros para assegurar que se mantém o potencial de crescimento da economia.
Se houver necessidade de medidas mais apertadas ou de um eventual confinamento, é possível reforçar o valor do plano de recuperação? E onde se pode ir buscar apoios se o primeiro- ministro até já descartou a hipótese de recorrer aos empréstimos?
Esperamos, e é isso que nos vão dizendo, que o horizonte em que estamos a trabalhar todos é o de a situação sanitária se normalizar no próximo ano. A sociedade vai aprender a conviver com mais cuidado com este vírus e havemos de arranjar uma maneira de ter uma vacina eficaz. Temos de ir normalizando a economia. A resposta que a UE deu é para este cenário.
E se piorar, há plano B?
Quando começou esta crise, a pandemia, eu tive entrevistas, debates em que as pessoas diziam "isto vai ser uma desgraça porque a dívida vai disparar, vamos estar a pedir empréstimos, e o défice, e não sei quê". E nós dizíamos "estamos a trabalhar com a UE numa resposta". O Banco Central Europeu deu imediatamente resposta. E depois diziam "mas não temos recursos para fazer face". E o Eurogrupo aprovou um pacote 500 mil milhões para despesas mais imediatas... A UE foi dando resposta à altura. Agora já se começa a dizer que não é suficiente porque pode haver uma segunda crise. Eu acho que devemos focar. O que é que temos à nossa frente? Que medidas estamos a tomar para podermos responder, dentro das nossas possibilidades, da forma mais eficiente e eficaz aos problemas com o que nos confrontamos? Na frente sanitária, na social, na económica, o que devemos fazer? E vamos ajustando.
A ideia de dispensar empréstimos poderá ter de ser revista...
Vamos resolvendo os problemas que aparecem. Até ao momento nós temo-lo feito - não vou dizer bem, mas não o temos feito muito mal. A situação sanitária foi-se mantendo controlada, a situação mais dramática nos serviços de saúde que vimos noutros países não ocorreu aqui, conseguimos desconfinar com relativo sucesso. Quando fizemos o confinamento as pessoas diziam que estavam a subir as taxas de contágio. Quando os outros países começaram a desconfinar, aquilo disparou e toda a gente dizia "isto vai ser uma desgraça, a economia vai cair, o desemprego aumentar". O desemprego está a manter-se. Eu não estou a dizer que isto é o melhor dos mundos, mas também não gosto que nos martirizemos, soframos por antecipação. Vamos resolver os problemas com determinação e com outra coisa que eu acho que em Portugal se tem estado a passar bem, que é a capacidade de termos uma partilha de informação e de decisão relativamente à melhor forma de reagir a problemas.
Um outro tema que preocupa muitos é o salário mínimo (SMN). O presidente do Fórum para a Competitividade diz que subi-lo nestas circunstâncias é criminoso. O governo mantém essa intenção?
A decisão costuma tomar-se no final do ano e acho que não vale a pena antecipar muita coisa. O governo apresentou no seu programa a intenção de que pudesse chegar aos 750 euros no final da legislatura e o percurso anual seria feito em função do andamento da economia, do emprego, da inflação. E todas essas coisas terão de ser avaliadas. Aquilo que o governo já disse é que não parece que possa haver um crescimento com o ritmo constante relativamente ao que vinha do ano passado. O aumento do SMN tem impactos muito diferenciados. Uns positivos, outros eventualmente negativos. Sabemos que o SMN é dirigido sobretudo a segmentos mais baixos da população que tendem a consumir, porque têm rendimentos tão baixos que o que entra, sai. É uma boa forma de estimular o consumo. Também sabemos que é um esforço para as empresas. Algumas têm capacidade de absorver isso, podem repercutir nos clientes, outras menos. É preciso um balanço de todas estas coisas - podemos subir o SMN porque tem efeito positivo na economia e tentar mitigar o impacto negativo em algumas empresas. Os salários em Portugal são demasiado baixos. Infelizmente ainda temos muitos trabalhadores que vivem abaixo do limiar de pobreza (uma pessoa sozinha que ganhe o salário mínimo e tenha um familiar por conta, por exemplo). Temos de fazer um percurso de apoiar as nossas empresas no sentido de haver um crescimento da produtividade que permita assegurar melhores empregos e melhores salários. E ao contrário do que outros dizem, a minha convicção é que uma coisa não precede a outra: não podemos esperar que cresça a produtividade para depois aumentar os salários, não é um modelo sustentável. Não podemos aumentar sem critério os salários, de forma administrativa ou por decreto, e esperar que a produtividade vá atrás. As duas coisas têm de caminhar juntas e foi por isso que no início da legislatura propusemos aos parceiros sociais uma discussão sobre um acordo de rendimentos e produtividade para procurar assegurar que fazíamos o caminho certo. Uma coisa que me preocupa: nós tivemos, nos anos mais intensos da crise, a incapacidade de criar emprego adequado aos jovens cada vez mais qualificados.
Muitos saíram do país.
E os que entraram no mercado de trabalho, entraram em condições muito precárias e com salários muito reduzidos. Quando a crise se instalou, aqueles que estavam cá que eram os mais precários de todos foram os que primeiro perderam o emprego. Se houver uma retoma mais rápida da economia noutros países da Europa, se nós não formos capazes de criar empregos adequados às qualificações e aspirações dos jovens portugueses, podemos correr outra vez um risco de partida.
Pode haver um incentivo ao emprego jovem?
O que digo é que temos de ter uma grande preocupação em evitar esta segmentação do mercado de trabalho em que temos alguns trabalhadores protegidos, com uma lei que oferece níveis elevados de proteção, e uma camada ainda muito significativa de pessoas com contratos a prazo, temporários, ou em situação muito informal. Temos de acabar com essa segmentação e de garantir que os empregos que vamos criar a seguir à crise são de melhor qualidade e mais bem remunerados. E isso implica apoios à criação de emprego, sobretudo jovem. Mas implica também que sejamos capazes de atuar sobre estas formas que geram precariedade.
Devemos estar preparados para uma recaída recessiva em Portugal?
Estamos a trabalhar para que não aconteça isso. Não estamos livres disso, tudo depende de como mandar o mundo.