Sexta-feira Santa de jejum!

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A Páscoa 2023 calha este ano a meio do Ramadão de 1444 da Hégira. No ano passado, o Eid"ul Fitr, a Festa do Fim do Jejum calhou precisamente no Domingo de Páscoa. O calendário não engana, o calendário islâmico é lunar, logo tem entre nove a treze dias a menos que o calendário dos 365, o Gregoriano. Tendo o jejum deste ano começado a 23 de março, o 15.º dia bateu ontem. É olharem para a lua esta noite e verem-na no auge de uma quinzena de gravidez!

Hoje os católicos jejuam carne tendo a Quaresma terminado ontem. Este hábito quase prosaico, quase pagão de não se comer carne na sexta-feira Santa, é aquilo a que os muçulmanos chamam de bida"a, inovação, considerada anti fundamentos, logo desvirtuadora da essência e corta-caminho para o pecado! Esta "inovação católica", só consegue ser completamente compreendida se juntarmos o Carnaval à Páscoa. O Carnaval foi instituído enquanto período de excessos, para compensar o jejum da Quaresma que se seguiria. Mas a orgia era bife do lombo, era empanturrarem-se com carne até doer-lhes a barriga, porque depois estariam 40 a 46 dias proibidos de a comerem. Com as complexidades da vida urbana, passou-se a jejuar carne apenas às sextas-feiras de Quaresma e actualmente apenas à sexta-feira Santa, de forma voluntária e em nada limitativa nos menus dos restaurantes. Ou seja, a religião há muito que deixou de ir para a cama e para a mesa connosco, como Estado laico que se preze. Disto não nos podemos queixar. Actualmente, são os próprios padres e demais religiosos a sugerirem que a Quaresma pode ser adaptada a certos hábitos e manias actuais. Exemplos, o indivíduo pode fazer apenas jejum ao chocolate, ao álcool, ao refrigerante, durante toda a Quaresma. Confortável, tem um vício e aborda-o como se de um jogo se tratasse, como uma prova, onde nada é definitivo e/ou obrigatório. A mesma abordagem que os pedopsiquiatras usam com os miúdos, onde as tarefas são apresentadas como desafios! São estas algumas das "inovações católicas" que têm permitido uma adaptação dos hábitos e obrigações religiosas às exigências da vida urbana e cosmopolita. Compatível, porque confortável e tranquilo.

Já o jejum islâmico, imposto por decreto, onde se vai para a cadeia se se for apanhado a comer, beber, fumar ou a ter sexo (sim, os gemidos ouvidos pelo vizinho, vão levá-lo até ao telefone para denunciar a heresia, da mesma forma que o cheiro do couscous vindo do fogão do lado), entre os nascer e o por-do-sol, tem muito que se lhe diga, incluindo um debate sério e desconhecido em Portugal, por mero dogma. Relativamente aos benefícios do jejum, por se tratar de dogma, o período de Ramadão é também momento prosélito, durante o qual se referem os médicos, as publicações, os nutricionistas da moda, sobre os benefícios do jejum. Ora a forma de o fazer é que é diversa para os "novos saudáveis" e nenhuma inclui uma porrada de treze horas seguidas à fome e à sede. É aqui que o debate se pode tornar sério, se se conjugar a realidade dos diferentes fusos horários do planeta, o que isso implica em períodos diferentes de jejum para comunidades separadas pela geografia e unidas pela religião. Ou seja, o debate sobre uma harmonização do tempo de jejum, com benefícios para a saúde e forma de hierarquizar o impossível, que conduziria inevitavelmente ao consenso sobre oito horas de jejum seguido, nunca será feito. Porquê? Porque os muçulmanos jejuam hoje da mesma forma que o seu Profeta jejuou, logo assim continuarão, sem inovações, sem debates sobre o que para eles é um "não assunto". Fé e dogma são isto!

Votos de Santa Páscoa aos Católicos e Ramadan Kareem aos muçulmanos.

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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