Com os EUA como única superpotência, é assustadora a hipótese de ter Trump como presidente?.É muito assustador. Por dois motivos: um errado e um certo. O errado é dizer que ele é impreparado. Ele estar impreparado é um facto. Ele próprio dizia no início das primárias que só via shows na televisão. Mas esse não é um problema grande porque muitos dos presidentes americanos quando chegaram ao poder também não tinham preparação em política internacional. Isso pode consertar-se. O que não se pode consertar é o problema temperamental. É um tipo que reage a quente. É muito macho, num estilo latino, muito incomum lá. E não ouve. Só se consegue consertar a impreparação se ele estiver disposto a ouvir quem lhe explique as coisas..Também na campanha Trump já mudou a equipa duas vezes....Sim. Parece que estes funcionam melhor. Ele mudou bastante o estilo nas últimas três semanas, é mais moderado. Mas nota-se que ouve com dificuldade. Não é o forte dele. A conjugação disso com o temperamental é que é perigosa. George W. Bush dizia ser um tipo que decidia por instinto e não por racionalidade. Nesse aspeto era parecido com Trump. Mas era alguém que ouvia e que colocou como vice-presidente alguém muito mais experiente. Agora as pessoas estão assustadas, independentemente da visão política..Concorda com Joe Biden quando diz que Trump não pode ter os códigos nucleares?.Sim. Uma coisa de que se fala é de insubordinação militar, pessoas que não cumpram ordens. Há uma estrutura de poder bem montada - o poder militar - vem do presidente por ali abaixo e essa estrutura pode ser questionada se Trump ganhar. Há pessoas que dizem sem problema que podiam ter votado Romney, McCain ou Bush, não é uma questão política; é questão de impreparação e de impossibilidade de remediar a impreparação..Vive nos EUA há 15 anos, como explica que Trump tenha passado de uma piada a nomeado e com cada vez mais hipóteses de vir a ser o presidente dos EUA?.Eu, se tivesse de apostar agora, apostava que ele vai ganhar. Quer por virtude dele quer por falta de capacidade de Hillary Clinton. Trump capitaliza duas coisas: uma grande insatisfação, com forte componente económica. A saída da crise deu-se com o aumento do produto, mas não com o aumento do rendimento do trabalho. Os blue collars, as pessoas com os trabalhos mais mal pagos, continuam a ter enormes problemas. Segundo, Trump ganha por ser o único candidato abertamente xenófobo, homofóbico, tudo isso. E há uma componente importante da população americana que é xenófoba, homofóbica, racista, etc. Mas que durante uma ou duas décadas estava proibida de mostrar essas preferências. E ele tira a tampa ao tacho. Trump também ganha com o cozinhado que o Partido Republicano anda a fazer há décadas. Desde a II Guerra que o partido apresenta os candidatos como homens simples. Não intelectuais, não diferentes do povo. É curioso verificar que a esquerda tem candidatos, como John Kerry ou Barack Obama, muito mais confortáveis com serem visto como uma elite. Os republicanos não. Apresentam-se sempre como sendo uns nabos!.Mesmo com George W. Bush, filho de presidente....Mesmo que seja um Bush que nasceu com a colher de prata na boca! Agora o processo completou-se: apareceu um verdadeiro nabo..Mas tem o lado de ser milionário....É um fenómeno estranhíssimo. Como é que um milionário de Manhattan capta os votos dos tipos do Mississipi? Trump tem teflon para os problemas; os problemas não agarram. A Hillary tem velcro. Das cem coisas mais estranhas que ele já disse uma seria suficiente para arrumar um candidato em qualquer eleição de que me lembre..Visto dos EUA sente que os media têm dois pesos e duas medidas para Trump e Hillary? Há mais prudência quando se trata dela?.Não diria que há uma diferença de tratamento. Desde que Trump foi nomeado, há um debate nos media americanos sobre se é possível manter a isenção. Quando achamos que a república está em risco se faz sentido manter a isenção? No caso da doença de Hillary os media foram bastante prudentes porque não se sabia o que era. Mas isto causa-lhe um dano muito grande..A pneumonia pode custar-lhe a Casa Branca?.Exato. Se regressar e desmaiar outra vez vai ficar pior. O problema é que isto alimenta o seu problema de confiança. O eleitorado não confia nela. E isto alimenta a ideia de que não é transparente. Só admitiu que tinha a pneumonia após desmaiar. É a mesma narrativa dos e-mails. Aquilo é uma história que não morre, uma espécie de vampiro. Mas neste caso da pneumonia quem me surpreendeu mais foi Trump. Disse apenas "espero que fique melhor" e "vemo-nos nos debates". Não é o Trump que temos visto.A doença de Hillary centrou as atenções nos vices. Sobretudo em Tim Kaine. O que é que os americanos acham dele?.É um desconhecido. E Mike Pence também. Geralmente sei o nome dos candidatos a vice e conheço o seu passado político. Já foram secretários ou governadores. Estes, apesar de terem uma carreira distinta, ninguém sabe quem são, o que são ou ao que vêm..[artigo:5389572].Isso não é assustador? Uma vez que um deles pode ser presidente? Afinal Trump pode não estar doente mas tem 70 anos....E revelou ainda menos da sua história médica do que Hillary. Muita gente acha que se Hillary não conseguir recuperar e tiver de sair da campanha, Tim Kaine ganha. Tem menos negativos do que ela. O problema de Hillary também é muito sexismo. Muitíssimo sexismo..Tim Kaine avançar seria mais provável do que outro candidato?.Já não há tempo para isso..Oito anos depois de Obama chegar à presidência, os EUA estão mais simpáticos aos olhos do mundo?.Sem dúvida. Há grandes diferenças. Estávamos no meio de uma crise e agora saímos dela. Mesmo se quem é mais pobre não sente isso. Outra questão: acabámos duas guerras. Ou pelo menos deixámos de ter uma presença tão grande de tropas no terreno no Iraque e no Afeganistão. São pequenos contingentes. Mas no fundo continuamos a perseguir essa guerra com meios aéreos, forças especiais... A guerra só acabou na medida em que podia acabar.