O que torna alguém adequado para desempenhar funções de governo?.Em 1911, Robert Michels publicou Sociologia dos Partidos Políticos, numa investigação desenvolvida, essencialmente, junto das estruturas do SPD alemão, de que foi militante. Nessa altura, já estava a ensinar na Universidade de Turim, onde conheceu Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, que influenciaram o sentido deste livro seminal do estudo dos partidos políticos e das teorias de liderança em democracia. Se se pode criticar Michels por um certo simplismo nas generalizações que faz relativamente ao modo como, em geral, se concentra o poder político (estudos posteriores demonstram que a realidade das dinâmicas do poder é mais complexa), não se pode ignorar a importância das suas conclusões - há uma tendência, em todas as formas de poder (democracias incluídas), da sua concentração e manutenção - ao que chamou a "Lei de ferro da oligarquia"..Quanto ao perfil adequado para governar, ele diz que "O governo ideal seria o de uma aristocracia de pessoas ao mesmo tempo moralmente boas e tecnicamente eficientes". Com "aristocracia de pessoas", quer ele dizer uma elite que se destaca do grupo geral dos cidadãos, que deve ter elevados padrões morais e competências especializadas no seu domínio de governação. Entretanto, como se formam estas aristocracias em democracia? Diz ele a este respeito: "Quando as democracias atingem uma certa fase de desenvolvimento, passam por uma transformação gradual, adotando o espírito aristocrático, e em muitos casos também as formas aristocráticas, contra as quais no início lutaram tão ferozmente. Agora surgem novos acusadores para denunciar os traidores; após uma era de gloriosos combates e de poder inglório, acabam por se fundir com a antiga classe dominante; sendo então, mais uma vez, atacados por novos opositores que apelam ao nome da democracia. É provável que este jogo cruel continue sem fim..Voltando à "Lei de ferro da oligarquia", a mesma defende que quem detém o poder - dado partido, grupo ou família - se organiza para o manter. Este exercício, naturalmente, exclui a entrada de novos protagonistas ou, sob a aparência de entrada de novos protagonistas, os detentores do poder convidam a juntar-se ao seu grupo figuras que serão facilmente afeiçoadas ao líder. Poderia dizer-se, que, numa ótica de conservação do poder, os líderes iriam buscar pessoas "moralmente boas e tecnicamente eficientes", como diz Michels. No fundo, estes parâmetros seriam os adequados para a manutenção das prerrogativas da oligarquia..Será assim? Sabemos que não. Não é assim na generalidade dos países democráticos e não é assim em Portugal. No nosso país, salvo raras exceções, os líderes vão buscar os controladores de votos que lhes asseguraram as eleições dentro do partido, os correligionários, amigos, primos, filhos, sobrinhos, que precisam de ganhar projeção ou garantem alianças com quem interessa manter contente ou premiar, os académicos com ambições de poder e sem experiência de vida prática que podem compor o ramalhete da respeitabilidade, os lambe-botas que lhes teceram loas na comunicação social e nas redes, e por aí fora. O recrutamento dos governantes funciona mais como prémio ou reforço endogâmico que como exercício que tem, por primeiro objetivo, constituir o melhor governo para servir os cidadãos..Qual é o currículo ideal para ser membro de um governo? Não existe. Cada líder precisa de desenhar a sua equipa em função dos resultados a atingir. O que está em causa é, precisamente, quais os resultados que se pretende atingir. Não é possível com pessoas com fraca preparação ou preparação desadequada obter os melhores resultados. E nenhum governo pode ser um laboratório. Os partidos, as associações, e acima de tudo, as provas dadas na vida pública, são o laboratório adequado. Quando se lê o currículo de muitos governantes, percebe-se o quão longe estamos dos mínimos. Mínimos que têm de responsabilizar os líderes. Enjeitar a responsabilidade nas escolhas é um paradoxo - quem governa é responsável pela sua equipa e o primeiro escrutínio tem de ser seu. No que respeita ao "currículo moral", quando se considera que este não é relevante, há um problema geral de credibilidade do sistema institucional - a perda de confiança nas instituições provoca o crescimento dos falsos moralistas e das franjas extremistas..Espera-se que a volatilidade que se vive na governação do país traga lições para o futuro. Não para conseguir esconder o que hoje está, felizmente, à vista. Mas para garantir o nosso melhor governo, independentemente de quem governa.