Sérvia e Kosovo recuam após terem estado à beira do abismo. Até quando?

Os sérvios rejeitam a independência, proclamada em 2008 e reconhecida por uma centena de países, daquela que veem como a sua província do sul. Minoria sérvia que vive no país de maioria étnica albanesa queixa-se de discriminação e a tensão voltou a subir junto à fronteira, com barricadas e as forças militares de Belgrado em Estado de Alerta.
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O momento de maior tensão parece já ter passado na fronteira entre a Sérvia e o Kosovo, mas a dúvida é saber até quando irá durar esta calma aparente. A situação já se tinha deteriorado no verão, tudo por causa das matrículas sérvias dos carros, que Pristina queria proibir, e poderá voltar a complicar-se nas eleições locais previstas para 23 de abril nas zonas de maioria sérvia no norte do Kosovo, que é minoria no conjunto do país. Por enquanto, as barricadas nas estradas foram levantadas e a fronteira reaberta com normalidade, para alívio da comunidade internacional, que há anos procura negociar uma solução para o problema.

Qual é a origem do problema entre Sérvia e Kosovo?
Após o desmantelamento da ex-Jugoslávia, na década de 1990, o Kosovo procurou a sua própria autonomia e independência da Sérvia. Contudo, Belgrado alega que a sua província do sul nunca teve o estatuto de república - como Montenegro, que decidiu separar-se da Sérvia num referendo em 2006 - e respondeu com violência às tentativas da maioria étnica albanesa (92% contra 6% de sérvios) de querer a independência.

Os bombardeamentos da NATO, em 1999, puseram fim à guerra que fez mais de 13 mil mortos - com a retirada das forças sérvias - e o território passou a ser administrado pelas Nações Unidas. O Kosovo acabaria por declarar unilateralmente a independência a 17 de fevereiro de 2008, sendo esta reconhecida por uma centena de países, incluindo os EUA e 22 dos 27 da União Europeia. Mas a Sérvia recusa essa independência.

Entretanto, a KFOR continua a ter uma Força de Paz no Kosovo, composta por 3802 membros militares e civis - que está pronta a intervir, caso o seu mandato esteja em risco. Da mesma forma, há também, desde 2008, uma Missão Europeia (EULEX) com cerca de 200 polícias no Kosovo.

O que mudou agora?
Belgrado acusa Pristina de querer destruir os direitos da minoria sérvia (que é maioria em algumas áreas restritas, nomeadamente junto à fronteira). Esta minoria não reconhece o governo e as instituições estatais do Kosovo e expressa frequentemente o seu desagrado atacando a polícia.

O último foco de tensão rebentou a 10 de dezembro, quando os sérvios ergueram barreiras e trocaram tiros com a polícia, após a detenção de um ex-agente sérvio por, alegadamente, ter atacado as forças de segurança kosovares. Dejan Pantic foi acusado de terrorismo. O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, apressou-se a condenar os ataques, apelando aos sérvios para que levantassem as barricadas, onde se repetiram episódios de violência.

Mas a situação já não tinha estado tensa há uns meses?
A detenção de Pantic relançou a violência e os protestos que tinham ocorrido durante o verão. A decisão do governo do Kosovo de exigir que os sérvios troquem as matrículas dos seus carros emitidas por Belgrado por aquelas emitidas por Pristina (numa tentativa de asseverar a sua própria autoridade) levou à escalada da tensão a partir de julho. Nessa altura foi anunciado que, em poucos meses, começariam a ser passadas multas a quem tivesse matrícula sérvia, após dois anos de disputa sobre este tema. Não reconhecendo a soberania do Kosovo, a minoria sérvia respondeu com protestos e erguendo barricadas nas zonas próximas da fronteira.

Como é que a situação ficou resolvida?
Pristina acabou por adiar a entrada em vigor da obrigatoriedade de uso de matrículas kosovares, com a União Europeia a mediar um acordo entre a Sérvia (que pediu para ser membro em 2009 e tem o estatuto de país candidato desde 2012) e o Kosovo (que apresentou formalmente a sua candidatura no passado dia 15). Os dois países já tinham assinado em 2013 um acordo de princípio para a normalização das relações, o Acordo de Bruxelas, que ambos os lados disseram, entretanto, estar praticamente morto.

Voltando à tensão dos últimos dias, o que têm dito as autoridades sérvias?
O presidente sérvio, Aleksandar Vucic, disse que ia pedir autorização à NATO para enviar mil polícias e militares sérvios para o Kosovo, algo que foi rejeitado prontamente pela Aliança Atlântica e pela comunidade internacional. Reforçou contudo as suas tropas junto à fronteira, declarando o Estado de Alerta e enviando para a região o chefe de Estado-Maior do Exército, Milan Mojsilovic.

Da mesma forma, o governo sérvio disse recear que a situação no Kosovo estivesse "à beira de um conflito armado", dizendo querer fazer "tudo para preservar a paz e a estabilidade".

As autoridades de Belgrado alegam que o Kosovo está a violar sistematicamente os Direitos Humanos da minoria sérvia no país, com tanto a União Europeia, como os EUA a ignorarem a situação. Por seu lado, a Rússia reiterou o seu apoio à Sérvia nas suas ações para acabar com as tensões no Kosovo, com o Kremlin a reiterar as "relações de aliados muito estreitas, históricas e espirituais" com Belgrado.

E o que tem feito o Kosovo?
Face ao reforço militar sérvio e às inúmeras barricadas, o Kosovo fechou o principal posto fronteiriço, tendo pedido ajuda às forças da NATO para retirar as barricadas. Da mesma forma, adiou para abril do próximo ano as eleições locais que estavam previstas para as zonas no norte, que são de maioria sérvia. Estas eleições foram desencadeadas pela demissão de autarcas, assim como de juízes e polícias sérvios, em protesto pela decisão do governo de proibir as matrículas sérvias.

A situação já está mais calma?
Os apelos conjuntos da União Europeia e dos EUA para a desescalada da tensão e "moderação máxima", assim como a decisão do Kosovo de colocar o ex-agente Pantic em prisão domiciliária, ajudaram acalmar os ânimos. Na quinta-feira, os sérvios do Kosovo começaram a retirar as barricadas que tinham erguido nas últimas semanas e a fronteira foi reaberta. O presidente sérvio levantou, entretanto, o Estado de Alerta em que estavam as Forças Armadas.

susana.f.salvador@dn.pt

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