Diz-se que os habitantes de Salomão são sábios e criteriosos. Daí a sua simpatia ser absolutamente contagiante quando sabem que o devem ser para quem os visite com o mesmo estado de espírito ou quando deles precisam. Uma outra particularidade deste povo oceânico é que a terra é deles e não do Estado, o que também denota alguma sabedoria que vem de longe. A população destas ilhas vê, de facto, bem longe e perto, não só pela sua argúcia, mas porque poucos têm efetivamente problemas oculares, o que se relaciona com a alimentação à base de frutas, legumes, peixe e frango. Na reunião de que já falei noutras histórias, a propósito dos países da Oceânia e do seu futuro turístico, o representante de Salomão apresentou a realidade do seu país, questionando se as mesmas se afiguram como pontos fracos ou pontos fortes. É uma questão que está de acordo com a sabedoria deste povo. Até das supostas fragilidades, à luz das conceções internacionais, se podem obter oportunidades. E referiu: "O meu país tem gente espalhada por diferentes ilhas remotas, os eletrodomésticos resumem-se praticamente ao frigorífico, ao fogão e aos ventiladores, não há ar condicionado, nem máquinas de lavar e televisores, as comunicações e as restrições de energia são um problema, alguns serviços, como os correios, só chegam até à capital, os médicos apenas estão em algumas ilhas maiores, e os transportes entre ilhas fazem-se de barco". Alguém alvitrou que seria um território propício para quem se quisesse afastar do mundo, em férias ou na reforma. Porém, para além da beleza paisagística, o país tem histórias para contar no seu território, tal como a que é um orgulho para os seus habitantes. Antes de ser presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy serviu na Marinha. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1943, a embarcação em que estava foi atingida por uma outra de origem japonesa e afundou-se. A noite estava escura, sem luar. De repente, a PT-109 foi cortada ao meio pelo contratorpedeiro Amagiri, enquanto navegava entre as ilhas de Kolombangara e Ghizo. Os sobreviventes agarraram-se aos pedaços do barco que ainda flutuavam. Ao amanhecer, Kennedy e os restantes nadaram cinco quilómetros em direção a uma minúscula ilha no horizonte, que não tinha qualquer alimento, e depois partiram para a segunda jornada até a uma praia de uma outra ilha, onde havia coqueiros. Após três dias de sobrevivência comendo cocos, o grupo avistou dois pescadores locais numa canoa e foi entregar-lhes uma mensagem na casca de um coco, escrita pelo próprio Kennedy, para eles o levarem até ao capitão, por mares perigosos. O heroísmo dos pescadores salvou a vida do futuro presidente e dos outros dois marinheiros, que voltaram para a América. No final da intervenção naquele encontro na Nova Zelândia, o representante das Ilhas Salomão falou da ilha Kennedy e ofereceu castanhas vermelhas, para mascar, como é típico no seu país. Passados uns minutos, olhámo-nos e a imagem era absolutamente inusitada, para nós, claro. Nos dentes, a cor vermelha tornou-se evidente, qual musaranho-de-dentes-vermelhos, e os sorrisos também..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.