Silêncio, túneis e golos.Primeiro o silêncio, que raramente faz parte da vida pós-moderna e ainda menos do espectáculo de futebol. Em alguns jogos da Superliga, que não vi, dizem os jornais desportivos que foi guardado "total silêncio", durante o "minuto" que a Liga de Clubes determinou - e bem - para assinalar o luto pela morte do Papa João Paulo II. .Já num dos jogos a que assisti, esse "minuto" foi preenchido por ensurdecedores aplausos da multidão nas bancadas, enquanto jogadores e árbitros foram os únicos que se mantiveram em silêncio, respeitando o significado desse minuto simbólico que, julgo eu, é suposto ser de recolhimento e breve meditação - haja ou não fé em Deus..Nada tenho contra quem aplaude um morto cuja vida tenha sido edificante, fosse ele crente, agnóstico ou ateu. Mas não concebo que o simbólico minuto de silêncio seja preenchido por ruidosos aplausos. Nas sociedades pós-modernas, porém, os momentos de silêncio, por mais raros que eles sejam, têm-se tornado cada vez mais embaraçosos, tanto para os indivíduos como para as multidões. Numa sociedade em que o barulho das televisões e das bombas invade quotidianamente as nossas casas e as nossas vidas, não espanta que o ruído das gargantas e o estrondo dos aplausos sirvam para tentar exorcizar a ansiedade e o medo em relação a um futuro que parece tão inseguro e incerto..O espectáculo de futebol é, por natureza, um palco em que multidões dão largas a todos os entusiasmos e desilusões. Pode ter-se um ataque cardíaco e ir desta para pior durante uma jogatana tão emocionante como aquela a que assistimos no Estádio da Luz, entre o Benfica e o Marítimo (4-3). Nem a "chicotada psicológica" desferida no antigo treinador da equipa do Funchal, Mariano Barreto, por essa piedosa senhora que dá pelo nome de Catalina Pestana, conseguiu impedir que os madeirenses agora treinados por Rui Rodrigues pregassem três valentíssimos sustos numa equipa tão irregular e nervosa como a de Giovanni Trapattoni. Se as sete "finais" que esperam o Benfica forem todas assim, o comércio de pacemakers vai prosperar entre os adeptos antes do título..Já o Sporting, que fez uma exibição de luxo no Estádio do Bessa e deu mais uma abada ao Boavista (0-4), sofre manifestamente daquilo a que se pode chamar "síndrome do túnel". Na época passada, foi o que se julga saber, mas nunca se viu, dentro do túnel de acesso aos balneários de Alvalade, depois do empate com o FCP de José Mourinho. Agora, depois de nova goleada aos pupilos de Jaime Pacheco, foi a barafunda no túnel do Bessa, onde terão ocorrido "incidentes graves", que ditaram a expulsão de William, do Boavista, e de Rui Jorge e Sá Pinto, do Sporting. Não sei o que se passou, mas estou mais tentado a acreditar no comunicado do Sporting do que nas declarações exaltadas do inefável presidente do Boavista. A ver vamos. O certo é que isto dos túneis já é sina do clube de Alvalade. Como se já não bastassem as trapalhadas do Túnel do Mar-quês de Pombal, mandado construir pelo não menos inefável doutor Pe-dro Santana Lopes..Saindo dos túneis e subindo aos relvados, ficam a assinalar esta jornada do mais emocionante dos campeonatos as duas grandes jogatanas, no Bessa e na Luz, com nada menos do que onze golos, três dos quais soberbos o golo de Carlos Martins, no Bessa, a culminar um slalom estonteante; o primeiro golo de Pena, na Luz, num estupendo golpe de cabeça; o segundo golo de Nuno Gomes, também na Luz, em magnífico remate sem preparação. É disto que um adepto gosta. Também é justo assinalar o regresso de Hélder Postiga ao golo, que valeu a vitória sobre o Gil Vicente (1-0) e mantém o FCP "colado" ao Sporting e ao Sporting de Bra-ga, com 48 pontos, na perseguição ao Benfica, com 54 pontos. Bastarão estes seis pontos de vantagem para conquistar o título? Seis milhões de portugueses acham que sim. Entre-tanto, venham daí mais outras grandes jogatanas..Alfredo .barroso