Saber dormir durante as ondas de calor

Todos são afetados, mas os grupos de risco mais vulneráveis aos efeitos negativos do calor sobre o sono são os idosos e as pessoas com problemas psiquiátricos. Saiba quais são as recomendações da Sociedade Europeia de Medicina do Sono para dormir melhor durante as ondas de calor.
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As mudanças climáticas representam uma enorme ameaça direta à saúde respiratória, promovendo ou agravando doenças respiratórias e, indiretamente, aumentando a exposição a fatores de risco para estas doenças. Agora que, enquanto escrevo, no meio de mais uma onda de calor na Europa e quando, em algumas áreas da província da vizinha Estremadura, em Espanha, a temperatura à superfície do solo ultrapassou os 60 graus Celsius, vamos falar do seu impacto no sono.

É bem sabido que as ondas de calor estão a ocorrer com maior frequência e são conhecidas por afetar particularmente as temperaturas noturnas. Um estudo recente descobriu que, em média, na Europa, o número de dias com calor extremo triplicou desde 1950.

No dia-a-dia, fora das ondas de calor, o aquecimento do corpo antes de dormir, por exemplo tomando um banho quente, pode ter efeitos benéficos para o sono, como aumentar o sono de ondas lentas, o chamado sono profundo. No entanto, a exposição ao calor durante o sono pode levar à sua interrupção.

De facto, o sono e a regulação da temperatura estão intimamente relacionados.

Os seres humanos têm uma temperatura corporal central média de 36,5ºC, que varia em mais ou menos 1ºC durante as 24 horas, sendo que o valor máximo é atingido no final da tarde, enquanto o mínimo ocorre durante as primeiras horas da madrugada. A secreção noturna de melatonina, controlada pelo nosso "pacemaker" circadiano, o "relógio" interno humano, coincide com a regulação negativa da temperatura corporal média à noite e "abre a janela do sono".

Temperaturas ambientes fora da zona de conforto térmico que interferem nesse processo perturbam o início ou a manutenção do sono, levando ao aumento da vigília e à diminuição do sono profundo e da REM, a última fase do ciclo de sono. Os grupos de risco mais vulneráveis aos efeitos negativos das ondas de calor sobre o sono são os idosos e as pessoas com problemas psiquiátricos.

Contudo existem algumas recomendações da Sociedade Europeia de Medicina do Sono para melhorar a qualidade do sono durante as ondas de calor.

Para começar, mantenha a temperatura do quarto constante, preferencialmente em mais ou menos 19ºC. Se isso não for possível, mantenha-o o mais próximo possível de 20 a 25ºC, já que temperaturas mais altas perturbam o sono. Antes de ir para a cama, com temperaturas ambientes altas devido às ondas de calor, um banho fresco ou morno (não frio) pode ajudar a induzir o sono e reduzir o stress causado pelo calor. Como alternativa, mergulhar os pés em água morna pode ser eficaz.

Sistemas de ventilação podem ajudar a arrefecer o quarto. Tenha cuidado com o ar condicionado, que pode ser útil para resfriar o quarto em circunstâncias extremas, mas temperaturas menores de 17ºC também podem atrapalhar o sono. As ventoinhas elétricas consomem até 50 vezes menos eletricidade do que o ar-condicionado, o que é importante no contexto de fatores socioeconómicos individuais e das questões ambientais que contribuem para as mudanças climáticas. Como regra, o uso de dispositivos que consomem energia deve ser visto como último recurso.

No calor extremo, os despertares devido ao calor podem ser reduzidos resfriando o corpo temporariamente com um spray ou pulverizador de água, embora os benefícios sejam debatidos e sejam necessários mais estudos sobre seus efeitos positivos.

Beba bastante durante o dia para melhorar a regulação da temperatura durante a noite. Se não houver períodos de frio durante o dia e a noite, tente manter a casa e o quarto o mais fresco e escuro possível durante o dia e a noite.

Se houver um período fresco durante o dia, ventile a casa e o quarto o máximo possível antes de dormir e feche o quarto quando as temperaturas subirem. Limite o vestuário e escolha roupas de algodão em vez de outros materiais. Mais: se dormiu mal uma noite, não vá dormir mais cedo na noite seguinte, vá para a cama apenas quando sentir sono. No calor extremo, as sestas podem ser úteis, mas tenha cuidado para mantê-las curtas, aproximadamente 20 minutos - e não muito tarde, por exemplo, até às 15h.

Tente manter o ritmo sono-vigília o mais regular possível: a regularidade e a continuidade do sono têm sido associadas a uma melhor qualidade do sono do que apenas a quantidade de sono que dorme.

No verão, é possível que acorde mais cedo. Se acordar mais cedo do que o planeado, levante-se e comece o dia. Evite ficar na cama acordado. Aproveite esse tempo extra para passear ou ler, antes de ir para o trabalho ou iniciar outras atividades.

Em geral, evite dormir noutro lugar que não seja a sua cama e não fique deitado se estiver acordado. Organize um "cantinho de leitura" na sua casa, com livros, revistas ou banda desenhada da sua preferência. Use-o quando ainda não sentir sono antes de ir para a cama e quando não conseguir voltar a dormir no meio da noite. Só volte para a cama quando sentir sono.

Uma cerveja gelada numa noite de verão pode ser agradável, mas tome cuidado com os efeitos do álcool no sono. O álcool é um inibidor do sono profundo, portanto pode interromper a continuidade do sono, o que na verdade está relacionado com a sensação de cansaço e fadiga no dia seguinte. O álcool também desidrata e aumenta a transpiração noturna. Use álcool moderadamente durante as ondas de calor e evite fumar.

Finalmente, a atividade física no início da manhã, quando ainda está relativamente fresco ao ar livre, pode ajudar a combater a fadiga diurna e a manter um horário regular de sono e vigília. Pela sua saúde, durma bem.

Coordenador de Pneumologia e da Unidade de Ventilação e Perturbações do Sono do Instituto CUF Porto
Pneumologista no Hospital CUF Trindade
Professor da Faculdade Medicina da Universidade do Porto

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