São Mateus

A vida no campo
Publicado a
Atualizado a

Sentamo-nos antes da uma e já vem saindo gente. Aqui almoça-se muito cedo. A certa altura, uma senhora comenta para outra: "Credo, com este vento..." Acha-nos malucos. Nós estamos confiantes: ao final de uma semana de trabalho, a ordem cósmica vai encarregar--se de fazer o vento rodar para norte, deixando-nos protegidos sob os toldos.

Mandamos vir um Frei Gigante e uma travessa de lapas grelhadas. A Catarina gosta das bravas e eu gosto das mansas, o que talvez pudesse dizer tudo sobre nós mas não diz. Estas foram apanhadas há algumas horas, aqui mesmo ao lado, e o modo como recebem a manteiga, o alho e a massa de malagueta prova que foi para isto que nasceram.

Limitamo-nos a fazer parte de uma cadeia. Estamos aqui para servir.

Comemos uma sopa de marisco, servida dentro de um pão, e mandamos vir o peixe. Se for Inverno, talvez cherne. Se for Verão, lírio

de certeza. Ou então uma mista, daquelas que o Fernando costuma sugerir. O espadarte, dispensamos. Se não há lírio, então uma garoupa ou um boca-negra, mais uma posta de cântaro e outra de xaréu.

Lá em cima, toca o sino. De vez em quando chega uma embarcação, que o guindaste iça para terra, enquanto um senhor com uma prancheta manda pesar as safatas. Passam crianças correndo atrás de uma bola. Um rapaz com ar de cobói. Uma motorizada.

E nós ali, a fumar, satisfeitos porque o vento mudou para norte, ou então é do Frei Gigante. Sonhando comprar uma chata com motor fora de borda, para passear aos sábados.

Os restaurantes tornaram-se o nosso luxo burguês. Perdemos o gosto das boutiques e dos stands, e o cinema está impossível. Aos restaurantes, ainda vamos. Mas a esplanada do Beira-Mar, num sábado de sol, não é restaurante: é milagre. Ademais vendo a partir de sexta.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt